São Paulo, domingo, 13 de agosto de 2006

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Entrevista - Luiz Fernando Furlan

Reação da elite ao governo é um "paradoxo"

Para ministro, notícias sobre corrupção geram críticas contra Lula, mas a própria sociedade é tolerante com transgressões

VALDO CRUZ
DIRETOR-EXECUTIVO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Principal representante do setor empresarial no governo petista, o ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento) classifica como um "paradoxo" a reação da elite brasileira ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em sua opinião, o setor produtivo está faturando como "nunca", gostaria que as "coisas fossem iguais" no próximo ano, mas com um "comando diferente" do atual. Furlan atribui parte dessa contradição à "avalanche de notícia ruim, corrupção disso, daquilo".
Ao tratar do tema, lamenta que a sociedade brasileira seja tão "tolerante" com transgressões de todo tipo, inclusive da política. Ele não responde se ficaria em um eventual segundo mandato de Lula, afirma que trabalhando é que pode ajudar o presidente na campanha e diz ter a sensação do dever cumprido. Foi nessa entrevista à Folha, concedida na última terça, que Furlan falou dos estudos de desoneração tributária que contemplariam os setores da construção civil, bens de capital e semicondutores. A informação, publicada no dia seguinte, gerou um curto-circuito com o Ministério da Fazenda. Secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida procurou jornalistas para rechaçar a proposta. Alegou ser impossível atendê-la por causa dos efeitos negativos na arrecadação. O ministro Guido Mantega (Fazenda) foi obrigado a repreender seu assessor, mas não deu garantias de que todo o pacote revelado por Furlan será adotado ainda neste ano. No dia seguinte à entrevista, em programação definida com Lula, Furlan tirou dez dias de férias para cuidar de problemas de saúde em sua família e não comentou publicamente o episódio.

De São Paulo, o ministro Furlan entrou em contato com o presidente. Colocou-o à vontade se considerasse melhor sua saída diante do mal-estar provocado por suas declarações e pela reação do secretário de Mantega.
Lula dissuadiu Furlan ao dizer que ele deveria "mandar bala" nos estudos e que contava com seu apoio. Depois analisaria o que será implantado. O retorno ao trabalho do ministro está agendado para o dia 21. Segundo assessores, não faz parte de seus planos deixar o cargo antes do final do ano. Só o faria por motivos familiares, o que ele acredita estar fora do horizonte. A seguir, trechos da entrevista de Furlan à Folha.

 

FOLHA - O presidente convocou o sr. a participar da campanha da reeleição? Como será sua atuação?
LUIZ FERNANDO FURLAN -
O presidente não me pediu para participar da campanha. Como sou um ministro mais técnico, apartidário, acredito que o mais importante seja continuar meu trabalho. Isso, com certeza, terá impacto positivo para o debate político.

FOLHA - Se o presidente Lula for reeleito, o sr. fica no governo num segundo mandato?
FURLAN -
Meu contrato com o presidente foi para quatro anos. Primeiro é preciso resolver como se vai montar o segundo governo, depois de ganhar a eleição. Eu não tenho nenhuma posição sobre esse assunto, tampouco um convite. Eu tenho, talvez pretensiosamente, a sensação do dever cumprido.

FOLHA - Que metas o senhor conseguiu atingir?
FURLAN -
A primeira delas foi a percepção de que a economia brasileira não se moveria em 2003 e em 2004 sem um vigoroso aumento das exportações. Aí colocamos aquela meta de US$ 100 bilhões de exportações em 2003. Disseram que era uma meta que já havia sido anunciada em 1997 pelo governo anterior, que chegou a US$ 60 bilhões. Conseguimos antecipar a meta e, agora, estamos mirando US$ 132 bilhões, que é mais que o dobro da meta dos US$ 60 bilhões de 2002. A segunda foi colocar os pilares da política industrial, um assunto conturbado e polêmico.

FOLHA - Mas as exportações estão subindo por causa dos preços, que crescem mais do que as quantidades exportadas.
FURLAN -
Essa é uma visão limitada. Se, em vez de exportar placa de aço, exportamos uma máquina, obviamente as exportações aumentaram por preços, porque, em vez de vender um produto que vale US$ 500 a tonelada, você passou a vender um produto que vale US$ 500 a unidade. Há uma mudança de perfil da exportação, com tecnologia, design, agregação de valor e qualidade.

