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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Embaixador vê sucessão de erros do Brasil na crise do gás
Para Ricupero, acabou sonho
de integração sul-americana
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A crise entre o Brasil e a Bolívia e
o apoio do presidente venezuelano, Hugo Chávez, a seu colega
Evo Morales enterram o principal
projeto da política externa do governo atual, a integração da América do Sul, afirma o embaixador
Rubens Ricupero.
"O sonho acabou", afirma Ricupero, destacando que, ao longo de
sua carreira diplomática, esteve
entre os defensores da integração
sul-americana. Nessa condição,
apoiou o projeto do gasoduto
Brasil-Bolívia, uma das obras que
permitiriam a união física dos
países da região.
Agora, Ricupero vê o fim do
projeto de integração energética
entre os dois países e o comprometimento, talvez "irremediável", da relação bilateral. Da mesma forma, considera inviável o
projeto de Chávez de construção
do grande gasoduto do sul, que
teria 8.000 km, passaria pelo Brasil e levaria gás da Venezuela a vários países da América do Sul.
"O pressuposto de todos esses
projetos é a idéia de que somos
sul-americanos, somos vizinhos,
temos de nos tratar de maneira
especial, na base da confiança",
diz Ricupero.
Para ele, a confiança deixou de
existir no momento em que Morales tratou o Brasil com hostilidade e Chávez mandou funcionários da estatal PDVSA para fazer
devassa nas contas da Petrobras
na Bolívia. "Como podemos entrar em um projeto com esse homem?", pergunta, referindo-se ao
presidente venezuelano.
Ação inexplicável
Como diplomata, Ricupero
acompanhou desde os primórdios a negociação para construção do gasoduto Brasil-Bolívia e
lembra que a iniciativa do projeto
foi do país vizinho. Por isso, considera "inexplicável" a ação do
governo boliviano, em especial o
ataque à Petrobras.
"A Petrobras foi para a Bolívia
dentro de um projeto de cooperação, que tinha um sentido político. O governo brasileiro estava
atendendo a um pedido do governo boliviano, que mandou vários
emissários para o Brasil", recorda
Ricupero.
Ricupero vê uma sucessão de
equívocos na reação do governo
brasileiro a Morales e classifica de
"absurda" a nota que o Palácio do
Planalto divulgou no dia seguinte
à edição do decreto de nacionalização do gás. Nela, o Brasil reconhecia a soberania da Bolívia e o
direito do de país dispor de seus
recursos naturais.
"Foi no exercício de sua soberania que a Bolívia assinou acordos
com o Brasil. Soberania não é
uma camisa que você põe e tira a
qualquer hora", ressalta.
Erro colossal
O embaixador também ataca a
presença de Chávez na reunião
entre Lula, Morales e Néstor
Kirchner (Argentina) para discutir a crise e considera um erro "colossal" o Brasil ter aceito negociar
com a Bolívia sob pressão.
"O Brasil se dispôs a negociar
apesar de tropas estarem cercando as instalações da Petrobras,
funcionários nomeados pelo governo boliviano estarem dentro
das instalações da Petrobras, em
uma negociação com condições
estipuladas pelo governo boliviano", observa. "Quem aceita negociar nessas condições já perdeu a
negociação."
Ricupero acredita que a situação vá piorar ainda mais e que o
governo brasileiro não está preparando o país para o pior, que é a
hipótese de interrupção no fornecimento de gás.
O embaixador defende a elaboração de um plano de emergência,
que inclua a importação de gás
natural liquefeito e a aceleração
dos investimentos nos campos de
gás no Brasil. Para Ricupero, serão inevitáveis perdas para parte
dos consumidores que hoje dependem do gás boliviano.
Além de elaborar o plano, o governo deve anunciá-lo publicamente, defende o embaixador. "A
Bolívia está contando que o Brasil
vai ceder porque não vai ter alternativa e o Brasil está dando essa
impressão", afirma.
Ricupero acredita que a América do Sul viva um momento de
atomização, no qual não existe
nenhum tema "unificador". Em
sua opinião, a crise boliviana deverá levar o governo brasileiro a
um exercício de "introspecção",
de análise da prioridade dada à
América do Sul.
"[Esse exercício] vai ter de levar
a uma política externa no continente um pouco mais conduzida
de acordo com prioridades nacionais", afirma.
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