São Paulo, sexta-feira, 13 de outubro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Campanha no caldeirão das bruxas

Falatório de candidatos sobre economia e governo soa como fórmulas da cozinha de feiticeiras de Shakespeare

FEL DE BODE, pêlo de morcego, escamas de dragão, múmias de feiticeiras, dedo de criança assassinada ao nascer e jogada em um fosso pela própria mãe. As palavras da campanha para o segundo turno da eleição parecem a gororoba viscosa do caldeirão fervente das bruxas de Macbeth, embora as falas das personagens da nossa peça não cheguem aos pés das bobagens divertidas de bufões e de palermas das tavernas de Shakespeare.
Lugar deserto, raios e trovões. "O bonito é feio, o feio é bonito. Vamos voar por entre a névoa e o ar impuro", dizem as bruxas. As aparições dos "mercados" criticam o economista tucano e seu espectro "desenvolvimentista". O mercado espezinha o economista do candidato "market friendly", Geraldo Alckmin. O governo "market friendly" petista critica o corte de gasto público proposto pelo "desenvolvimentista" tucano, por sua vez espezinhado por Alckmin, justamente o candidato do "choque de gestão" e da eficiência econômica.
As bruxas vaticinaram que Alckmin seria rei, agraciado pela ajuda da quadrilha de patetas petistas do dossiê. Mas logo Alckmin entorna o caldeirão das feiticeiras. Inaugura o segundo turno a ouvir conselhos de Anthony Garotinho, seu novo amigo de fé, se não irmão, ao menos camarada. Cuidado com macumba! Com vodu! Com banho de pipoca! "Nunca vi dia tão feio e tão bonito", diz Macbeth, perdido no mato, logo antes de ouvir a profecia das bruxas.
Lula da Silva, depois de encarnar os espectros de Tiradentes e de Getúlio Vargas, disse conhecer intenções divinas. Sim, segundo a mensagem revelada por Lula, Deus decidiu pelo segundo turno ao avaliar que "esse pessoal está muito empombado (sic)", sendo "esse pessoal" o plural majestático lulista.
"Não [foi] apenas a vontade do ser humano, é uma vontade superior que me fez chegar aonde cheguei", disse Lula no sermão do Tietê. Segundo a revelação petista, Deus considerou que Lula tinha de ser provado no segundo turno para perceber que devia colocar "mais álcool ou feijão com água dentro do sapato, para o sapato alargar um pouco".
Feijão no sapato? Seria um feitiço, como "dar um truco de seis nesse pessoal que fica blefando", segundo o linguajar de carteado de Lula?
Pode ser que o lulismo tenha mesmo encantado Alckmin. O tucano caiu na velha esparrela política de vestir a carapuça das "acusações" da propaganda petista. Não passa dia sem desdizer que vá privatizar, cortar gastos ou acabar com o Bolsa Família, entre outras pragas lançadas pelo governo petista. Daqui a pouco, o enfeitiçado Alckmin terá de dizer que ele mesmo tornou-se Lula, na falta de algo original para convencer o povo do seu reino prometido.
Enquanto isso, os mercadores de São Paulo cobram seu quilo de carne humana de quem se atreva a propor qualquer plano diferente para o país.
Sim, trocamos de peça, mas Shylock, o mercador de Veneza, era apenas um cínico fino e amargo, em revolta por ser aviltado. Na nossa peça ruim, a brasileira, os mercadores é que nos colocam no gueto. Parece que a fortaleza economicista vai cair apenas quando as árvores andarem, como fizeram contra Macbeth. Dos candidatos, a respeito disso se ouve só gororobas do caldeirão das bruxas.


vinit@uol.com.br

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