São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Vulnerabilidade e(x)terna

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O Brasil tem sido muito bem comportado na área econômica. Esforçou-se bastante para merecer os elogios de Washington e Wall Street. Quase diria: é o maior cê-dê-efe do mundo emergente. Nem por isso tira boas notas.
A situação é curiosa. A inflação está em queda e dentro da meta oficial, as taxas de juro oferecidas aos investidores são generosas, o superávit primário vem sendo produzido a ferro e fogo e, "last but not least", o salário mínimo teve um reajuste "responsável", leia-se, ridículo.
O mercado, porém, mostra-se insatisfeito e nervoso. O risco-país explodiu, o prêmio pago pelo Brasil é um dos mais altos do planeta, a Bolsa brasileira murchou e o real está sob pressão no mercado de câmbio.
As causas mais imediatas dessa turbulência financeira são conhecidas: expectativa de alta dos juros nos EUA, aumento do preço do petróleo, certo enfraquecimento político interno do governo brasileiro desde o início do ano, sintomas de fragilidade da sua base parlamentar etc. Para além dessas flutuações conjunturais -nenhuma delas até agora particularmente dramática, diga-se de passagem-, há um aspecto que talvez devesse ocupar um pouco mais a nossa atenção: por que será que os melhores alunos do mundo emergente têm essa irritante tendência a submergir volta e meia?
Os países bem comportados da periferia internacional fazem o seu "dever de casa", cumprem as metas do FMI, obedecem a todas as regrinhas com sacrifícios consideráveis. E a recompensa? Crescimento medíocre e turbulências recorrentes. A experiência está mostrando que o tipo de política econômica adotado pelo Brasil não propicia nem crescimento nem estabilidade.
Há algo de fundamentalmente errado. Em primeiro lugar, equipe econômica que se preza não se rebaixa à condição de aluno esforçado, disposto a fazer disciplinadamente o seu "dever de casa" (eis aí uma expressão que deveria ser banida de discursos oficiais e do noticiário). Cabe, obviamente, formular um programa próprio, à luz das especificidades e prioridades nacionais.
Por outro lado, aquilo que os mercados financeiros consideram "recomendável" ou "fundamental" varia brusca e aleatoriamente. Os sábios econômicos de hoje podem ser os idiotas de amanhã. E fica por isso mesmo.
Em outras palavras, os mercados financeiros não são confiáveis. Governo de país subdesenvolvido que erige a busca da confiança desses mercados em meta e critério principais da sua política econômica corre sério risco de fracassar.
Entre parênteses: o fracasso do governo não significa fracasso dos integrantes da equipe econômica do mesmo governo. Ao contrário, esses aí, se dançarem conforme a música até o fim, podem sair de Brasília para melhor: carreiras confortáveis e bem remuneradas em Washington, Wall Street ou alguma instituição financeira privada local.
Para quem tinha dúvidas, o ano de 2004 está demonstrando, didaticamente, que o problema da vulnerabilidade externa não foi superado. É verdade que, graças principalmente ao superávit comercial, a posição em conta corrente melhorou muito desde meados de 2002. As exportações e as importações responderam mais do que se esperava à depreciação cambial de 2002 e estão resistindo -também mais do que se esperava- à revalorização do real em 2003.
Infelizmente, a questão não se resume às transações correntes. Nada foi feito para regular os movimentos de capital e administrar de forma mais rigorosa o perfil do passivo externo do país. O nível de reservas do Brasil é baixo. O governo deixou passar a oportunidade de recompor as reservas de modo mais expressivo em 2003.
Em conseqüência, certos indicadores brasileiros continuam sofríveis. Por exemplo, as amortizações da dívida externa de médio e longo prazos (inclusive FMI e empréstimos intercompanhias) alcançarão cerca de US$ 48 bilhões em 2004. A isso se acrescenta a necessidade de refinanciar as dívidas de curto prazo e estimular a permanência no país de investimentos estrangeiros de portfólio. A soma desses dois componentes de capital de curto prazo ou volátil é da ordem de US$ 40 bilhões. Portanto o Brasil começou 2004 com compromissos de curto prazo e passivos externos voláteis de quase US$ 100 bilhões. As reservas internacionais do país situam-se em torno de US$ 50 bilhões em termos brutos (sem descontar os passivos com o FMI).
Não quero nem me estender sobre o outro aspecto da questão: a vulnerabilidade interna da conta de capitais -resultado da liquidez do estoque de ativos financeiros em reais e da facilidade com que a minoria de brasileiros ricos transfere capitais para o exterior.
Devo dizer que dá uma certa náusea repetir esse tipo de crítica pela enésima vez. Fiz um levantamento e descobri que, em maio do ano passado, publiquei aqui mesmo um artigo com preocupações semelhantes e praticamente o mesmo título: "Vulnerabilidade e(x)terna?".
Hoje, em protesto, suprimi o ponto de interrogação.


Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net


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