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Entrevista - Luiz Fernando Furlan
Reação da elite ao governo é um "paradoxo"
Para ministro, notícias sobre corrupção
geram críticas contra Lula, mas a própria sociedade é tolerante com transgressões
VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Principal representante do setor empresarial no governo petista, o ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) classifica como um "paradoxo" a reação da elite brasileira ao presidente Luiz Inácio Lula
da Silva. Em sua opinião, o setor produtivo está faturando como "nunca", gostaria que as "coisas fossem
iguais" no próximo ano, mas com um "comando diferente" do atual. Furlan atribui parte dessa contradição à "avalanche de notícia ruim, corrupção disso, daquilo".
Ao tratar do tema, lamenta que a sociedade
brasileira seja tão "tolerante" com transgressões de
todo tipo, inclusive da política. Ele não responde se ficaria em um eventual segundo mandato de Lula, afirma que trabalhando é que pode ajudar o presidente na
campanha e diz ter a sensação do dever cumprido. Foi
nessa entrevista à Folha, concedida na última terça,
que Furlan falou dos estudos de desoneração tributária que contemplariam os setores da construção
civil, bens de capital e semicondutores. A informação, publicada no dia seguinte, gerou um curto-circuito com o Ministério da Fazenda. Secretário de
Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida
procurou jornalistas para rechaçar a proposta. Alegou ser impossível atendê-la por causa dos efeitos
negativos na arrecadação. O ministro Guido Mantega (Fazenda) foi obrigado a repreender seu assessor, mas não deu garantias de que todo o pacote revelado por Furlan será adotado ainda neste ano. No
dia seguinte à entrevista, em programação definida
com Lula, Furlan tirou dez dias de férias para cuidar
de problemas de saúde em sua família e não comentou publicamente o episódio.
De São Paulo, o ministro
Furlan entrou em contato com
o presidente. Colocou-o à vontade se considerasse melhor
sua saída diante do mal-estar
provocado por suas declarações e pela reação do secretário
de Mantega.
Lula dissuadiu Furlan ao dizer que ele deveria "mandar bala" nos estudos e que contava
com seu apoio. Depois analisaria o que será implantado.
O retorno ao trabalho do ministro está agendado para o dia
21. Segundo assessores, não faz
parte de seus planos deixar o
cargo antes do final do ano. Só o
faria por motivos familiares, o
que ele acredita estar fora do
horizonte. A seguir, trechos da
entrevista de Furlan à Folha.
FOLHA - O presidente convocou o
sr. a participar da campanha da reeleição? Como será sua atuação?
LUIZ FERNANDO FURLAN - O presidente não me pediu para participar da campanha. Como sou
um ministro mais técnico,
apartidário, acredito que o
mais importante seja continuar
meu trabalho. Isso, com certeza, terá impacto positivo para o
debate político.
FOLHA - Se o presidente Lula for
reeleito, o sr. fica no governo num
segundo mandato?
FURLAN - Meu contrato com o
presidente foi para quatro
anos. Primeiro é preciso resolver como se vai montar o segundo governo, depois de ganhar a eleição. Eu não tenho
nenhuma posição sobre esse
assunto, tampouco um convite.
Eu tenho, talvez pretensiosamente, a sensação do dever
cumprido.
FOLHA - Que metas o senhor conseguiu atingir?
FURLAN - A primeira delas foi a
percepção de que a economia
brasileira não se moveria em
2003 e em 2004 sem um vigoroso aumento das exportações.
Aí colocamos aquela meta de
US$ 100 bilhões de exportações
em 2003. Disseram que era
uma meta que já havia sido
anunciada em 1997 pelo governo anterior, que chegou a US$
60 bilhões. Conseguimos antecipar a meta e, agora, estamos
mirando US$ 132 bilhões, que é
mais que o dobro da meta dos
US$ 60 bilhões de 2002. A segunda foi colocar os pilares da
política industrial, um assunto
conturbado e polêmico.
FOLHA - Mas as exportações estão
subindo por causa dos preços, que
crescem mais do que as quantidades
exportadas.
FURLAN - Essa é uma visão limitada. Se, em vez de exportar
placa de aço, exportamos uma
máquina, obviamente as exportações aumentaram por preços,
porque, em vez de vender um
produto que vale US$ 500 a tonelada, você passou a vender
um produto que vale US$ 500 a
unidade. Há uma mudança de
perfil da exportação, com tecnologia, design, agregação de
valor e qualidade.
FOLHA - O senhor não acha que as
exportações vão sofrer quando caírem os preços das commodities?
