São Paulo, segunda-feira, 13 de outubro de 2008

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Jantar de banco lembra "baile da Ilha Fiscal"

Em seminário, banqueiros mostram desconexão com a realidade; ex-Fed, Alan Greenspan defende mercado sem regras

À frente do Fed de 1987 a 2006, economista ainda defendeu emissão de dólares para salvar bancos e instituições financeiras

FERNANDO RODRIGUES
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Enquanto o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, falava no sábado em "derretimento sistêmico" das finanças mundiais, a algumas quadras de distância, cerca de 200 banqueiros, analistas e operadores de mercado discutiam a crise sem conseguir propor uma única solução inovadora para o colapso do setor.
Era a décima edição do tradicional e respeitado encontro anual promovido pelo Deutsch Bank sobre mercados emergentes. A reunião foi encerrada durante um jantar com a fala do "oráculo", como durante anos foi conhecido Alan Greenspan.
O presidente do Federal Reserve (banco central dos EUA) de 1987 a 2006 seguiu na mesma toada das exposições anteriores. Recitou dogmas liberais para deleite de parte considerável da audiência presente.
Algum tipo de regulação extra para o mercado? Nada. Os bancos rapidamente aprenderiam a burlar a nova regra, replicando suas práticas dentro da nova arquitetura. Para Greenspan, o próprio mercado aprendeu com a ineficácia dos "instrumentos exóticos" causadores do colapso atual. Passado o momento atual, eliminará naturalmente essas ferramentas.
Ele se referia à explosão de contratos de derivativos. São instrumentos que visam a proteger determinadas operações, mas são construídos muitas vezes sobre uma base fictícia -por exemplo, os preços elevados artificialmente dos imóveis nos EUA.
A Folha assistiu ao seminário completo do Deutsch Bank, mas a mídia não foi admitida durante o jantar do qual participou Greenspan -por imposição do próprio. À saída, foi possível apurar com os presentes o que disse o ex-presidente do BC dos EUA.
Greenspan foi o fecho perfeito para um certo clima de "baile da Ilha Fiscal do sistema financeiro" -em 1889, no Rio, esse foi o último grande evento da elite brasileira às vésperas da queda da monarquia. No sábado, em Washington, os mais vistosos representantes dos bancos se juntaram para beber, comer e discutir a crise, mas suas prescrições incluíram apenas remédios já conhecidos. Alguns até admitiram falhas no sistema, mas chegavam a fazer previsões para 2009 como se o mundo das estatísticas continuasse firme em meio ao atual cataclismo monetário.
O vice-presidente do BC chinês, Yi Gang, por exemplo, disse que o crescimento do país não desacelerá mais do que 1,5 ponto -a China cresceu 11,9% em 2007. Não explicou de onde tirou tamanha precisão.
Para completar o quadro de distanciamento da realidade, o evento foi num salão da Câmara de Comércio dos EUA, cuja construção interna imita um ambiente medieval, com pé-direito altíssimo e forro de concreto pintado para parecer madeira. Completavam a decoração bandeiras e estandartes com os nomes dos conquistadores da América.
Nos intervalos, apesar de o clima geral assemelhar-se ao de um velório, havia, às vezes, um pouco de humor. "Qual é o recheio", perguntou um banqueiro a um garçom à frente do bufê de petiscos. "Hoje é um menu cubano. O recheio é de porco." E o banqueiro: "Cubano? Muito apropriado".
À noite, na sessão de perguntas e respostas para Greenspan, uma mulher perguntou se ele não mudaria algo nas regras do mercado para prevenir um descontrole como o atual. Não, foi a resposta. Argumentou que a melhor forma de fiscalizar é a concorrência. Comparou então seus trabalhos no JPMorgan e no Fed: "Meus colegas no "board" do JPMorgan sabiam mais sobre os balanços do Citibank do que a equipe técnica do Fed".
Alguém na platéia insistiu sobre se não seria possível, ao menos, prever em parte o atual derretimento dos mercados. Do alto de seus 82 anos, Greenspan relatou que em 2006, quando ainda dirigia o Fed, o FDIC (agência que fiscaliza os bancos) fez um relatório atestando a solidez do sistema financeiro dos EUA. "Estou há 60 anos nesse negócio de fazer previsões. A margem de erro é sempre grande. Acertamos em umas 60% das vezes", respondeu o mais liberal economista norte-americano.
Saída para a crise Greenspan tem na ponta da língua. O problema, disse ele, não é apenas de liquidez, mas de solvência das instituições financeiras.
"Ninguém sabe em qual patamar vão estacionar os preços dos imóveis." É necessário, portanto, "injetar dinheiro nos bancos por meio de compra de ações preferenciais" de maneira ilimitada. Até estancar o pânico e a queda nos mercados.
Outra pergunta: de onde virá tanto dinheiro? Para Greenspan, enquanto "houver confiança na moeda de papel, basta o Fed emitir". Haverá inflação, mas esse é um "bom problema para lá na frente", até porque "uma coisa que o Fed sabe fazer é combater a inflação". Os juros poderão, numa segunda fase da crise, subir para "5%, 10%", ou mais, deu a entender o ex-chefe do BC dos EUA.
Em resumo, eis a receita de Greenspan: 1) resistir a regular ainda mais o mercado; 2) dar muito dinheiro para os bancos não irem à falência; 3) se faltar dinheiro, imprimir o que for necessário; 4) quando a crise passar e sobrar só a inflação alta, dar uma peteleco para cima nos juros.
Não há ainda números conhecidos sobre a globalização do problema, mas Greenspan estima que os instrumentos "exóticos" de garantia dos ativos, os chamados derivativos, foram repassados a portadores no exterior numa proporção de 40%. Ou seja, cedo ou tarde, todos os principais países do mundo estarão em grandes dificuldades. Terminou de falar e foi aplaudido.


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