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São Paulo, sexta-feira, 13 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

O governo Lula e a lengalenga de Malan

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Estamos ouvindo rumores de que o CMN (Conselho Monetário Nacional), em sua reunião do próximo mês, deve fixar as metas de inflação para os dois últimos anos do mandato de Lula. Fala-se também que deve prevalecer a posição do núcleo mais duro do liberalismo econômico que domina o Ministério da Fazenda e o Banco Central.
Entendem eles que, com uma mensagem forte de responsabilidade monetária aos mercados, a manutenção de um superávit fiscal de 4,25% e a aprovação da reforma da Previdência, o céu será o limite para a sociedade brasileira. Por incrível que pareça, principalmente para os petistas históricos, a mesma lengalenga de Pedro Malan durante os anos de FHC!
Segundo fontes em Brasília, o CMN deve fixar as metas de inflação para 2005 e 2006 em 4% e 3%, respectivamente. Caso estes números sejam confirmados, o governo Lula estará amarrando definitivamente seu mandato aos mercados financeiros internacionais. Qualquer movimento negativo no fluxo de recursos para o Brasil, ao longo dos próximos anos, vai obrigar o Banco Central a aumentar os juros internos para evitar pressões inflacionárias, via desvalorização da taxa de câmbio.
Devo lembrar a meus leitores que esta amarração monetária está sendo feita em um momento em que nossa taxa de câmbio vem apresentando uma valorização importante. O economista Affonso Celso Pastore produziu recentemente um interessante trabalho estatístico que mostra que, com a taxa de câmbio atual e um crescimento industrial da ordem de 5% ao ano, o saldo de nossa conta de comércio internacional praticamente desaparece. Nesse cenário, a chamada fragilidade externa de nossa economia voltará a crescer e ficaremos mais uma vez na dependência da cotação do dólar e dos humores dos mercados financeiros.
O PT deu uma prova de maturidade política ao entender que precisava manter em seu governo uma política de responsabilidade macroeconômica. Mas a adoção de uma crença liberal extremada é claramente um erro de dimensão imprevisível. O passado recente mostrou, de forma clara, que, em países com alto grau de fragilidade externa, a fixação de metas muito baixas e rígidas para a inflação é uma aposta de alto risco.
Recentemente, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga publicou um trabalho em que faz uma análise mais cuidadosa e realista sobre a experiência dos últimos anos no Brasil com esse sistema. Ele demonstra como em países como o nosso é praticamente impossível assumir compromissos rígidos e de longo prazo com um número baixo de inflação. Cita principalmente a questão da fragilidade externa e os choques frequentes criados pela volatilidade da taxa de câmbio como fatores que dificultam a ação do Banco Central. Reconhece, também, os elevados custos em termos de crescimento econômico e bem-estar social associados a esse sistema.
Pena que essa reflexão mais cuidadosa sobre o sistema de metas de inflação só tenha sido feita por ele, que foi o responsável por sua implantação no Brasil, depois de deixar o comando de nossa autoridade monetária. Revela pelo menos uma falta de cuidado e respeito à sociedade na decisão tomada pelo governo FHC em 1999.
Mas o mais incrível dessa situação kafkaniana é que seu sucessor e os demais diretores do BC continuam defendendo essa mesma política, apesar das reflexões tardias de seu criador. Em outras palavras, estamos jogando fora os custos sociais terríveis que esse experimentalismo econômico nos trouxe nos últimos anos e que deveriam servir, pelo menos, para gerar mudanças de rumo.
Outro fato que chama a atenção nessa novela de erros: o rígido sistema de metas de inflação foi um dos grandes responsáveis pela derrota eleitoral do candidato do então presidente Fernando Henrique Cardoso nas eleições do ano passado. Agora o governo Lula, que foi o grande beneficiário desse erro, insiste em manter a mesma armadilha. Ninguém no mercado financeiro está exigindo essas metas rígidas e ambiciosas para manter sua confiança em nossa capacidade de pagamento -que é, em última análise, o que conta para termos tranquilidade no front externo.
Poderíamos trabalhar com uma meta da ordem de 6% ao ano, com flutuações mais amplas para casos de choques externos e com uma definição mais suave de núcleo de inflação. Mas, uma vez assumido esse compromisso, ele será cobrado, a ferro e a fogo, pelos investidores e analistas econômicos. Mais uma vez o radicalismo ideológico de uns poucos, que não têm nada a ver com o PT, está colocando uma corda no pescoço do governo. E Lula e seus companheiros parecem não perceber a armadilha.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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