São Paulo, quinta-feira, 13 de maio de 2010

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ARTIGO

A mais nova odisseia da Grécia

THOMAS FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM ATENAS

Para o líder de um país cujas finanças vêm causando susto ao planeta há meses, o primeiro-ministro grego, George Papandreou, ostenta uma calma quase zen, digna de Obama.
Ele acaba de retornar de reunião com os demais líderes da União Europeia, que decidiram tentar evitar o colapso da Grécia e racha no bloco por meio de uma demonstração de força esmagadora -prometendo quase US$ 1 trilhão em apoio à economia de qualquer país-membro que venha a ter dificuldades.
Mas, em um almoço cujo cardápio incluía peixe grelhado e salada grega, Papandreou deixou claro que está ciente de que o acordo da UE não é uma simples troca de dinheiro de resgate por cortes orçamentários. Não: se considerarmos com atenção o que será preciso para que a Grécia corrija sua economia, estamos falando de uma troca de verbas de resgate por uma revolução. Todo o sistema econômico e político do país terá de mudar, se a Grécia quiser cumprir sua parte do trato.
Papandreou diz que está pronto e que o mesmo se aplica ao país. "As pessoas apelam para que eu mude o país, sabem que mudanças são necessárias. Ninguém desejaria perder essa oportunidade."
Em um restaurante instalado no topo de um edifício, com vista para a Acrópole, peço que Papandreou me conte como foi ser alvo de caçada para o pessoal das transações eletrônicas de títulos por seis meses.
"Por conta da crise de 2008, todos os agentes de mercado se tornaram mais avessos a riscos, e por isso eles atiram rápido", diz o primeiro-ministro de centro-esquerda, eleito em outubro para consertar a bagunça. Os agentes do mercado são "como um animal ferido, que recua ante o menor movimento. Por isso, qualquer boato pode tornar realidade as profecias desfavoráveis que contém".
Comparar os protagonistas do mercado de títulos a bestas selvagens talvez seja injusto para com as bestas, ele sugere. Esses mercados "nem mesmo são humanos, hoje. Algumas dessas coisas funcionam de forma computadorizada e operam em modo automático" ao perceber qualquer sinal de problema.
"Agora teremos uma folga", disse Papandreou, não para relaxar, mas para que o governo inicie "as profundas mudanças -a pequena revolução" na forma pela qual o país é governado, com ênfase na mudança do sistema de incentivos, de modelo que estimulava os gregos a procurar empregos públicos vitalícios a outro cujo foco será estimular a iniciativa privada.
O gabinete do país já aprovou elevar a idade de aposentadoria mínima dos funcionários públicos dos 61 para 65 anos. Os salários médios do funcionalismo foram reduzidos em 20%, e as aposentadorias, em 10%. O imposto por valor adicionado subiu de 19% para 23%, e os tributos sobre combustíveis, álcool e tabaco subiram 30%.
O governo quer reduzir o número de municípios de mil para 400 e o de companhias estatais de 6.000 para 2.000, para poupar dinheiro e reduzir a burocracia. Até o momento, o deficit já caiu 40% ante o de 2009.
Mas Papandreou, cujo carro oficial é um híbrido Prius, diz que, para sustentar essas dolorosas reformas, os gregos precisam se tornar participantes do processo. E isso só acontecerá se houver senso de "justiça" -os gregos querem ver processos contra os grandes sonegadores- e se o povo sentir que seus líderes têm visão.
"Precisamos dar um sonho a este país", para que os sacrifícios façam sentido.
"Vamos trazer as melhores práticas da Europa e do mundo para reformar o país", diz Papandreou. "É difícil, e haverá protestos, mas será um dos períodos mais criativos que a Grécia terá vivido."
Será que a Grécia é capaz de uma revolução cívica? As chances parecem precárias, mas não será necessário consultar o FMI para determinar a resposta. Basta observar os jovens. Se em seis meses eles estiverem emigrando, aposte contra a Grécia. Se os vir decidindo ficar, talvez seja hora de comprar um ou dois títulos gregos.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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