FURLAN - Certamente vão sofrer. Mas teremos outras compensações. O preço do petróleo
pode cair, mas tudo indica que
não muito, e nós passamos a ser
exportadores líquidos de petróleo neste ano, com previsão de
US$ 2,5 bilhões a US$ 3 bilhões
de superávit. Há fábricas de celulose novas e projetos na área
de siderurgia que estão entrando em operação. Há um movimento positivo que nos dá a segurança de que as exportações
brasileiras vão, sim, continuar
crescendo.
FOLHA - A indústria paulista é muito crítica em relação ao governo Lula. O senhor acha que é por ele ser
um operário?
FURLAN - É um paradoxo. Eu
tenho debatido esse assunto
em encontros de entidades de
classe e com empresários. O
maior impacto de arrecadação
de impostos que nós tivemos
no ano passado e neste ano é no
Imposto de Renda, que está
crescendo 23%. Porque tem lucro, as empresas estão ganhando dinheiro. E não só os bancos
mas as indústrias. O setor produtivo nunca teve um desempenho tão bom, mas, talvez influenciado por outros fatos que
não os econômicos, tem reclamações.
Acho que é por causa da avalanche de notícia ruim, corrupção disso, corrupção daquilo, é
uma maneira de impregnar a
opinião pública.
Então, há esse paradoxo. O
presidente Lula, tendo sido o
grande artífice de um ciclo virtuoso imperfeito, porque está
longe de ser perfeito, acaba não
sendo reconhecido. Existe um
grupo de formadores de opinião que gostaria que as coisas
fossem iguais, mas com um comando diferente. Nestes quatro anos, o presidente fez um
doutorado em gestão. Todo
mundo achava que ele ia ser um
presidente voltado para dentro,
mas ele não deixou muito saudade do seu antecessor na sua
atuação internacional.
FOLHA - O senhor acha, então, que
as reclamações podem estar relacionadas à crise ética?
FURLAN - Podem. Por outro lado, nós vivemos numa sociedade que encara algumas transgressões como pecado venial
[perdoável]. Sonegar no Brasil
é pecado venial. Certamente
vocês conhecem pessoas que
vivem no seu meio que sonegam, que declaram uma determinada remuneração e vivem
acima dessas posses. E, no entanto, elas não são hostilizadas
ou apartadas do grupo. A sociedade brasileira deveria ser muito mais dura com esse tipo de
transgressão.
FOLHA - O senhor está dizendo que
a corrupção é grande porque a sociedade brasileira é conivente com ela?
FURLAN - É tolerante. E, ao
mesmo tempo, quem exerce
um cargo público é, hoje, na cabeça das pessoas, por definição,
problemático. A minha opinião
é que a sociedade brasileira deveria ser totalmente intolerante com a fraude, a corrupção, e
não ser conivente, não cooperar, reprimir, não oferecer, não
receber. Pedir nota fiscal no
restaurante, no bar, no pedágio,
em todo lugar que tenha que
pedir nota fiscal.
FOLHA - Ela está sendo tolerante
com a corrupção no governo Lula?
FURLAN - Não, não estou falando disso. O governo Lula combate os desvios. No meu caso,
toda noite agradeço por ter passado 43 meses e não estar mencionado em nenhuma encrenca. Tenho uma vida franciscana, não conheço os restaurantes de Brasília, não vou a festas
e recepções.
FOLHA - O senhor falou na atuação
internacional do presidente, mas as
crises que ele enfrentou foram internas, não externas.
FURLAN - Mas qual seria o choque externo que hoje abalaria o
Brasil? Para quem tem 10% de
juros reais. É muito alto. Nós,
no BNDES, estamos com 5% de
juros real.
FOLHA - Quando é que a taxa do
Banco Central vai chegar próxima à
do BNDES?
FURLAN - Bom, o ministro da
Fazenda disse que, no próximo
período de governo, chegaremos a 5% de juros reais. Só que,
para chegar lá, precisa andar.
FOLHA - O sr. já disse que se assustou com a lentidão do setor público.
Quase quatro anos depois, continua
assustado?
FURLAN - Assustado, não. Inquieto. Não sei se daria para ter
essa conclusão, mas o sistema
brasileiro é feito tão à prova de
fraudes que fica tão complexo,
tão difícil de cumprir, com tão
pouca transparência. A necessidade de precaução, de conservadorismo, acaba travando tanto o processo que você não tem
resultado e tem uma imensa
dissipação de energia no processo em si.
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