São Paulo, terça-feira, 13 de novembro de 2007

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VINICIUS TORRES FREIRE

O petróleo e a besteira são nossos


Lula delira com Opep e "Bolsa Gasosa", lobby vulgar ataca o governo e debate chega a um nível abaixo da camada de sal

SERIA DIVERTIDO ver Lula erguer um brinde a Deus/Alá diante de um estuporado muçulmano petrolífero da Opep, quiçá um saudita da casa real, daqueles de expressão pétrea, de areia vitrificada. Pena que o Itamaraty impediria tal gesto, a saudação alcoólica à dádiva divina do óleo, à altura dos comentários finais de Lula sobre a Cúpula Ibero-Americana, de inteligência inferior à de um comercial de cerveja. O xeque-presidente aceitou o desafio do "clown" sinistro da Venezuela, Hugo Chávez, e prometeu uma espécie de Bolsa Gasosa para os pobres do mundo, pois "logo, logo, o Brasil vai participar da Opep" e "vamos brigar para baixar o preço".
Faz tempo que o hábito presidencial do disparate deixou de parecer bizarro para provocar apenas o torpor desdenhoso do tédio. Mas o despropósito luliano vez e outra ainda causa irritação, pois transtorna as escassas chances de debate público racional, mesmo quando seu governo toma decisões corretas. Foi o caso da suspensão da venda do direito de explorar petróleo nas novas e talvez enormes reservas do litoral. Excluir as novas reservas do próximo leilão de áreas de exploração de petróleo foi uma decisão acertada.
Além de não ser conhecido o potencial das reservas, não se conhecem as suas conexões (se se trata de um único imenso campo etc.), não há política para o ritmo de extração de petróleo naquelas áreas e, enfim, as reservas são da União, ponto. Os lobistas que criticaram a decisão oficial recorreram ao clichê vulgar e automático ("quebra de contratos", "incerteza", "ameaça ao investimento privado"). Mas até quem estudou petróleo com o Visconde de Sabugosa, de Monteiro Lobato, poderia argumentar que os investimentos e tecnologia de Petrobras e cia., que gastaram os tubos para descobrir petróleo literalmente no quinto dos infernos, poderiam ser vampirizados por empresas que despenderiam uns trocados para comprar a concessão de explorar petróleo na área vizinha às da estatal.
Se o governo e o império da Petrobras pretendem estatizar todo o negócio, são outros quinhentos (maus quinhentos). Por ora, houve apenas atitude prudente e razoável de repensar as concessões. Mas os lobistas choram uns US$ 4 milhões que as petroleiras interessadas no leilão teriam investido em estudos etc., que alegam desperdiçados agora que o governo suspendeu a concessão das reservas boca-rica. Oh, dó! Dá até vontade de fazer uma vaquinha para compensar Chevron, Repsol, ExxonMobil ou quaisquer que fossem as grandes irmãs interessadas.
As viúvas do tucanato e/ou lobistas ainda reclamam do atropelamento da agência reguladora do setor, a ANP, pelo governo. Supondo que tal coisa tivesse ocorrido (e não uma decisão de governo legítima), onde estavam nossos amigos da concorrência, do mercado e da regulação independente quando FHC transformou a Aneel num dois de paus? Foi o que fez ao criar o ministério do apagão, a "junta" que pôs esparadrapo na mãe de todas as lambanças administrativas, o racionamento elétrico. Onde estavam quando o governo FHC politizou a privatização das teles, abjurando a fé em leilões de desestatização, que seriam por si só capazes de dar conta de preço e concorrência justa?

vinit@uol.com.br


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