São Paulo, sexta-feira, 13 de dezembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

A medicina e a economia

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A confirmação de Antonio Palocci Filho como ministro da Fazenda do governo Lula precisa ser entendida, na sua plenitude, pelo leitor da Folha. Sua escolha é absolutamente correta do ponto de vista político. Como o novo governo optou por adotar uma gestão econômica extremamente conservadora, no início de seu mandato, fez-se necessário blindar politicamente aqueles que vão, com suas palavras e atos, agredir e estuprar o discurso petista de anos e as promessas da campanha eleitoral recém-terminada.
A impressão de que Pedro Malan continuará a pairar no edifício do Ministério da Fazenda em Brasília, agora não como ministro, mas como guru e inspirador de Palocci, vai gerar uma revolta natural entre boa parte daqueles que apoiaram, com fervor e energia juvenil, a ascensão do PT ao poder.
Faço uma pausa neste meu pensamento para lembrar uma marca interessante da ascensão de Palocci ao comando de nossa economia. Ela ocorreu por uma intervenção direta -do acaso, para os agnósticos, ou dos deuses, para os crentes. Foi o assassinato do prefeito de Santo André que abriu o caminho para que ele, também prefeito de uma cidade importante de São Paulo, chegasse à cúpula do governo Lula. Se Celso Daniel estivesse ainda vivo, certamente a história seria outra. O PT não teria sido alertado para a gravidade da crise de confiança que estamos vivendo e não teria em Palocci a voz poderosa a defender esse caminho conservador como única alternativa para a política econômica de transição. Mas isso são águas passadas, e voltemos aos fatos e ao futuro.
Como o novo ministro da Fazenda é membro do restrito grupo de petistas que vão governar com Lula, as contradições entre a administração da economia e as aspirações das bases poderão ser administradas durante algum tempo. Nessa tarefa será fundamental também a posição de José Genoino, como novo presidente do PT. Caberá a ele negociar com os movimentos populares a necessária sustentação política a esse malanismo sem Malan. Uma prova clara e cristalina dessa sua missão foi o recente encontro com a direção da CUT, que resultou em uma declaração oficial dessa instituição de apoio ao controle a qualquer custo da inflação e do repúdio a uma indexação dos salários aos índices de preço.
Como já disse, a flexibilidade do salário real nos próximos meses é peça fundamental da estratégia econômica de curto prazo do PT. Certamente essas palavras da direção da central sindical provocaram ranger de dentes e ataques de nervos em muita gente. Reações que foram até agora sufocadas pela disciplina soviética do partido.
Entendo que a sustentação política e partidária montada pelo PT deva dar ao novo ministro da Economia um tempo suficiente, um ano nas palavras de Genoino, para iniciar com algum êxito as várias batalhas que já estão em curso: a batalha das expectativas, a batalha pela rolagem da dívida interna, a batalha pela volta de algum fôlego financeiro externo, a batalha pela manutenção do programa com o FMI e a batalha pela retomada do controle da inflação.
Como os exércitos adversários não conseguem acreditar, por não conhecer a dinâmica política do PT, nessa conversão à ortodoxia existe um grande espaço para algumas vitórias iniciais do novo comandante-em-chefe de nossa economia. A escolha de Henrique Meirelles, ex-banqueiro e deputado tucano eleito por Goiás, como presidente do Banco Central foi uma decisão correta do comando petista. Meirelles é uma pessoa de muita experiência no mercado financeiro e que depois de comandar por muitos anos o BankBoston no Brasil teve uma experiência importante como presidente da matriz americana dessa instituição financeira. Terá, portanto, um diálogo fácil com a chamada comunidade financeira internacional, na tentativa de normalizar os fluxos de capitais financeiros para o Brasil.
Não sendo um especialista em questões monetárias, vai depender de uma equipe de diretores com conhecimentos específicos nessa área. Mas saber formar e liderar uma equipe de técnicos é uma qualidade conhecida do novo presidente de nossa autoridade monetária. Além dessas qualidades, o ex-banqueiro tem tato político suficiente para sobreviver em uma cidade como Brasília. Gostei da escolha!
Montada a direção do BC, o próximo desafio do ministro da Fazenda será reunir um grupo de economistas com capacidade de formular, em nível macroeconômico, o plano de vôo para os próximos anos. O Ministério da Fazenda ainda parece um computador sem software. O governo de Lula, sob inspiração de Palocci, descartou o produzido por seus economistas militantes durante a vida do PT e está à procura de um outro. A decisão de assumir o malanismo pode funcionar no curto prazo, principalmente ao diminuir a intensidade da crise de confiança que estamos vivendo.
Mas sabemos que, como agenda de longo prazo, a política atual revelou-se um verdadeiro desastre. O próprio presidente Fernando Henrique já reconheceu isso, quando, em Nova York, declarou que, se tivesse a oportunidade de um terceiro mandato, mudaria os rumos da política econômica. O novo czar da economia precisa enfrentar rapidamente esse desafio, sob o risco de ver passar sem brilho esse período de carência que o PT ganhou da sociedade. Um ano é um período de tempo muito curto, para efeito de decisões econômicas.
Meu pai, que era um médico, como Palocci, ensinou-me que o corpo humano manda sinais claros quando alguma coisa vai mal. Segundo ele, o que diferencia o bom médico é sua capacidade de ler, antes dos outros, esses sinais e tomar as medidas adequadas. Aprendi ao longo do tempo que o mesmo ocorre com a economia de um país. O bom economista, como o bom médico, é aquele que consegue decifrar com antecedência as indicações de problemas do organismo econômico. Juros elevados, déficits sistemáticos na balança comercial, inflação e falta de capacidade de crescer são alguns dos indicadores que precisam ser compreendidos. Para tanto, é preciso uma formação teórica sólida, com uma experiência de campo. Na época de Gustavo Franco, presidente de hospital ungido como pensador da economia antes do tempo, os sinais contundentes de desequilíbrios na economia foram ignorados por falta de experiência. Conhecemos hoje os resultados desses erros.
O novo ministro da Fazenda vai precisar ter a seu lado técnicos habilitados para tomar as decisões necessárias a fim de diagnosticar e curar o doente, enquanto a política monetária mantém seu organismo em coma induzida. Essa será a função de Meirelles no BC e do programa com o FMI. Caberá a ele também a responsabilidade de combater a infecção hospitalar, representada pela inflação de mais de 10% que temos hoje. O governo do novo PT precisa, entretanto, rapidamente decidir sobre essa agenda positiva e que só dará frutos mais à frente. Vamos esperar que consiga mais uma vez fazer a escolha certa.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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