São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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Espanha toma a via grega, com corte e greves

Salários do funcionalismo e gastos públicos serão reduzidos; sindicalistas reagem e ameaçam com paralisações gerais

Haverá ainda corte de 15% nos soldos dos membros do governo, fim da ajuda para casais com recém-nascidos e fim da aposentadoria parcial

Alvaro Barrientos - 30.abr.10/Associated Press
Desempregado usa placa "tenho fome" para pedir esmolas em Pamplona, na Espanha; governo adota medidas de ajuste fiscal

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

A Espanha começou ontem a entrar na trilha da Grécia: o governo do socialista José Luis Rodríguez Zapatero anunciou duras medidas de ajuste fiscal, incluída redução de 5% nos salários do funcionalismo. Mais ou menos como na Grécia.
Também como na Grécia, o sindicalismo reagiu com a ameaça de greve geral.
Cándido Méndez, líder da UGT (União Geral de Trabalhadores, historicamente vinculada aos socialistas), disse que o pacote representa "uma quebra do discurso político de Zapatero" e "uma mudança de cenário nas relações com as organizações sindicais".
Seu colega Ignacio Fernández Toxo, secretário-geral das "Comisiones Obreras", ligadas ao Partido Comunista quando o PC tinha força, deu prazo até amanhã para o governo encontrar alternativas, sob pena de receber "uma contestação maciça dos trabalhadores".
O pacote será formalmente aprovado amanhã, daí o prazo de Toxo.
No âmbito político, Zapatero teve de ouvir do líder da oposição, o conservador Mariano Rajoy, que o corte aplicado nos direitos sociais "contradiz o que vem dizendo nos últimos anos".
É uma irônica vingança: os socialistas é que passam o tempo todo dizendo que um eventual governo conservador limaria os direitos sociais.
Produziu-se, também ironicamente, uma convergência entre os comunistas abrigados na coligação IU (Esquerda Unida, iniciais em espanhol) e os conservadores de Rajoy: as medidas anunciadas "são impróprias de um governo que se diz socialista", atacou Cayo Lara, o líder.
O chefe do bloco parlamentar da esquerda, Gaspar Llamazares, foi na mesma direção: "É um ajuste antissocial, que ataca os mais débeis e que requer uma forte contestação social".
O pacote é composto de nove medidas que, se aplicadas efetivamente, cortarão o gasto público em € 15 bilhões (quase R$ 34 bilhões).
Inclui, além do corte dos salários do funcionalismo, congelamento dos vencimentos em 2011; corte de 15% nos soldos dos membros do governo; suspensão da revalorização das aposentadorias; e eliminação da aposentadoria parcial.
Também haverá o corte da ajuda de € 2.500 para casais com recém-nascidos; redução de € 600 milhões na ajuda oficial ao desenvolvimento; e corte do investimento público em € 6,045 bilhões (R$ 13 bilhões).
As coincidências entre Espanha e Grécia não param no dueto pacote/greve (ou ameaça de greve), por mais que as condições macroeconômicas dos dois países sejam diferentes, como não se cansam de dizer as autoridades espanholas.
Ambos os países tiveram de fazer ajustes duros por pressão dos mercados. O governo espanhol já havia anunciado planos de cortar gastos no valor de € 5 bilhões neste ano e de € 10 bilhões em 2011. A crise levou a decepar tudo já neste ano.

Números
O corte representa um pouquinho mais que 1% do PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção econômica de um país). Corresponde, portanto, a um décimo do buraco atual nas contas públicas, que é de 11,2%, Significa dizer que haverá mais ajustes em 2011, até porque o objetivo do governo é chegar a 3% de deficit em 2013.
Mas o corte de gastos tende a afetar a incipiente e frágil recuperação da economia, que cresceu magérrimo 0,1% no primeiro trimestre, depois de oito trimestres consecutivos de retração (dois anos, portanto).
Mais do que na Grécia, o desemprego é elevado, um recorde de 20,5% da população economicamente ativa. Como na Grécia, o deficit público (11,2%) é superior à média europeia (6,8%). O deficit grego ganha com alguma folga (13,6%).
Só na dívida é que há diferença importante: a espanhola não passa de 53,2% do PIB, inferior à média europeia de 73,6% e inferior até aos critérios exigidos para entrar no euro (dívida não superior a 60% do PIB).
Ainda assim, a Espanha, a partir da crise grega, passou a pagar mais para rolar sua dívida. É uma evidência de que a pressão dos mercados obriga o governo a agir mais acelerada e duramente do que pretendia.
De todo modo, o entroncamento principal é político: a necessidade de reduzir o deficit, imposta pelos mercados, cobrada pela Alemanha e até por Obama, coincide com o rechaço social do sacrifício.
Falta só acender o fósforo, como se fez na Grécia. Para evitá-lo, Zapatero chamou as duas centrais para conversar hoje.
É improvável que receba os aplausos que recebeu ontem da União Europeia ("as medidas vão na direção certa") e do FMI, que celebrou a "imediata reação" da Espanha.


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