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OPINIÃO ECONÔMICA
A medicina e a economia
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A confirmação de Antonio
Palocci Filho como ministro
da Fazenda do governo Lula precisa ser entendida, na sua plenitude, pelo leitor da Folha. Sua escolha é absolutamente correta do
ponto de vista político. Como o
novo governo optou por adotar
uma gestão econômica extremamente conservadora, no início de
seu mandato, fez-se necessário
blindar politicamente aqueles
que vão, com suas palavras e atos,
agredir e estuprar o discurso petista de anos e as promessas da
campanha eleitoral recém-terminada.
A impressão de que Pedro Malan continuará a pairar no edifício do Ministério da Fazenda em
Brasília, agora não como ministro, mas como guru e inspirador
de Palocci, vai gerar uma revolta
natural entre boa parte daqueles
que apoiaram, com fervor e energia juvenil, a ascensão do PT ao
poder.
Faço uma pausa neste meu pensamento para lembrar uma marca interessante da ascensão de
Palocci ao comando de nossa economia. Ela ocorreu por uma intervenção direta -do acaso, para
os agnósticos, ou dos deuses, para
os crentes. Foi o assassinato do
prefeito de Santo André que abriu
o caminho para que ele, também
prefeito de uma cidade importante de São Paulo, chegasse à cúpula
do governo Lula. Se Celso Daniel
estivesse ainda vivo, certamente a
história seria outra. O PT não teria sido alertado para a gravidade da crise de confiança que estamos vivendo e não teria em Palocci a voz poderosa a defender
esse caminho conservador como
única alternativa para a política
econômica de transição. Mas isso
são águas passadas, e voltemos
aos fatos e ao futuro.
Como o novo ministro da Fazenda é membro do restrito grupo
de petistas que vão governar com
Lula, as contradições entre a administração da economia e as aspirações das bases poderão ser
administradas durante algum
tempo. Nessa tarefa será fundamental também a posição de José
Genoino, como novo presidente
do PT. Caberá a ele negociar com
os movimentos populares a necessária sustentação política a esse
malanismo sem Malan. Uma
prova clara e cristalina dessa sua
missão foi o recente encontro com
a direção da CUT, que resultou
em uma declaração oficial dessa
instituição de apoio ao controle a
qualquer custo da inflação e do
repúdio a uma indexação dos salários aos índices de preço.
Como já disse, a flexibilidade do
salário real nos próximos meses é
peça fundamental da estratégia
econômica de curto prazo do PT.
Certamente essas palavras da direção da central sindical provocaram ranger de dentes e ataques de
nervos em muita gente. Reações
que foram até agora sufocadas
pela disciplina soviética do partido.
Entendo que a sustentação política e partidária montada pelo
PT deva dar ao novo ministro da
Economia um tempo suficiente,
um ano nas palavras de Genoino,
para iniciar com algum êxito as
várias batalhas que já estão em
curso: a batalha das expectativas,
a batalha pela rolagem da dívida
interna, a batalha pela volta de
algum fôlego financeiro externo,
a batalha pela manutenção do
programa com o FMI e a batalha
pela retomada do controle da inflação.
Como os exércitos adversários
não conseguem acreditar, por
não conhecer a dinâmica política
do PT, nessa conversão à ortodoxia existe um grande espaço para
algumas vitórias iniciais do novo
comandante-em-chefe de nossa
economia. A escolha de Henrique
Meirelles, ex-banqueiro e deputado tucano eleito por Goiás, como
presidente do Banco Central foi
uma decisão correta do comando
petista. Meirelles é uma pessoa de
muita experiência no mercado financeiro e que depois de comandar por muitos anos o BankBoston no Brasil teve uma experiência importante como presidente
da matriz americana dessa instituição financeira. Terá, portanto,
um diálogo fácil com a chamada
comunidade financeira internacional, na tentativa de normalizar os fluxos de capitais financeiros para o Brasil.
Não sendo um especialista em
questões monetárias, vai depender de uma equipe de diretores
com conhecimentos específicos
nessa área. Mas saber formar e liderar uma equipe de técnicos é
uma qualidade conhecida do novo presidente de nossa autoridade monetária. Além dessas qualidades, o ex-banqueiro tem tato
político suficiente para sobreviver
em uma cidade como Brasília.
Gostei da escolha!
Montada a direção do BC, o
próximo desafio do ministro da
Fazenda será reunir um grupo de
economistas com capacidade de
formular, em nível macroeconômico, o plano de vôo para os próximos anos. O Ministério da Fazenda ainda parece um computador sem software. O governo de
Lula, sob inspiração de Palocci,
descartou o produzido por seus
economistas militantes durante a
vida do PT e está à procura de um
outro. A decisão de assumir o malanismo pode funcionar no curto
prazo, principalmente ao diminuir a intensidade da crise de
confiança que estamos vivendo.
Mas sabemos que, como agenda
de longo prazo, a política atual
revelou-se um verdadeiro desastre. O próprio presidente Fernando Henrique já reconheceu isso,
quando, em Nova York, declarou
que, se tivesse a oportunidade de
um terceiro mandato, mudaria os
rumos da política econômica. O
novo czar da economia precisa
enfrentar rapidamente esse desafio, sob o risco de ver passar sem
brilho esse período de carência
que o PT ganhou da sociedade.
Um ano é um período de tempo
muito curto, para efeito de decisões econômicas.
Meu pai, que era um médico,
como Palocci, ensinou-me que o
corpo humano manda sinais claros quando alguma coisa vai mal.
Segundo ele, o que diferencia o
bom médico é sua capacidade de
ler, antes dos outros, esses sinais e
tomar as medidas adequadas.
Aprendi ao longo do tempo que o
mesmo ocorre com a economia de
um país. O bom economista, como o bom médico, é aquele que
consegue decifrar com antecedência as indicações de problemas do
organismo econômico. Juros elevados, déficits sistemáticos na balança comercial, inflação e falta
de capacidade de crescer são alguns dos indicadores que precisam ser compreendidos. Para
tanto, é preciso uma formação
teórica sólida, com uma experiência de campo. Na época de Gustavo Franco, presidente de hospital
ungido como pensador da economia antes do tempo, os sinais contundentes de desequilíbrios na
economia foram ignorados por
falta de experiência. Conhecemos
hoje os resultados desses erros.
O novo ministro da Fazenda vai
precisar ter a seu lado técnicos habilitados para tomar as decisões
necessárias a fim de diagnosticar
e curar o doente, enquanto a política monetária mantém seu organismo em coma induzida. Essa
será a função de Meirelles no BC e
do programa com o FMI. Caberá
a ele também a responsabilidade
de combater a infecção hospitalar, representada pela inflação de
mais de 10% que temos hoje. O
governo do novo PT precisa, entretanto, rapidamente decidir sobre essa agenda positiva e que só
dará frutos mais à frente. Vamos
esperar que consiga mais uma vez
fazer a escolha certa.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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