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São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Deflação e recessão

BENJAMIN STEINBRUCH

No passado recente, os brasileiros morriam de medo do dragão da inflação. Esse monstro alado e com cauda de serpente era um pesadelo recorrente. Qualquer pesquisa que se fizesse dava o mesmo resultado: o maior problema da economia brasileira era a inflação.
As coisas mudaram. Nos últimos meses, o dragão agitou a cauda, mas já parece de novo aquietado. Na semana passada, o pessoal da Fipe, que apura a variação dos preços no varejo em São Paulo, falava até em uma possível deflação em maio. Os preços dos alimentos, que representaram a principal pressão nos últimos meses, finalmente cederam. Após 12 meses seguidos de alta, caíram 2,7% em abril.
Do exterior também não vem mais nenhuma pressão. O presidente do Banco Central americano, Alan Greenspan, velho guardião da moeda, agora alerta para o risco de redução "inoportuna" da inflação. Por mais que ele baixe os juros, que estão em 1,25% ao ano nos Estados Unidos, os consumidores não compram.
Hoje os medos são outros, e não faz sentido continuar assombrado com o dragão. O monstro que atormenta os sonhos brasileiros é a recessão. Lá fora, são a recessão e a deflação. As taxas de juros, não só nos Estados Unidos mas também na Europa e em todo o mundo desenvolvido, estão no nível mais baixo dos últimos 40 anos. Apesar disso, as economias não reagem. Quando a inflação cai demais -e, principalmente, quando há inflação negativa-, o consumidor espera para comprar mais tarde, porque acredita na queda dos preços.
Nesse contexto, o que aguarda o Banco Central brasileiro para reduzir a taxa básica de juros? Até os mais ortodoxos analistas acham que chegou a hora de uma "paulada" na taxa. Por mais que esse instrumento não esteja funcionando no momento para reativar a economia desenvolvida, ele pode ser usado com eficiência por aqui, onde os juros são escandalosamente altos a ponto de impedir o investimento doméstico e atrair capital externo em busca de remuneração a curto prazo, para operações que os especialistas chamam de arbitragem. Neste momento, portanto, a redução da taxa de juros pode cumprir também a função de conter um pouco a entrada desse investimento especulativo internacional, que Delfim Netto apelidou de "capital morte súbita" e que outros denominam "capital motel".
Os leigos devem estar atônitos com tudo isso. Até pouco tempo atrás, o Brasil estava assustado com a disparada do dólar e rezava por uma mudança de tendência. Agora, tudo se inverteu. Na semana passada, cada vez que o dólar baixava as pessoas punham as mãos na cabeça: "Somos uma Suíça, só falta nevar em julho!".
A preocupação, porém, é correta. Mantida a atual tendência de valorização do real, a balança comercial será fortemente atingida a médio prazo. O superávit comercial, previsto para US$ 18 bilhões neste ano, cairá, e com isso o déficit em conta corrente voltará a subir. Ao baixar as taxas de juros, portanto, o Banco Central tem a chance de perseguir dois objetivos com uma única medida: estimular o crescimento da economia e ajudar no equilíbrio das contas externas. Atenuado o fluxo dos capitais voláteis, a cotação do dólar pode aumentar e deixar de ameaçar o desempenho futuro das exportações e o superávit comercial.
O vencedor do Prêmio Nobel Joseph Stiglitz é um dos expoentes da economia não-ortodoxa atual. Há poucos dias, publicou um artigo em que desbanca alguns clichês ardorosamente defendidos como verdades absolutas pelos presidentes de bancos centrais. Um deles é que a inflação é prejudicial ao crescimento e à produtividade. Stiglitz sustenta que a busca de níveis de inflação excessivamente baixos representa um desastre para o crescimento.
Quando até Alan Greenspan começa a arrancar os poucos cabelos por causa da deflação e tenta colocar a política monetária americana a favor do crescimento, é sinal de que as percepções e as verdades estão mudando. É possível que a ameaça do dragão inflacionário ressurja um dia. Por ora, não passa de um medo infantil.


Benjamin Steinbruch, 49, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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