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Jantar de banco lembra "baile da Ilha Fiscal"
Em seminário, banqueiros mostram desconexão com a realidade; ex-Fed, Alan Greenspan defende mercado sem regras
À frente do Fed de 1987 a 2006, economista ainda defendeu emissão de dólares para salvar bancos e instituições financeiras
FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON
Enquanto o diretor-gerente
do FMI, Dominique Strauss-Kahn, falava no sábado em
"derretimento sistêmico" das
finanças mundiais, a algumas
quadras de distância, cerca de
200 banqueiros, analistas e
operadores de mercado discutiam a crise sem conseguir propor uma única solução inovadora para o colapso do setor.
Era a décima edição do tradicional e respeitado encontro
anual promovido pelo Deutsch
Bank sobre mercados emergentes. A reunião foi encerrada
durante um jantar com a fala do
"oráculo", como durante anos
foi conhecido Alan Greenspan.
O presidente do Federal Reserve (banco central dos EUA)
de 1987 a 2006 seguiu na mesma toada das exposições anteriores. Recitou dogmas liberais
para deleite de parte considerável da audiência presente.
Algum tipo de regulação extra para o mercado? Nada. Os
bancos rapidamente aprenderiam a burlar a nova regra, replicando suas práticas dentro
da nova arquitetura. Para
Greenspan, o próprio mercado
aprendeu com a ineficácia dos
"instrumentos exóticos" causadores do colapso atual. Passado
o momento atual, eliminará naturalmente essas ferramentas.
Ele se referia à explosão de
contratos de derivativos. São
instrumentos que visam a proteger determinadas operações,
mas são construídos muitas vezes sobre uma base fictícia
-por exemplo, os preços elevados artificialmente dos imóveis
nos EUA.
A Folha assistiu ao seminário completo do Deutsch Bank,
mas a mídia não foi admitida
durante o jantar do qual participou Greenspan -por imposição do próprio. À saída, foi possível apurar com os presentes o
que disse o ex-presidente do
BC dos EUA.
Greenspan foi o fecho perfeito para um certo clima de "baile da Ilha Fiscal do sistema financeiro" -em 1889, no Rio,
esse foi o último grande evento
da elite brasileira às vésperas
da queda da monarquia. No sábado, em Washington, os mais
vistosos representantes dos
bancos se juntaram para beber,
comer e discutir a crise, mas
suas prescrições incluíram
apenas remédios já conhecidos. Alguns até admitiram falhas no sistema, mas chegavam
a fazer previsões para 2009 como se o mundo das estatísticas
continuasse firme em meio ao
atual cataclismo monetário.
O vice-presidente do BC chinês, Yi Gang, por exemplo, disse que o crescimento do país
não desacelerá mais do que 1,5
ponto -a China cresceu 11,9%
em 2007. Não explicou de onde
tirou tamanha precisão.
Para completar o quadro de
distanciamento da realidade, o
evento foi num salão da Câmara de Comércio dos EUA, cuja
construção interna imita um
ambiente medieval, com pé-direito altíssimo e forro de concreto pintado para parecer madeira. Completavam a decoração bandeiras e estandartes
com os nomes dos conquistadores da América.
Nos intervalos, apesar de o
clima geral assemelhar-se ao
de um velório, havia, às vezes,
um pouco de humor. "Qual é o
recheio", perguntou um banqueiro a um garçom à frente do
bufê de petiscos. "Hoje é um
menu cubano. O recheio é de
porco." E o banqueiro: "Cubano? Muito apropriado".
À noite, na sessão de perguntas e respostas para Greenspan,
uma mulher perguntou se ele
não mudaria algo nas regras do
mercado para prevenir um descontrole como o atual. Não, foi
a resposta. Argumentou que a
melhor forma de fiscalizar é a
concorrência. Comparou então
seus trabalhos no JPMorgan e
no Fed: "Meus colegas no
"board" do JPMorgan sabiam
mais sobre os balanços do Citibank do que a equipe técnica
do Fed".
Alguém na platéia insistiu
sobre se não seria possível, ao
menos, prever em parte o atual
derretimento dos mercados.
Do alto de seus 82 anos,
Greenspan relatou que em
2006, quando ainda dirigia o
Fed, o FDIC (agência que fiscaliza os bancos) fez um relatório
atestando a solidez do sistema
financeiro dos EUA. "Estou há
60 anos nesse negócio de fazer
previsões. A margem de erro é
sempre grande. Acertamos em
umas 60% das vezes", respondeu o mais liberal economista
norte-americano.
Saída para a crise Greenspan
tem na ponta da língua. O problema, disse ele, não é apenas
de liquidez, mas de solvência
das instituições financeiras.
"Ninguém sabe em qual patamar vão estacionar os preços
dos imóveis." É necessário,
portanto, "injetar dinheiro nos
bancos por meio de compra de
ações preferenciais" de maneira ilimitada. Até estancar o pânico e a queda nos mercados.
Outra pergunta: de onde virá
tanto dinheiro? Para Greenspan, enquanto "houver confiança na moeda de papel, basta
o Fed emitir". Haverá inflação,
mas esse é um "bom problema
para lá na frente", até porque
"uma coisa que o Fed sabe fazer é combater a inflação". Os
juros poderão, numa segunda
fase da crise, subir para "5%,
10%", ou mais, deu a entender
o ex-chefe do BC dos EUA.
Em resumo, eis a receita de
Greenspan: 1) resistir a regular
ainda mais o mercado; 2) dar
muito dinheiro para os bancos
não irem à falência; 3) se faltar
dinheiro, imprimir o que for
necessário; 4) quando a crise
passar e sobrar só a inflação alta, dar uma peteleco para cima
nos juros.
Não há ainda números conhecidos sobre a globalização
do problema, mas Greenspan
estima que os instrumentos
"exóticos" de garantia dos ativos, os chamados derivativos,
foram repassados a portadores
no exterior numa proporção de
40%. Ou seja, cedo ou tarde, todos os principais países do
mundo estarão em grandes dificuldades. Terminou de falar e
foi aplaudido.
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