FOLHA - O senhor não acha que as exportações vão sofrer quando caírem os preços das commodities?
FURLAN -
Certamente vão sofrer. Mas teremos outras compensações. O preço do petróleo pode cair, mas tudo indica que não muito, e nós passamos a ser exportadores líquidos de petróleo neste ano, com previsão de US$ 2,5 bilhões a US$ 3 bilhões de superávit. Há fábricas de celulose novas e projetos na área de siderurgia que estão entrando em operação. Há um movimento positivo que nos dá a segurança de que as exportações brasileiras vão, sim, continuar crescendo.

FOLHA - A indústria paulista é muito crítica em relação ao governo Lula. O senhor acha que é por ele ser um operário?
FURLAN -
É um paradoxo. Eu tenho debatido esse assunto em encontros de entidades de classe e com empresários. O maior impacto de arrecadação de impostos que nós tivemos no ano passado e neste ano é no Imposto de Renda, que está crescendo 23%. Porque tem lucro, as empresas estão ganhando dinheiro. E não só os bancos mas as indústrias. O setor produtivo nunca teve um desempenho tão bom, mas, talvez influenciado por outros fatos que não os econômicos, tem reclamações. Acho que é por causa da avalanche de notícia ruim, corrupção disso, corrupção daquilo, é uma maneira de impregnar a opinião pública. Então, há esse paradoxo. O presidente Lula, tendo sido o grande artífice de um ciclo virtuoso imperfeito, porque está longe de ser perfeito, acaba não sendo reconhecido. Existe um grupo de formadores de opinião que gostaria que as coisas fossem iguais, mas com um comando diferente. Nestes quatro anos, o presidente fez um doutorado em gestão. Todo mundo achava que ele ia ser um presidente voltado para dentro, mas ele não deixou muito saudade do seu antecessor na sua atuação internacional.

FOLHA - O senhor acha, então, que as reclamações podem estar relacionadas à crise ética?
FURLAN -
Podem. Por outro lado, nós vivemos numa sociedade que encara algumas transgressões como pecado venial [perdoável]. Sonegar no Brasil é pecado venial. Certamente vocês conhecem pessoas que vivem no seu meio que sonegam, que declaram uma determinada remuneração e vivem acima dessas posses. E, no entanto, elas não são hostilizadas ou apartadas do grupo. A sociedade brasileira deveria ser muito mais dura com esse tipo de transgressão.

FOLHA - O senhor está dizendo que a corrupção é grande porque a sociedade brasileira é conivente com ela?
FURLAN -
É tolerante. E, ao mesmo tempo, quem exerce um cargo público é, hoje, na cabeça das pessoas, por definição, problemático. A minha opinião é que a sociedade brasileira deveria ser totalmente intolerante com a fraude, a corrupção, e não ser conivente, não cooperar, reprimir, não oferecer, não receber. Pedir nota fiscal no restaurante, no bar, no pedágio, em todo lugar que tenha que pedir nota fiscal.

FOLHA - Ela está sendo tolerante com a corrupção no governo Lula?
FURLAN -
Não, não estou falando disso. O governo Lula combate os desvios. No meu caso, toda noite agradeço por ter passado 43 meses e não estar mencionado em nenhuma encrenca. Tenho uma vida franciscana, não conheço os restaurantes de Brasília, não vou a festas e recepções.

FOLHA - O senhor falou na atuação internacional do presidente, mas as crises que ele enfrentou foram internas, não externas.
FURLAN -
Mas qual seria o choque externo que hoje abalaria o Brasil? Para quem tem 10% de juros reais. É muito alto. Nós, no BNDES, estamos com 5% de juros real.

FOLHA - Quando é que a taxa do Banco Central vai chegar próxima à do BNDES?
FURLAN -
Bom, o ministro da Fazenda disse que, no próximo período de governo, chegaremos a 5% de juros reais. Só que, para chegar lá, precisa andar.

FOLHA - O sr. já disse que se assustou com a lentidão do setor público. Quase quatro anos depois, continua assustado?
FURLAN -
Assustado, não. Inquieto. Não sei se daria para ter essa conclusão, mas o sistema brasileiro é feito tão à prova de fraudes que fica tão complexo, tão difícil de cumprir, com tão pouca transparência. A necessidade de precaução, de conservadorismo, acaba travando tanto o processo que você não tem resultado e tem uma imensa dissipação de energia no processo em si.


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