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São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Quanto é?

JOÃO SAYAD

A baixo , o que sabemos sobre o sistema previdenciário no Brasil:
1) a previdência privada é superavitária, ou seja, as contribuições pagas por empregados e empregadores são superiores aos gastos com aposentadorias. Isso é verdade se fizermos a contabilidade corretamente, isto é, retirando das despesas da Previdência os gastos com garantia de renda mínima para trabalhadores rurais e urbanos, que nunca contribuíram e nunca contribuirão. De verdade, são gastos de assistência social como o Fome Zero, que não fazem parte da Previdência e não deveriam ser financiados por contribuições dos empregados e empregadores que estão investindo em aposentadoria;
2) assim, as contribuições dos empregadores poderiam, em tese, ser reduzidas, já que existe superávit e a contribuição sobre a folha de pagamento pode ter efeito negativo sobre o emprego;
3) a previdência dos funcionários públicos apresenta déficit -os gastos com aposentadorias são maiores do que as contribuições pagas pelos funcionários públicos. O governo não paga contribuições como o empregador privado e, quando paga, chama o pagamento de déficit da previdência pública;
4) os pagamentos da Previdência feitos pelo governo -e chamados de déficit- incluem os valores pagos aos funcionários contratados pelo regime da CLT que se transformaram em funcionários públicos a partir da Constituição de 1988. Esse evento não faz parte dos problemas da Previdência, pois é história e não foi corrigido pela reforma proposta pelo governo e aprovada na Câmara;
5) a reforma da Previdência iniciada no governo anterior e que continua como objetivo do governo atual tem corrigido algumas distorções do sistema previdenciário que foram sendo aprovadas por leis nos últimos 40 anos. A correção de algumas dessas distorções é justa e faz sentido;
6) os ganhos financeiros da reforma para os governos federal, estaduais e municipais são estimados entre R$ 50 bilhões e R$ 1,5 trilhão (igual a um Produto Interno Bruto) quando se consideram as economias decorrentes da reforma durante os próximos 30 anos e se usa uma taxa de desconto de 3% ao ano;
7) a taxa de desconto de 3% ao ano é muito baixa quando se consideram as taxas praticadas no país. Se fosse utilizada uma taxa maior, digamos 6%, como na caderneta de poupança, ou 10% ao ano -a taxa real que o Banco Central considera como taxa de equilíbrio-, os ganhos seriam irrisórios;
8) a reforma da previdência pública não reduz o déficit público do governo brasileiro neste ano nem nos próximos. Se o governo vier a contribuir com os fundos de previdência complementar criados na nova lei aprovada na Câmara, o déficit público tende a aumentar;
9) as informações anteriores vêm de estudos e perguntas que fiz a diversos economistas que estudam a Previdência. Não existem discordâncias a respeito, a não ser sobre a "importância" da economia de gastos para o governo.
Defensores da reforma partem das premissas anteriores e concluem que a reforma "tem de ser feita". Porque o governo tem despesas muito altas e porque, uma vez feita a reforma, o mercado financeiro internacional passará a acreditar que o governo brasileiro poderá pagar a dívida pública no longo prazo.
O Brasil seria o único -e o primeiro- país do mundo que teria "resolvido" o problema da Previdência. O mercado financeiro vive disso -inventa mitos, depois faz contas, deixa de acreditar e inventa outro mito.
De minha parte, acredito que sociedades organizadas e "governáveis" sejam eventos pouco prováveis. Revoluções, reformas ou novas constituições devem ser feitas com muito cuidado e apenas em casos de extrema necessidade. Com os mesmos cuidados que o médico decide fazer intervenções mais ou menos dolorosas e arriscadas em seus pacientes.
No caso da Previdência, está faltando resposta a uma pergunta objetiva, que banqueiros sempre fazem antes de tomar qualquer decisão: "Quanto é?". Ainda não ouvi resposta firme, convincente ou robusta.
Se estivéssemos falando de dezenas de bilhões de reais por ano, e não em 30 anos, os custos políticos da aprovação das reformas -concentração dos talentos políticos do governo nesse assunto, alianças políticas, concessões, desgaste da legitimidade do governo- se justificariam.
O governo gastará com juros, neste ano, R$ 75 bilhões. Se baixasse os juros um pouco mais depressa, poderia economizar R$ 25 bilhões, metade do que talvez venha a ganhar nos próximos 30 anos com a reforma da Previdência. É a alternativa conservadora e mais confiável. O único problema dessa alternativa é que ficaríamos -governo e colunistas de jornal- sem assunto.


João Sayad, 57, economista, é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP.
E-mail - jsayad@attglobal.net


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