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MARCOS CINTRA
No olho do furacão
A única opção é a compra
de participação acionária
dos bancos pelos tesouros dos países envolvidos
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A CRISE financeira de 2008 pode ser explicada de forma bastante simples. Ela decorre do
descasamento entre o valor dos títulos financeiros em circulação e o valor do lastro garantidor, como bens
imobiliários e outros ativos. Durante anos, o estoque de crédito cresceu
a taxas elevadas, e o lastro desse espantoso crescimento financeiro aumentou concomitantemente, impulsionado principalmente pelo
mercado imobiliário americano.
Mas a bolha nos preços dos ativos
imobiliários estourou quando os
mutuários começaram a tornar-se
inadimplentes. Os financiamentos
cresceram mais que a renda dos mutuários, e o valor de mercado das garantias caiu. Os títulos lastreados
por esses imóveis tornaram-se ativos podres. Como haviam sido vendidos e refinanciados pelos "hedge
funds" em todo o mundo, sem limites e com precária regulamentação,
as perdas alastraram-se rapidamente. Para ter uma idéia, o BIS (Banco
para Compensações Internacionais) registra, em dezembro de
2007, o absurdo volume de US$ 596
trilhões em contratos de derivativos, duas vezes o montante verificado no mesmo mês de 2005.
Foi uma crise previsível, na medida em que o processo de descasamento ocorreu ao longo dos últimos
dois anos, e não foram poucos os
alertas emitidos por alguns especialistas. Mas eles foram ignorados pelas autoridades financeiras norte-americanas, entusiasmadas com a
prosperidade do período.
Teoricamente, há duas soluções:
1) sustentar os preços das garantias,
principalmente dos ativos imobiliários, para tornar possível o início de
um penoso, porém ordenado, processo de desalavancagem financeira, ou 2) deixar os títulos perderem
valor até que o equilíbrio entre crédito e garantias seja restabelecido.
A primeira alternativa já foi perdida pelas autoridades norte-americanas, pois pouco foi feito para sustentar os mutuários inadimplentes e
preservar o valor de mercado dos
imóveis. Isso poderia ter sido feito
mediante amplo programa público
de refinanciamento de hipotecas.
A segunda alternativa está em curso: deixar os ativos perderem valor,
gerando perdas nos balanços do setor financeiro. Isso, contudo, contamina o mercado real por causa da
perda de confiança no setor financeiro, da conseqüente queda de liquidez e da severa restrição de crédito à produção e ao comércio. As
engrenagens da economia param de
girar por falta de lubrificação.
Os líderes das principais economias se reuniram no fim de semana
nos EUA para encontrar soluções
para o pânico que se instalou nos
mercados mundiais. Uma coisa é
certa: não haverá recursos públicos
capazes de absorver os agonizantes
títulos podres, nem mesmo se todos
os governos dos países ricos se juntarem. A crise agora é de confiança, e
a única alternativa é a compra de
participação acionária do setor bancário pelos tesouros dos países envolvidos. Em face da gravidade do
pânico, apenas os governos são capazes de garantir liquidez e solvência. Nenhuma outra instituição é capaz de reverter essa maré de desconfiança e sustar uma iminente corrida bancária mundial.
Espero que, ao ser publicada, esta
coluna, escrita na sexta-feira, possa
ser seguida de notícias positivas das
autoridades do G7 reunidas no sábado e ontem nos EUA. Com certeza,
as soluções propostas não serão
muito diferentes das que estão discutidas aqui. Mas, se a cúpula do G7
não se entender, e a forte participação estatal no setor bancário não for
decidida rapidamente, há que esperar tempos bicudos à frente.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE , 63,
doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular
e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, foi deputado federal (1999-2003). É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a
cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
mcintra@marcoscintra.org
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