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OPINIÃO ECONÔMICA
O pacote fiscal
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Tardio, doloroso e insuficiente. São os três adjetivos que melhor descrevem o pacote anunciado pelo governo na última
segunda-feira. O ajuste das
contas públicas, que poderia e
deveria ter sido feito ao longo
de três anos de governo, foi costurado, às pressas, durante um
fim-de-semana.
Há algo de profundamente errado no discurso chapa-branca
a que temos sido submetidos no
passado recente. Passaram anos
dizendo à opinião pública que o
governo estava de mãos atadas
pela irracionalidade da Constituição, que a diminuição do déficit público e a consolidação do
Real dependiam das reformas
constitucionais encaminhadas
pelo Executivo ao Congresso.
Pois bem. Premido pela crise
econômico-financeira, o governo conseguiu, em poucos dias,
tirar da gaveta um pacote que
supostamente reduz o déficit
público em R$ 20 bilhões, o
equivalente a quase 2,5% do
PIB. Um ajuste fiscal poderoso,
portanto. Note-se que a esmagadora maioria das medidas
não depende do Congresso -e
muito menos de emendas constitucionais- para entrar em
vigor.
A opinião pública, perplexa,
fica sem saber se estavam mentindo antes ou se estão mentindo agora. Evidentemente, uma
coisa não exclui a outra.
Seja como for, o pacote traz a
marca da improvisação. Agora,
todos percebem que o governo
fez a aposta errada e foi pego no
contrapé. Baseou toda a sua política econômica na premissa
temerária de que o capital internacional financiaria, sem
maiores problemas, os déficits
do Plano Real. Não esperava a
deterioração do cenário internacional. Supunha que poderia
seguir tranquilamente na sua
trajetória de ajuste muito gradual, deixando para depois da
reeleição do presidente da República as decisões politicamente difíceis que o ajustamento da economia requer.
Houve lances grotescos. Logo
no início da crise no Sudeste
Asiático, um alto funcionário
do Banco Central (que, agora
mais do que nunca, deve permanecer anônimo) declarou
que a crise da Tailândia e outros países daquela região iria
nos beneficiar, pois os capitais
que estavam fugindo de lá acabariam fluindo para o Brasil...
De repente, tudo mudou. O
Plano Real, principal trunfo político de FHC, corre sérios riscos, decorrentes dos erros e
omissões do próprio governo.
Não houve alternativa senão
adotar, de afogadilho, decisões
dolorosas nos campos monetário e fiscal. As medidas não teriam esse caráter improvisado,
nem seriam tão dolorosas, se o
ajustamento não tivesse sido
postergado durante todos esses
anos, na expectativa -que
agora se revela infundada- de
que o Brasil teria amplo acesso
a capitais externos por período
prolongado.
Não há dúvida que, no ponto
em que chegamos, era indispensável tomar providências para
tentar diminuir o déficit público. Primeiramente, por causa
do choque de juros produzido
pelo Banco Central na semana
passada. A brutal elevação das
taxas pode ser benéfica, pelo
menos no curto prazo, para as
contas externas. Mas tem efeitos desfavoráveis sobre as contas públicas. A desaceleração
da atividade econômica, que
melhora a balança comercial,
piora o déficit público, uma vez
que deprime a receita tributária
e aumenta certos tipos de gasto,
como por exemplo as despesas
com o seguro-desemprego.
Além disso, os juros altos, que
podem atrair capital externo e
facilitar o refinanciamento dos
passivos internacionais do país,
elevam o custo da dívida pública interna, a maior parte da
qual é de prazo curto. A fenomenal elevação das taxas de juros irá, também, reverter o processo de alongamento gradual
da dívida mobiliária federal,
que estava em curso no passado
recente.
Se depois do choque de juros
promovido pelo Banco Central
o governo nada fizesse em termos de ajustamento fiscal, o déficit público, que já é considerado alto, subiria ainda mais.
Ora, uma das razões da vulnerabilidade brasileira é o déficit
público relativamente elevado.
Não é difícil entender por quê.
Um Estado como o brasileiro,
que está apenas emergindo de
uma longa e grave crise financeira, não pode contar com
acesso substancial a crédito de
longo prazo. Nessas condições,
se o déficit permanece alto ou
até aumenta, como aconteceu
na fase inicial do Plano Real, a
dívida de curto prazo cresce rapidamente, retardando a consolidação do programa de estabilização. Tanto mais que a
acumulação de reservas internacionais e as operações de socorro a bancos -Proer e outras- também contribuíram de
forma expressiva para a ampliação da dívida federal nos
anos recentes.
Reconhecer que o ajuste fiscal
é necessário não significa, evidentemente, apoiar o tipo de
medida que o governo anunciou na segunda-feira. O pacote
do governo é omisso em diversos pontos e contém muitos aspectos criticáveis ou duvidosos,
que a falta de espaço não permite comentar no artigo de hoje.
Mas vale a pena mencionar
um aspecto que é central. Como
ressaltou um dos editoriais da
Folha de ontem, as medidas tomadas ou anunciadas até agora
não tocam na principal fonte de
vulnerabilidade da economia
brasileira: a sobrevalorização
cambial. Enquanto esse problema não for enfrentado, o Brasil
não sairá da zona de risco.
Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da
Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da
Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net
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