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OPINIÃO ECONÔMICA
Vulnerabilidade e(x)terna
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
O Brasil tem sido muito bem
comportado na área econômica. Esforçou-se bastante para
merecer os elogios de Washington
e Wall Street. Quase diria: é o
maior cê-dê-efe do mundo emergente. Nem por isso tira boas notas.
A situação é curiosa. A inflação
está em queda e dentro da meta
oficial, as taxas de juro oferecidas
aos investidores são generosas, o
superávit primário vem sendo
produzido a ferro e fogo e, "last
but not least", o salário mínimo
teve um reajuste "responsável",
leia-se, ridículo.
O mercado, porém, mostra-se
insatisfeito e nervoso. O risco-país
explodiu, o prêmio pago pelo Brasil é um dos mais altos do planeta,
a Bolsa brasileira murchou e o
real está sob pressão no mercado
de câmbio.
As causas mais imediatas dessa
turbulência financeira são conhecidas: expectativa de alta dos juros nos EUA, aumento do preço
do petróleo, certo enfraquecimento político interno do governo
brasileiro desde o início do ano,
sintomas de fragilidade da sua
base parlamentar etc. Para além
dessas flutuações conjunturais
-nenhuma delas até agora particularmente dramática, diga-se
de passagem-, há um aspecto
que talvez devesse ocupar um
pouco mais a nossa atenção: por
que será que os melhores alunos
do mundo emergente têm essa irritante tendência a submergir
volta e meia?
Os países bem comportados da
periferia internacional fazem o
seu "dever de casa", cumprem as
metas do FMI, obedecem a todas
as regrinhas com sacrifícios consideráveis. E a recompensa? Crescimento medíocre e turbulências
recorrentes. A experiência está
mostrando que o tipo de política
econômica adotado pelo Brasil
não propicia nem crescimento
nem estabilidade.
Há algo de fundamentalmente
errado. Em primeiro lugar, equipe econômica que se preza não se
rebaixa à condição de aluno esforçado, disposto a fazer disciplinadamente o seu "dever de casa"
(eis aí uma expressão que deveria
ser banida de discursos oficiais e
do noticiário). Cabe, obviamente,
formular um programa próprio, à
luz das especificidades e prioridades nacionais.
Por outro lado, aquilo que os
mercados financeiros consideram
"recomendável" ou "fundamental" varia brusca e aleatoriamente. Os sábios econômicos de hoje
podem ser os idiotas de amanhã.
E fica por isso mesmo.
Em outras palavras, os mercados financeiros não são confiáveis. Governo de país subdesenvolvido que erige a busca da confiança desses mercados em meta e
critério principais da sua política
econômica corre sério risco de fracassar.
Entre parênteses: o fracasso do
governo não significa fracasso dos
integrantes da equipe econômica
do mesmo governo. Ao contrário,
esses aí, se dançarem conforme a
música até o fim, podem sair de
Brasília para melhor: carreiras
confortáveis e bem remuneradas
em Washington, Wall Street ou
alguma instituição financeira
privada local.
Para quem tinha dúvidas, o
ano de 2004 está demonstrando,
didaticamente, que o problema
da vulnerabilidade externa não
foi superado. É verdade que, graças principalmente ao superávit
comercial, a posição em conta
corrente melhorou muito desde
meados de 2002. As exportações e
as importações responderam
mais do que se esperava à depreciação cambial de 2002 e estão resistindo -também mais do que
se esperava- à revalorização do
real em 2003.
Infelizmente, a questão não se
resume às transações correntes.
Nada foi feito para regular os movimentos de capital e administrar
de forma mais rigorosa o perfil do
passivo externo do país. O nível
de reservas do Brasil é baixo. O
governo deixou passar a oportunidade de recompor as reservas
de modo mais expressivo em
2003.
Em conseqüência, certos indicadores brasileiros continuam sofríveis. Por exemplo, as amortizações da dívida externa de médio e
longo prazos (inclusive FMI e empréstimos intercompanhias) alcançarão cerca de US$ 48 bilhões
em 2004. A isso se acrescenta a necessidade de refinanciar as dívidas de curto prazo e estimular a
permanência no país de investimentos estrangeiros de portfólio.
A soma desses dois componentes
de capital de curto prazo ou volátil é da ordem de US$ 40 bilhões.
Portanto o Brasil começou 2004
com compromissos de curto prazo
e passivos externos voláteis de
quase US$ 100 bilhões. As reservas
internacionais do país situam-se
em torno de US$ 50 bilhões em
termos brutos (sem descontar os
passivos com o FMI).
Não quero nem me estender sobre o outro aspecto da questão: a
vulnerabilidade interna da conta
de capitais -resultado da liquidez do estoque de ativos financeiros em reais e da facilidade com
que a minoria de brasileiros ricos
transfere capitais para o exterior.
Devo dizer que dá uma certa
náusea repetir esse tipo de crítica
pela enésima vez. Fiz um levantamento e descobri que, em maio do
ano passado, publiquei aqui mesmo um artigo com preocupações
semelhantes e praticamente o
mesmo título: "Vulnerabilidade
e(x)terna?".
Hoje, em protesto, suprimi o
ponto de interrogação.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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