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OPINIÃO ECONÔMICA
Chute, chocolate e cerveja
GESNER OLIVEIRA
Causou surpresa a crítica
de Luís Nassif à posição que
defendi nesta coluna de que foram acertadas as decisões do Cade, em 2000, de aprovar com restrições a criação da AmBev e, em
4 de fevereiro deste ano, de mandar desfazer a compra da Garoto
pela Nestlé.
Isso porque o próprio Nassif, em
artigo nesta Folha de 29 de dezembro de 2000, mesmo ano da
decisão sobre a AmBev, ao fazer
uma avaliação da regulação no
Brasil, destacou generosamente
que, "entre todas as agências, o
maior desafio foi a reorganização
do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), e aí sobressai o papel maiúsculo de seu
primeiro presidente, Gesner Oliveira, e de seu corpo de conselheiros". Afirmou no mesmo artigo
que "o maior desafio do Cade foi
o caso AmBev", em relação ao
qual assinalou que "foi exemplar
a dignidade com que o Cade se
comportou diante da rede de suspeitas tecida com manipulação
primária de notícias".
Isso não impede, naturalmente,
que a decisão da AmBev, em
2000, seja revisitada pelo colunista, muito menos que divirja
quanto ao mérito daquela decisão. Porém, ao fazê-lo nesta mesma Folha, em 9 de março, Nassif
distorceu meus argumentos, decerto involuntariamente. Segundo Nassif, "Gesner argumentou
que não era o ponto relevante [a
grande concentração no mercado
de cerveja] porque sempre o governo poderia reduzir as alíquotas de importação. Por que não
vale para chocolates?".
Em primeiro lugar, em meu voto no caso AmBev, cujo texto está
disponível em www.cade.gov.br,
não argumentei que a redução de
alíquotas resolveria o problema
do aumento de poder com a criação da AmBev. Isso é falso. O argumento erroneamente atribuído
a mim não vale para cerveja nem
para chocolates. A razão é simples: em ambos os casos, as exportações e importações são relativamente pequenas porque os custos
de transporte são elevados e o
acesso ao consumidor exige amplas redes de distribuição. Assim,
importações mais baratas não
são capazes, por si só, de impedir
eventual abuso de poder de mercado.
Em segundo lugar, não há contradição em aprovar com restrições uma operação no mercado
de cerveja e bloquear outra no
mercado de chocolates. Seria um
desastre se um colegiado técnico
como o Cade começasse a produzir decisões padronizadas, idênticas para todos os mercados da
economia, independentemente de
suas peculiaridades!
E não vale afirmar que a concentração é elevada em ambos os
casos. Concentração elevada não
é condição suficiente nem mesmo
necessária para proibir uma fusão. É apenas um dos elementos a
serem considerados em uma metodologia de análise de fusões que
é aceita internacionalmente. Essa
posição não é nova: pode ser encontrada à página 87 do "Relatório Anual do Cade" de 1998/99,
anterior à fusão da AmBev.
Em terceiro lugar, tal metodologia é análoga a uma análise de
custo-benefício. Do lado do custo,
está o aumento de poder de mercado que uma fusão pode criar.
Do lado do benefício, está a redução de custo associada às economias que podem ser geradas na
produção, distribuição e administração pela mesma operação. A
maneira de calcular tais eficiências, como são chamadas na literatura especializada, é conhecida
e está detalhada em manual do
Banco Mundial e da OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico),
"Diretrizes para a Elaboração e
Implementação de Política de Defesa da Concorrência", recentemente traduzido para o português pela Editora Singular.
Pois bem, as eficiências demonstradas no caso AmBev foram significativas, situando-se
em um intervalo entre R$ 282 milhões e R$ 552 milhões de reduções anuais de custo. Esses números estão igualmente disponíveis
nos votos da decisão do Cade no
site do órgão. Esse foi o elemento-chave na decisão do Cade, e não
uma promessa publicitária de
multinacional verde-amarela.
Em contraste, no caso Nestlé/Garoto, as estimativas de eficiências
foram consideradas insuficientes
pelas secretarias especializadas
dos ministérios da Fazenda e da
Justiça e pelo Cade.
Reitere-se, em quarto lugar, que
não houve compromisso com o
Cade de a AmBev não ser vendida a estrangeiro, como chegou a
ser veiculado erroneamente na
semana passada. Para verificar
isso, bastaria novamente consultar as razões de decidir do Cade,
que merecem uma leitura no mínimo tão freqüente quanto as
atas do Copom.
Por fim, a aprovação com restrições de uma fusão não representa
um atestado de bom comportamento para a empresa fusionada
pelo resto dos tempos. Eventuais
abusos da AmBev, da InterbrewAmBev ou de qualquer empresa
que tenha posição dominante no
mercado devem ser investigados e
punidos, se for o caso.
Em tempo: não fui o primeiro
presidente do Cade, conforme
afirmou Nassif em dezembro de
2000. O Cade foi criado em 1962 e
teve oito presidentes antes de minha gestão, em 1996-00.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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