São Paulo, sábado, 13 de maio de 2006

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TENSÃO ENTRE VIZINHOS

Embaixador vê sucessão de erros do Brasil na crise do gás

Para Ricupero, acabou sonho de integração sul-americana

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A crise entre o Brasil e a Bolívia e o apoio do presidente venezuelano, Hugo Chávez, a seu colega Evo Morales enterram o principal projeto da política externa do governo atual, a integração da América do Sul, afirma o embaixador Rubens Ricupero.
"O sonho acabou", afirma Ricupero, destacando que, ao longo de sua carreira diplomática, esteve entre os defensores da integração sul-americana. Nessa condição, apoiou o projeto do gasoduto Brasil-Bolívia, uma das obras que permitiriam a união física dos países da região.
Agora, Ricupero vê o fim do projeto de integração energética entre os dois países e o comprometimento, talvez "irremediável", da relação bilateral. Da mesma forma, considera inviável o projeto de Chávez de construção do grande gasoduto do sul, que teria 8.000 km, passaria pelo Brasil e levaria gás da Venezuela a vários países da América do Sul.
"O pressuposto de todos esses projetos é a idéia de que somos sul-americanos, somos vizinhos, temos de nos tratar de maneira especial, na base da confiança", diz Ricupero.
Para ele, a confiança deixou de existir no momento em que Morales tratou o Brasil com hostilidade e Chávez mandou funcionários da estatal PDVSA para fazer devassa nas contas da Petrobras na Bolívia. "Como podemos entrar em um projeto com esse homem?", pergunta, referindo-se ao presidente venezuelano.

Ação inexplicável
Como diplomata, Ricupero acompanhou desde os primórdios a negociação para construção do gasoduto Brasil-Bolívia e lembra que a iniciativa do projeto foi do país vizinho. Por isso, considera "inexplicável" a ação do governo boliviano, em especial o ataque à Petrobras.
"A Petrobras foi para a Bolívia dentro de um projeto de cooperação, que tinha um sentido político. O governo brasileiro estava atendendo a um pedido do governo boliviano, que mandou vários emissários para o Brasil", recorda Ricupero.
Ricupero vê uma sucessão de equívocos na reação do governo brasileiro a Morales e classifica de "absurda" a nota que o Palácio do Planalto divulgou no dia seguinte à edição do decreto de nacionalização do gás. Nela, o Brasil reconhecia a soberania da Bolívia e o direito do de país dispor de seus recursos naturais.
"Foi no exercício de sua soberania que a Bolívia assinou acordos com o Brasil. Soberania não é uma camisa que você põe e tira a qualquer hora", ressalta.

Erro colossal
O embaixador também ataca a presença de Chávez na reunião entre Lula, Morales e Néstor Kirchner (Argentina) para discutir a crise e considera um erro "colossal" o Brasil ter aceito negociar com a Bolívia sob pressão.
"O Brasil se dispôs a negociar apesar de tropas estarem cercando as instalações da Petrobras, funcionários nomeados pelo governo boliviano estarem dentro das instalações da Petrobras, em uma negociação com condições estipuladas pelo governo boliviano", observa. "Quem aceita negociar nessas condições já perdeu a negociação."
Ricupero acredita que a situação vá piorar ainda mais e que o governo brasileiro não está preparando o país para o pior, que é a hipótese de interrupção no fornecimento de gás.
O embaixador defende a elaboração de um plano de emergência, que inclua a importação de gás natural liquefeito e a aceleração dos investimentos nos campos de gás no Brasil. Para Ricupero, serão inevitáveis perdas para parte dos consumidores que hoje dependem do gás boliviano.
Além de elaborar o plano, o governo deve anunciá-lo publicamente, defende o embaixador. "A Bolívia está contando que o Brasil vai ceder porque não vai ter alternativa e o Brasil está dando essa impressão", afirma.
Ricupero acredita que a América do Sul viva um momento de atomização, no qual não existe nenhum tema "unificador". Em sua opinião, a crise boliviana deverá levar o governo brasileiro a um exercício de "introspecção", de análise da prioridade dada à América do Sul.
"[Esse exercício] vai ter de levar a uma política externa no continente um pouco mais conduzida de acordo com prioridades nacionais", afirma.


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