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OPINIÃO ECONÔMICA
Novo modelo elétrico não impede apagão
GESNER OLIVEIRA
Finalmente, após quase um
ano de governo, veio a público o novo modelo institucional do
setor elétrico. Ao contrário do que
o presidente Lula afirmou, as regras divulgadas na quinta-feira
não impedem futuros apagões.
A razão é simples. O problema
básico do setor elétrico é de falta
de investimento para garantir
oferta sustentada de energia nos
próximos anos com a economia
crescendo a uma taxa razoável.
Estudo da Tendências apresentado há duas semanas na Câmara
dos Deputados, por ocasião do
lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Infra-Estrutura
Nacional, estima que o hiato de
recursos seja da ordem de R$ 11
bilhões anuais.
Esse número resulta do seguinte
cálculo. Estima-se que para a economia crescer 3,4% ao ano na
próxima década sejam necessárias inversões no setor de energia
da ordem de R$ 20,1 bilhões, em
média, por ano e que apenas R$ 9
bilhões possam ser financiados
com fontes públicas somadas às
de agências multilaterais. A conclusão óbvia é que o setor privado
terá de colocar dinheiro e, para isso, será necessário haver um mínimo de segurança de que as regras do jogo não serão alteradas
ao sabor das alianças e das conjunturas políticas.
Conforme já se temia, o novo
modelo do setor elétrico vai na direção contrária daquela que seria
desejável para atrair investimentos privados e, consequentemente, assegurar a expansão adequada da oferta de energia.
Admite-se que a concepção de
um modelo para o setor elétrico
não é tarefa fácil, especialmente
no caso brasileiro. A predominância da hidroeletricidade (95%
da produção total) implica elevadas economias de escala e, consequentemente, uma propensão estrutural ao monopólio natural,
isto é, a uma situação em que a
produção se dá de forma mais eficiente com apenas uma empresa.
Outro desafio do ponto de vista
regulatório reside na forte integração entre geração e transmissão. As quatro subsidiárias da
Eletrobrás (Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul) e quatro concessionárias estaduais (Cesp/SP, Cemig/MG, Copel/PR e CEEE/RS)
respondem por mais de 70% da
geração e por parcela majoritária
da transmissão. Tais características estruturais acentuam o poder
de mercado das empresas dominantes e exigem monitoramento
e fiscalização por parte do Estado.
No entanto o caminho escolhido pelo governo Lula erra na forma de controle estatal. Em vez de
se apoiar em órgãos de Estado,
como a Aneel, o novo modelo
transferiu os poderes de decisão
para um órgão de governo como o
Ministério de Minas e Energia,
mais sujeito às pressões de natureza política. Isso ocorre com a
transferência do poder concedente da Aneel para o MME.
Na mesma direção, ao organizar o pool de comercialização de
energia o governo optou por centralizá-lo em uma recém-criada
Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica (CCEE), subordinada ao MME e que deverá substituir o antigo mercado atacadista de energia (que, diga-se, jamais funcionou porque o próprio
Estado não respeitou as regras do
jogo).
Apesar da cartilha do MME ressaltar que foram realizadas "reuniões técnicas, workshops, seminários, debates etc.", a verdade é
que o verdadeiro debate deveria
ser travado no Congresso Nacional, o que seria possível mediante
o envio de um projeto de lei. No
entanto optou-se pelo instrumento da medida provisória.
Além disso, persistem vários
pontos duvidosos. Por exemplo, a
cartilha do MME fala em reduzir
as ações concertadas entre os
agentes. Traduzindo: isso significa práticas de cartel. Mas nada
está definido ainda acerca do papel que terão os órgãos de defesa
da concorrência e sua articulação
com a Aneel.
É positiva no modelo a diretriz
de desverticalização, isto é, de separação de propriedade para os
segmentos de geração, transmissão e distribuição. É preciso definir agora um cronograma de implementação de tal diretriz para a
Copel e a Cemig. Ainda não se falou sobre o assunto.
O mundo está ficando cada vez
mais eletrointensivo. Algumas estimativas indicam que, para cada
ponto percentual de expansão do
PIB, seja necessário mais de 1,5
ponto percentual de crescimento
no consumo de energia elétrica.
Daí a necessidade de geração de
capacidade de produção nesse
segmento para o que as inversões
privadas são indispensáveis.
A julgar pelas manifestações
das autoridades federais nos últimos seis meses, esse fato já foi entendido e incorporado ao discurso e ao marketing oficiais. Falta,
contudo, traduzi-lo em medidas
concretas que efetivamente representem um estímulo ao investimento no setor elétrico. Sem isso,
o governo Lula terá de optar entre
a recessão ou o apagão.
Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-Eaesp, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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