São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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PATTI WALDMEIR

O gênio da internet

Apesar de existirem riscos, compartilhar conhecimento on-line pode levar a avanços notáveis para todos nós

O FILÓSOFO e economista Friedrich Hayek nasceu no século 19. Teria ele previsto acidentalmente o gênio da internet?
Em 1973, Hayek escreveu: "Cada membro da sociedade pode ter apenas uma fração do conhecimento de posse de todos, e [...] a civilização repousa sobre o fato de que todos nos beneficiamos do conhecimento que não possuímos".
Isso certamente soa como um manifesto a favor dos blogs e wikis. Assim como a democracia, eles se baseiam na idéia maravilhosamente igualitária de que até os mais inferiores de nós têm uma contribuição a dar. Mas isso pode ser verdade?
O professor Cass Sunstein, um dos maiores pensadores da internet nos EUA, escreveu um novo livro intrigante, "Infotopia: How Many Minds Produce Knowledge [Infotopia: quantas mentes produzem conhecimento]", em que ele afirma que as visões de Hayek sobre o gênio dos mercados são igualmente válidas para a internet.
Cada indivíduo tem um conhecimento incompleto das coisas que realmente importam, mas, se nos unirmos e compartilharmos o que sabemos, poderemos solucionar nossos problemas, quer isso signifique definir preços ou encontrar soluções baseadas em volumes maciços de informação distribuída.
O professor Sunstein afirma, por exemplo, que compartilhar informação científica on-line sanaria alguns dos piores problemas do sistema de patentes dos EUA e promoveria a inovação de maneira muito mais eficaz. Muitas empresas já estão usando wikis para fazer os funcionários pensarem juntos on-line, com melhoras na eficiência.
Nada é perfeito, é claro: os mercados podem ser distorcidos por falsidade ou manipulação, e a internet também pode. Como a maioria dos participantes de blogs e wikis não tem participação financeira na precisão da informação que transmite, os incentivos econômicos que impulsionam os mercados geralmente não se aplicam à internet.
O compartilhamento de informação parece ser movido por uma combinação de ego e espírito público: as pessoas genuinamente querem comunicar seu conhecimento.
O americano adulto médio conectado em banda larga depende dessa informação agregada para um conjunto surpreendente, senão assustador, de informações sobre a vida cotidiana. Nossa casa sofreu recentemente um surto de piolhos, e obtive muito mais conhecimento sobre o tema no Google do que do médico.
Nas eras pré-banda larga, eu poderia ter tentado aproveitar a sabedoria coletiva sobre essa praga perguntando a parentes ou vizinhos. Mas garimpei a sabedoria global usando o Google e descobri a melhor dica até agora: lavar o cabelo das crianças com Coca-Cola. Por que eu mesma não pensei nisso?
Bem, como diriam Hayek e Sunstein, essa é a condição humana: ninguém tem todas as respostas. Mas alguns de nós não estamos só mal-informados; estamos errados. A Wikipedia insistiu em sua seção sobre piolhos em que eu lavasse os cabelos de minhas filhas com xampu para cães. O médico disse que não era uma boa idéia.
O professor Sunstein reconhece todos os potenciais defeitos desses projetos colaborativos. "Para agregar informação, a internet oferece um grande risco, assim como uma promessa extraordinária", ele escreve. No mundo digital, obter as opiniões, certas ou erradas, de milhões de pessoas é virtualmente fácil. "Todo dia, pessoas de mentalidade semelhante podem se encontrar em câmaras de eco criadas por elas mesmas, levando a erros grosseiros, confiança indevida e extremismo injustificado", ele diz.
As Bolsas de previsão on-line, por exemplo, em que pessoas comuns apostam no resultado de eventos, foram mais precisas que os pesquisadores para prever o resultado da última eleição presidencial nos EUA. Mas, quando se tratou de prever a identidade do indicado de George W. Bush para a presidência da Suprema Corte, as massas estavam terrivelmente mal informadas.
Embora 75 milhões de americanos leiam blogs, segundo uma pesquisa do Pew Internet & American Life, poucos achariam que todos os blogs são acurados.
O pensamento em grupo pode ser perigoso. Mas, segundo o professor Sunstein, a sabedoria de muitos é uma grande coisa e compartilhar conhecimento on-line pode levar a avanços notáveis para as empresas, os governos e todos nós.


PATTI WALDMEIR é colunista do "Financial Times", jornal em que este texto foi publicado originalmente.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

Excepcionalmente, hoje, a coluna de JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN não é publicada.


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