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OPINIÃO ECONÔMICA
O governo Lula e a lengalenga de Malan
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Estamos ouvindo rumores de
que o CMN (Conselho Monetário Nacional), em sua reunião
do próximo mês, deve fixar as metas de inflação para os dois últimos anos do mandato de Lula.
Fala-se também que deve prevalecer a posição do núcleo mais duro do liberalismo econômico que
domina o Ministério da Fazenda
e o Banco Central.
Entendem eles que, com uma
mensagem forte de responsabilidade monetária aos mercados, a
manutenção de um superávit fiscal de 4,25% e a aprovação da reforma da Previdência, o céu será
o limite para a sociedade brasileira. Por incrível que pareça, principalmente para os petistas históricos, a mesma lengalenga de Pedro Malan durante os anos de
FHC!
Segundo fontes em Brasília, o
CMN deve fixar as metas de inflação para 2005 e 2006 em 4% e 3%,
respectivamente. Caso estes números sejam confirmados, o governo Lula estará amarrando definitivamente seu mandato aos
mercados financeiros internacionais. Qualquer movimento negativo no fluxo de recursos para o
Brasil, ao longo dos próximos
anos, vai obrigar o Banco Central
a aumentar os juros internos para
evitar pressões inflacionárias, via
desvalorização da taxa de câmbio.
Devo lembrar a meus leitores
que esta amarração monetária
está sendo feita em um momento
em que nossa taxa de câmbio vem
apresentando uma valorização
importante. O economista Affonso Celso Pastore produziu recentemente um interessante trabalho
estatístico que mostra que, com a
taxa de câmbio atual e um crescimento industrial da ordem de 5%
ao ano, o saldo de nossa conta de
comércio internacional praticamente desaparece. Nesse cenário,
a chamada fragilidade externa de
nossa economia voltará a crescer
e ficaremos mais uma vez na dependência da cotação do dólar e
dos humores dos mercados financeiros.
O PT deu uma prova de maturidade política ao entender que
precisava manter em seu governo
uma política de responsabilidade
macroeconômica. Mas a adoção
de uma crença liberal extremada
é claramente um erro de dimensão imprevisível. O passado recente mostrou, de forma clara,
que, em países com alto grau de
fragilidade externa, a fixação de
metas muito baixas e rígidas para
a inflação é uma aposta de alto
risco.
Recentemente, o ex-presidente
do Banco Central Armínio Fraga
publicou um trabalho em que faz
uma análise mais cuidadosa e
realista sobre a experiência dos
últimos anos no Brasil com esse
sistema. Ele demonstra como em
países como o nosso é praticamente impossível assumir compromissos rígidos e de longo prazo com um número baixo de inflação. Cita principalmente a
questão da fragilidade externa e
os choques frequentes criados pela volatilidade da taxa de câmbio
como fatores que dificultam a
ação do Banco Central. Reconhece, também, os elevados custos em
termos de crescimento econômico
e bem-estar social associados a esse sistema.
Pena que essa reflexão mais cuidadosa sobre o sistema de metas
de inflação só tenha sido feita por
ele, que foi o responsável por sua
implantação no Brasil, depois de
deixar o comando de nossa autoridade monetária. Revela pelo
menos uma falta de cuidado e
respeito à sociedade na decisão
tomada pelo governo FHC em
1999.
Mas o mais incrível dessa situação kafkaniana é que seu sucessor
e os demais diretores do BC continuam defendendo essa mesma
política, apesar das reflexões tardias de seu criador. Em outras palavras, estamos jogando fora os
custos sociais terríveis que esse experimentalismo econômico nos
trouxe nos últimos anos e que deveriam servir, pelo menos, para
gerar mudanças de rumo.
Outro fato que chama a atenção nessa novela de erros: o rígido
sistema de metas de inflação foi
um dos grandes responsáveis pela
derrota eleitoral do candidato do
então presidente Fernando Henrique Cardoso nas eleições do ano
passado. Agora o governo Lula,
que foi o grande beneficiário desse erro, insiste em manter a mesma armadilha. Ninguém no mercado financeiro está exigindo essas metas rígidas e ambiciosas para manter sua confiança em nossa capacidade de pagamento
-que é, em última análise, o que
conta para termos tranquilidade
no front externo.
Poderíamos trabalhar com
uma meta da ordem de 6% ao
ano, com flutuações mais amplas
para casos de choques externos e
com uma definição mais suave de
núcleo de inflação. Mas, uma vez
assumido esse compromisso, ele
será cobrado, a ferro e a fogo, pelos investidores e analistas econômicos. Mais uma vez o radicalismo ideológico de uns poucos, que
não têm nada a ver com o PT, está colocando uma corda no pescoço do governo. E Lula e seus companheiros parecem não perceber
a armadilha.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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