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LUÍS NASSIF
O financista Rui Barbosa
Em artigo no "Estado de S.
Paulo" de sexta-feira passada, o jurista Paulo Brossard tenta rebater avaliações que fiz sobre Rui Barbosa na coluna "O
brasileiro do século". É um prazer debater com uma pessoa com
o conhecimento jurídico e o nível
intelectual do ex-senador.
Brossard anota duas incorreções factuais na minha coluna:
troquei inadvertidamente o nome do Barão do Rio Branco pelo
Barão de Mauá, em um episódio
de missão diplomática. E atribuí
erroneamente o controle do
Banco Nacional ao conselheiro
Saraiva, e não ao conde de Figueiredo. Esses dois pontos não
alteram a essência de minha argumentação.
Na coluna, analisava as responsabilidades de Rui no processo conhecido como "o encilhamento" -grande movimento
especulativo com ações, no período em que ele foi ministro da
Fazenda de Deodoro.
O estopim do processo foram
benefícios concedidos por Rui a
alguns bancos privados, em especial ao Banco de Crédito Real do
Brasil, do conselheiro Francisco
de Paula Mayrink.
É importante notar que, além
de maior jurista de seu tempo,
Rui tinha conhecimento econômico surpreendentemente, conforme se pode conferir no documento "Organização das Finanças Republicanas", apresentado
em novembro de 1890 no Congresso Nacional. Não apenas dominava as principais teorias econômicas como tinha um conhecimento minucioso dos principais aspectos institucionais da
economia e do federalismo norte-americano.
As justificativas que o levaram
a estimular a expansão monetária de 1890 tinham fundamento
teórico. Sustentava ele que não
se pode avaliar a política monetária meramente por meio do
montante de dinheiro em circulação -visto que parte dele ficava empoçado. Havia a necessidade, então, de injetar na economia moeda que circulasse.
Na época, as emissões monetárias obedeciam ao padrão-ouro
-só se podia emitir tendo o lastro correspondente de ouro. Rui
enfrentou essa ortodoxia e autorizou a emissão lastreada em títulos públicos, com o objetivo de
financiar a produção e ajudar a
esterilizar dívida pública.
Essa posição teórica granjeou-lhe inúmeros admiradores ao
longo da história, entre os quais
Celso Furtado, para quem a especulação do "encilhamento"
era um bicho à parte, sem relação com a política econômica de
Rui.
Além das atas do ministério
Deodoro, e de jornais da época,
duas obras recentes são relevantes, para reavaliar o papel de Rui
Barbosa no período: "O Encilhamento, Anatomia de uma Bolha
Brasileira", de Ney Carvalho (ex-presidente da Bolsa de Valores
do Rio de Janeiro), e "A Crise Financeira da Abolição", do brasilianista John Schultz, com doutorado em história por Princenton e experiência em bancos internacionais.
O livro de Carvalho é importante por, pela primeira vez, esmiuçar as ferramentas financeiras utilizadas no "encilhamento"; o de Schultz, por avançar de
forma consistente na identidade
dos capitais estrangeiros no país,
a maior parte dos quais capital
brasileiro clandestino.
Juntando as peças, e outras
obras do período, conclui-se que:
1) O principal fator de desgaste
de Rui foi o favorecimento escancarado ao banco do conselheiro Mayrink.
2) O principal golpe do "encilhamento" consistia em lançar
uma companhia com subscrição
de apenas 10% do capital, comprometendo-se a integralizar o
capital posteriormente. Captado
o dinheiro do mercado, a companhia simplesmente evaporava, deixando investidores órfãos.
3) Era impossível a uma pessoa
com o nível de conhecimento de
Rui Barbosa não identificar o
movimento fraudulento e não
saber quais as medidas reguladoras necessárias para abortá-lo.
Essas medidas, aliás, eram marteladas diariamente por jornais
da época.
4) Um dos empresários que
mais recorreu a esses golpes foi
justamente o conselheiro Mayrink. E, quando deixou o governo, Rui tornou-se diretor de bancos e companhias criadas por ele.
A blindagem de Rui decorreu,
em parte, por sua extraordinária
produção intelectual e alguns capítulos enobrecedores posteriores
de sua biografia. E, talvez, porque faltasse aos economistas e
historiadores do período conhecimento mais aprofundado sobre mecanismos financeiros e especulativos da época.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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