São Paulo, domingo, 13 de junho de 2004

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INFLAÇÃO

Secretário do Tesouro vê espaço até para pequena queda, que seria impedida pelo consumo maior

Levy sinaliza com meta de 4,5% para 2006

SÍLVIA MUGNATTO
LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, disse à Folha que é "legítimo" discutir "uma acomodação da meta de inflação" para 2006 com o objetivo de manter os 4,5% definidos para 2005.
A meta de inflação de 2006, quando Lula deverá ser candidato à reeleição, será definida pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) até o final deste mês.
Embora Levy não tenha confirmado, a Folha apurou que a manutenção da meta de 2005 para 2006 está sendo analisada pela equipe econômica.
Antes da divulgação do crescimento da economia neste ano, havia pressões para que a equipe econômica elevasse para 5,5% a meta de inflação de 2005, que permaneceria para o ano seguinte.
Mantida a taxa de 4,5%, será mais uma vitória do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, que sempre foi contra a mudança da meta para cima. Levy crê que há espaço até mesmo para uma pequena redução do índice de 2006 em relação à meta de 2005.
Levy ressalta que os próximos dois anos serão períodos de crescimento. Com a atividade econômica mais acelerada, a inflação tenderia a subir por causa do aumento do consumo.
Ele disse que o Brasil não precisa de um novo acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), mas explicou que seria interessante se a instituição tivesse mais que "vitrolas" para oferecer em sua prateleira.
Segundo Levy, a discussão com o Fundo sobre a necessidade de aumentar os investimentos em infra-estrutura não alterará os resultados primários (receitas menos despesas, exceto pagamento de juros) do governo.
O objetivo é melhorar a qualidade do gasto. Para as empresas estatais, a idéia é adotar regras mais parecidas com as das empresas privadas em sua contabilidade.
Ele explicou que a redução da relação dívida/PIB (Produto Interno Bruto), objetivo maior dos superávits primários, ficará mais acelerada em um futuro próximo, como aconteceu com a Bélgica.
O secretário disse que o país tem chances de ser a "Belíndia boa". A palavra foi criada pelo economista Edmar Bacha para se referir ao contraste da distribuição de renda no Brasil: muito ricos (Bélgica) e muito pobres (Índia).
"Nós poderemos ter o crescimento da Índia com a dinâmica da dívida da Bélgica", afirmou.
A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha na tarde de sexta-feira.

 

METAS DE INFLAÇÃO - A convergência das metas para baixo é positiva e ela não deve ser atropelada. A gente tem 4,5% para o ano que vem. Devemos sinalizar 3% para 2006? Acho que talvez seja um pouquinho precipitado mudar para 3%. Mas temos como ir convergindo para baixo gradualmente. Hoje, a nossa meta é o dobro da meta da maior parte dos países. A gente não precisa ficar nisso eternamente. Mas ficaria surpreso com uma decisão para 2006 de uma mudança para baixo muito significativa. Temos de avaliar se, em um momento de crescimento, como acontecerá em 2005 e em 2006, seria interessante fazer algum tipo de acomodação e manter os 4,5%. Acho que é uma avaliação legítima saber se essa acomodação é oportuna.

ALONGAMENTO DA DÍVIDA X CONTA-INVESTIMENTO - O principal fator para o alongamento da dívida é a confiança do investidor. Todas as mudanças que estamos fazendo têm a tendência de tornar a indústria financeira mais transparente e de criar estímulos para que as pessoas tenham ou fundos que são muito simples, quase um Tesouro Direto [compra de títulos públicos pela internet], ou fundos que ofereçam algo mais para o investidor. Se o seu negócio é meramente comprar um título e carregar aquele título, você pode fazer isso pelo Tesouro Direto. A pessoa entra num fundo de investimento porque o fundo oferece algo mais a ela. É para isso que o gestor está lá. Hoje, os fundos já contam com alto grau de liquidez [recursos em caixa] para eventuais saques, e acho que a liquidez não vai aumentar por causa da conta-investimento. É por isso que insisto para que a conta entre em vigor logo, pois a coisa fica resolvida. Não vejo vantagem em adiar a data [de vigência].

JUROS DECLINANTES - A taxa de juros real [descontada a inflação] de médio prazo [futura] está mais ou menos em 8%, 8,5% [ao ano]. Acho que, com a melhora fiscal, há espaço para essa taxa cair ainda mais. Mas essa é uma taxa de mercado -não somos nós que a definimos. Ela é afetada pela percepção de risco do país.

RELAÇÃO DÍVIDA/PIB - Na média acumulada de um ano, o superávit primário está praticamente em 4,2%, 4,3% do PIB. Então, nós estamos fazendo o que temos de fazer mesmo para cumprir a meta. O resultado primário de abril certamente contribuiu para a redução da relação [dívida/PIB], mas temos de lembrar também que a taxa de juros está bem mais baixa do que em 2003. O importante na relação dívida/ PIB é sempre a tendência. Acho que, em relação ao ano passado, teremos um pequeno decréscimo. Pode ser que caia mais, se o câmbio favorecer, mas estamos trabalhando com uma pequena queda. Aí a gente começa, novas quedas ano após ano. Daqui a pouco a gente descobre que [a relação] está em 50%. Depois começa a acelerar e aí fica mais rápido para chegar aos 40% [meta do Mercosul]. Foi isso o que aconteceu com alguns países europeus como a Bélgica. Seremos a Belíndia boa -teremos o crescimento da Índia com a dinâmica da dívida da Bélgica.

SUPERÁVIT MAIOR - Não há intenção de mudar a meta de superávit primário [de 4,25% do PIB]. Se vai ser maior, não sei. Sempre existe uma margem de erro. No ano passado foi R$ 1 bilhão a mais, mas já aconteceu de ser de R$ 2 bilhões. Temos aprimorado os mecanismos para diminuir essa incerteza. A gente já conseguiu um avanço importante em 2003.

RENOVAÇÃO COM O FMI EM 2005 - De modo geral, é importante o FMI ter linhas apropriadas para problemas de balanço de pagamentos. Porque o mundo mudou e é preciso se adaptar. Nós vamos querer ter acesso [às linhas]? Acho que não, nós estamos bem. De modo geral, é um produto que o Fundo deveria ter na sua prateleira não só para o Brasil, mas para qualquer outro país. Caso contrário, é como se fosse uma loja que só vende vitrola. É bom ter um DVD. Na antiga linha de contingência, existiam detalhes que faziam com que ela não fosse atraente. Tem de ser seguro, rápido, tem de ser um DVD sem risco de inidoneidade. Ou seja, que não seja feito para países que entraram em fria porque fizeram uma má política. Não é muito difícil distinguir entre um que foi atingido por um choque externo [alta do preço do petróleo, por exemplo] do que um que teve sua política econômica relaxada.

INVESTIMENTOS EM INFRA-ESTRUTURA - No segundo semestre, os técnicos do Fundo virão discutir o assunto no Brasil. Qualquer coisa que a gente faça será focada na qualidade do gasto. A gente não quer gastar para rasgar dinheiro. É uma oportunidade de fortalecer a avaliação e o monitoramento dos projetos. O monitoramento permitirá focar em projetos que já estão se arrastando há tempos e fechá-los. Outra coisa é fazer as contas das estatais mais próximas das mostradas pelo novo manual do FMI, que procura fazer as contas públicas mais parecidas com as contas privadas.


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