São Paulo, domingo, 13 de outubro de 2002

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O NEGÓCIO DO VOTO

Investidores embolsam lucro com volatilidade dos C-Bonds

Dívida e eleições rendem milhões em NY e Londres

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

A eleição presidencial no Brasil é um grande negócio em Londres e Nova York. Numa contabilidade modesta, pelo menos US$ 1,8 bilhão foram embolsados por investidores internacionais neste ano, até na véspera do primeiro turno, com a compra e venda de C-Bonds, os títulos da dívida externa brasileira mais negociados no mercado secundário dos papéis de mercados emergentes.
"Esse foi o tamanho da desvalorização desses papéis, do pico ao vale das cotações", diz Paulo Possas, diretor da Eagle Capital. "Alguém perdeu e alguém ganhou com isso. Como o lucro é dado pelo giro diário, pode ter gente que ganhou esse valor, sozinha."
Medir o ganho com a volatilidade desses papéis, segundo os analistas, é algo impossível. "Os resultados dessas operações são da ordem de milhões de dólares", diz Dráusio Giacomelli, vice-presidente e especialista em mercado de dívida de países emergentes do JP Morgan, de Nova York.
Segundo ele, um investidor que tenha uma carteira de US$ 50 milhões, pode ganhar, em um dia, pelo menos US$ 1 milhão com a oscilação dos preços. "Também pode perder a mesma quantia se apostar que o mercado vai numa direção e seguir por outra."
Na última terça-feira, por exemplo, executivos de cinco importantes bancos de investimento jantavam em um restaurante londrino e comemoravam o acerto das suas apostas para o primeiro turno das eleições. Eles haviam vendido uma grande quantidade de títulos a descoberto [sem ter o papel", quando as cotações estavam altas, apostando que os preços cairiam com uma vitória da oposição no primeiro turno.
Uma semana antes da votação, quando os títulos bateram em 49% do seu valor de face, perceberam que poderia haver segundo turno, e começaram a comprar, para cobrir a posição vendida. "É nesse momento, da compra na baixa, que esse tipo de investidor realiza seu lucro", explica Raphael Kassin, que administra um fundo off-shore de mercados emergentes do ABN-Amro, em Londres.
Já na segunda-feira, terminada a contagem dos votos no Brasil, aqueles bancos voltaram a vender C-Bonds a descoberto, com a cotação no pico. E diziam-se prontos para novos ganhos no segundo turno, se houver default [calote na dívida" no novo governo.
Esses cinco bancos não estão sós. A maioria dos hedge funds e traders (operadores que atuam para bancos) que operam nesse mercado estão apostando no pior cenário para o país, após a eleição, segundo operadores ouvidos pela Folha. Ao longo da semana, eles não se cansaram de apregoar isso, enquanto os preços dos C-Bonds despencavam fechando na sexta-feira a 50% do seu valor.

Mercado
As análises pessimistas sobre os destinos do país após a eleição, que circulam no mercado internacional, baseiam-se na fragilidade real da economia brasileira: sua eterna dependência de recursos externos - que minguaram- para financiar o déficit do balanço de pagamentos.
Acreditam os agentes desse mercado que o novo governo terá muita dificuldade em retomar linhas de financiamento externo, e acabará sem condições de pagar a dívida interna e a externa. "Se isso ocorrer, os preços dos papéis despencarão e quem está "vendido" poderá comprar para cobrir a posição, realizando gordos lucros", diz Possas.
Mas, em 98, quando Fernando Henrique Cardoso disputou em "pole position" a eleição, vencendo no primeiro turno -e não se falava em moratória- os títulos tiveram intensa volatilidade, semelhante à atual. Os C-Bonds foram desvalorizados em 28,71% naquele ano, considerando-se a cotação mais alta registrada e a da véspera do primeiro turno.
Agora, a perda de valor dos papéis atingiu 33,98%, usando-se os mesmos critérios (leia quadro). "Em 98, os C-Bonds sofriam os efeitos da crise da Rússia, que deteriorou o valor dos ativos de todos os emergentes", diz Giacomelli. O Brasil se contorcia ante a iminência de uma crise cambial, que provocava a saída de capitais e o encolhimento das reservas internacionais do país. A eleição era a referência para a mudança da política cambial. Era o risco FHC.



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