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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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LUÍS NASSIF

Os falsos dogmas

Uma das jóias do pensamento circular dos cabeças de planilha é a tese de que bastará cair o risco Brasil para, alguns meses depois, recomeçar o fluxo de investimento direto no país.
Converse com qualquer presidente de multinacional no Brasil. Wall Street pode adorar Palocci, o risco pode cair. Só que nos centros de decisão de investimentos não existe mais o Brasil. As filiais estão sendo esvaziadas e todas as decisões de investimentos estão sendo para a China, e, agora, a Rússia e a Índia. E por uma razão muito simples: o que eles querem, do Brasil, é o mercado de consumo interno ou competitividade para exportar. E o modelo oferece queda de renda, aumento de tributos e dificuldade de acesso a crédito.
A única maneira, firme e sustentada, de dar um choque de competitividade sistêmico na economia é pelo câmbio, de modo a criar condições para que as filiais das multinacionais convençam suas matrizes a investir no país visando transformá-lo em plataforma exportadora. A partir desse impulso se criarão as demais condições de competitividade.
Ex-consultor da McKinsey, com doutorado nos EUA, o economista Eduardo Giuliani envia o seguinte e-mail, a respeito da circularidade do pensamento cabeça de planilha:
"Não adianta usar lógica com esse povo. A discussão sempre volta para crenças absurdas. Exemplo: eles acham que violência não tem nada a ver com pobreza, apesar da reconhecida pirâmide de necessidades de Maslow e toda evidência empírica das regiões mais pobres do mundo."
"Eles acham que dívida tem de ser paga a qualquer custo, apesar de, no custo dela, existir um componente de risco, exatamente pelo fato de algumas dívidas não poderem ser pagas e terem de ser renegociadas."
"Acham que tem de haver dinheiro para crescer, para poupança, em vez de entender que, antes, é preciso demanda para atrair o investimento. Acham que temos de ter melhor nível educacional para crescer, em vez de entender que a alta da demanda eleva o interesse pelo produto educação."
Há séculos inventou-se a contabilidade e, com ela, os conceitos de caixa e de competência. O conceito de caixa mostra o resultado imediato do caixa da companhia. O de competência leva em conta situações contingentes passadas e futuras.
Se uma empresa deixa de honrar um compromisso em um determinado ano, no conceito de caixa sobrarão recursos. No conceito de competência, não, pois o passivo terá de ser pago em algum momento.
Com países, a contabilidade é muito mais complexa. Corte de gastos de saúde, hoje, resultarão em piora no padrão de vida da população e em mais gastos amanhã, quando começarem a aparecer as doenças. O mesmo ocorre com a estrada que deixou de ser feita, o investimento em infra-estrutura que foi adiado.
No entanto o que mais se ouve dos cabeças de planilha é que o superávit fiscal de 2003 é virtuoso porque foi feito com redução de despesas. Caso típico de cérebros com excesso de caixa e falta de competência.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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