São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004

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INVESTIMENTOS

Com nervosismo, Tesouro aceitou taxas maiores que as de empresas

Governo paga mais que título privado

11.mai.04 - João Wainer/Folha Imagem
Pregão da BM&F (Bolsa Mercantil & de Futuros) na terça-feira


LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O nervosismo e a volatilidade no mercado financeiro foram tão elevados na semana passada que o Tesouro aceitou recomprar títulos de sua emissão a taxas mais altas do que a verificada dias antes em papéis privados emitidos recentemente. Seria como se o risco do governo tivesse superado, mesmo que momentaneamente, o de empresas privadas.
"A distorção foi tão grande que o papel público passou a ter risco de crédito mais alto que o papel privado", disse à Folha Nelson Rocha Augusto, presidente do BB DTVM -maior gestor de fundos de investimento do país, ligado ao Banco do Brasil.
José Antônio Gragnani, secretário-adjunto do Tesouro, afirma, no entanto, que essa comparação não pode ser feita. Segundo ele, é incorreto comparar taxas de juros entre papéis em datas diferentes. "Não me lembro, nem uma vez sequer, de uma situação em que LFTs [Letras Financeiras do Tesouro] tenham pago juros maiores que papéis privados num mesmo momento."
Depois de desvalorizações seguidas de LFTs no mercado, o que prejudicou fundos de investimento que aplicam nesses papéis, o Tesouro resolveu recomprar parte dos títulos para impedir depreciações maiores. Receosos do impacto que o esperado aumento dos juros nos Estados Unidos deve provocar nas economias emergentes, bancos e investidores passaram a se desfazer das LFTs de prazos mais longos.
Na semana passada, o Tesouro reincorporou à sua carteira LFTs com vencimento em 2007 a uma taxa equivalente a 105% do CDI (Certificados de Depósitos Interbancários). DI é a taxa cobrada nas operações de crédito realizadas entre os bancos, a qual segue o juro básico da economia, definido mensalmente pelo Banco Central.
Uma semana antes, a Telemar emitiu títulos, debêntures de três anos, a 104,5% do CDI. Na segunda-feira desta semana, uma debênture das Lojas Americanas com vencimento em 2007 era negociada no mercado a aproximadamente 105% do CDI, o equivalente a cerca de 16,3% em termos anuais. A taxa Selic está em 16% ao ano.
Segundo Gragnani, se a comparação fosse feita no mesmo dia, os papéis da Telemar estariam acima da taxa das LFTs. Como exemplo, ele citou contratos de juros futuros com vencimento em janeiro de 2006. Na segunda-feira, esses contratos apontavam taxa de 18,6% ao ano. Na terça, de 17,9%.
"Uma diferença de 0,70 [ponto percentual] apenas de um dia para o outro. O mercado está extremamente volátil. Com certeza, numa comparação de prazos iguais e no mesmo momento, os papéis privados pagam mais que os públicos", disse Gragnani.

Maior liquidez
Os títulos públicos têm mais oferta e demanda no mercado do que os papéis privados. É o que se chama de liquidez, a facilidade de comprar ou de se desfazer de um ativo -em tese, Estados não quebram, diferentemente de empresas.
Dessa forma, diz Gragnani, um papel privado pagará sempre um "prêmio" [juro] acima do título do Tesouro, devido à maior dificuldade de revenda. "Qualquer um compra um título do Tesouro: investidor pessoa física, fundo de investimento, fundo de pensão. Já o mercado para os papéis privados é mais restrito."
Rocha Augusto ressaltou que o fato verificado na semana passada foi algo temporário. Segundo ele, ninguém duvida de que o risco soberano [governo] é melhor do que o privado. "Foi um desequilíbrio de mercado."
Em sua opinião, apesar das turbulências, o Brasil vive um momento "ímpar" em sua história econômica. "Temos um cenário de inflação controlada, superávit comercial, equilíbrio das contas públicas e sinais claros de retomada do crescimento. A turbulência no Brasil hoje se deve muito mais a fatores externos", disse.
Marcelo D"Agosto, diretor do site Fortuna, especializado em acompanhamento de fundos de investimento, diz que papéis privados podem ficar momentaneamente abaixo de títulos públicos apenas por problemas de liquidez. Ou seja, por falta de oferta e demanda, a taxa do papel ficaria parada.
"Isso significaria que os papéis privados estariam defasados em relação aos títulos do Tesouro. Mas não que o mercado daria preferência aos papéis privados em detrimento aos títulos públicos."


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