São Paulo, terça-feira, 13 de maio de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Cuidado com o câmbio


Estragos irreparáveis podem se dar em setores exportadores e na própria credibilidade externa do país

HÁ MUITO otimismo com o momento da economia brasileira. O país ganhou o "investment grade", a produção segue em crescimento, a indústria faz investimentos para aumentar sua capacidade e a inflação parece sob controle, embora tenha subido. O cenário interno, enfim, é positivo, a despeito da crise internacional oriunda dos Estados Unidos.
Tudo isso é verdade, mas a velha frase de Mario Henrique Simonsen -"a inflação aleija, mas o câmbio mata"- nos força a pensar em cautela e vigilância. O país continua muito consciente dos efeitos desastrosos da inflação que o assombrou no passado recente, o que é muito bom, e pouco atento ao outro problema explícito na frase de Simonsen, o câmbio.
Não quero aborrecer o leitor com excesso de números. Mas vale a pena examinar as mensagens que nos passam alguns dados das contas externas.
A razão principal do sucesso brasileiro neste início de século é o fim da vulnerabilidade externa, um peso que o país carregava desde a década de 1970. Nos oito anos do governo passado, o Brasil acumulou déficit total de US$ 187 bilhões em suas transações correntes, que incluem a balança comercial e a de serviços. Nos últimos cinco anos, porém, a conta virou positiva. A captação de recursos externos e o excepcional aumento das exportações, que passaram de uma média anual de US$ 60 bilhões em 2002 para US$ 161 bilhões em 2007, produziram um superávit acumulado de US$ 47 bilhões nas transações correntes. Graças isso, foi possível elevar as reservas cambiais para quase US$ 200 bilhões, nível que assegura tranqüilidade no manejo das contas externas.
Mas, em março, ocorreu um déficit de US$ 4,4 bilhões nas transações correntes. No primeiro trimestre, o resultado negativo acumulado atingiu US$ 10,7 bilhões e no quadrimestre deve ultrapassar US$ 13 bilhões, segundo estimativas.
Não é necessário fazer muita pesquisa para ver que as coisas mudaram nas contas externas e que a balança comercial caminha para o déficit. No ano passado e em 2006, os superávits mensais ficavam sempre acima de US$ 3 bilhões, chegando a ultrapassar US$ 5 bilhões em alguns meses. Neste ano, os superávits estão sempre abaixo de US$ 2 bilhões. No primeiro quadrimestre, o saldo acumulado foi de US$ 4,58 bilhões, em comparação com US$ 12,9 bilhões no mesmo período do ano passado. Atenção para a queda: 65%.
Enquanto as importações seguem num impressionante ritmo anual de expansão, superior a 40%, as exportações perdem força. Em março, houve até redução de 2,14% sobre março do ano passado. No quadrimestre, as exportações aumentaram 13,6%. Um ano atrás, cresciam 18,12%. Essa desaceleração ocorre a despeito do extraordinário aumento dos preços dos produtos exportados. Exemplos: 56% em um ano para a soja, 36% para a carne bovina e 37% para laminados planos.
As condições de financiamento do déficit externo ainda são muito boas. A previsão de maior ingresso de recursos após o grau de investimento levou até o governo a retomar a idéia de criar um fundo soberano que poderá absorver uma parte dos dólares que entram no país e financiar investimentos de empresas brasileiras no exterior. É uma medida com o objetivo de conter a apreciação do real e ajudar a inverter a tendência de queda do superávit comercial. Deixar o dólar completamente solto não é uma boa providência. Com o câmbio flutuante, o mercado mais cedo ou mais tarde vai ajustar a cotação. Mas, até que isso ocorra, estragos irreparáveis podem se dar em setores exportadores e na própria credibilidade externa do país.


BENJAMIN STEINBRUCH , 54, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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