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São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Novo modelo elétrico não impede apagão

GESNER OLIVEIRA

Finalmente, após quase um ano de governo, veio a público o novo modelo institucional do setor elétrico. Ao contrário do que o presidente Lula afirmou, as regras divulgadas na quinta-feira não impedem futuros apagões.
A razão é simples. O problema básico do setor elétrico é de falta de investimento para garantir oferta sustentada de energia nos próximos anos com a economia crescendo a uma taxa razoável. Estudo da Tendências apresentado há duas semanas na Câmara dos Deputados, por ocasião do lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Infra-Estrutura Nacional, estima que o hiato de recursos seja da ordem de R$ 11 bilhões anuais.
Esse número resulta do seguinte cálculo. Estima-se que para a economia crescer 3,4% ao ano na próxima década sejam necessárias inversões no setor de energia da ordem de R$ 20,1 bilhões, em média, por ano e que apenas R$ 9 bilhões possam ser financiados com fontes públicas somadas às de agências multilaterais. A conclusão óbvia é que o setor privado terá de colocar dinheiro e, para isso, será necessário haver um mínimo de segurança de que as regras do jogo não serão alteradas ao sabor das alianças e das conjunturas políticas.
Conforme já se temia, o novo modelo do setor elétrico vai na direção contrária daquela que seria desejável para atrair investimentos privados e, consequentemente, assegurar a expansão adequada da oferta de energia.
Admite-se que a concepção de um modelo para o setor elétrico não é tarefa fácil, especialmente no caso brasileiro. A predominância da hidroeletricidade (95% da produção total) implica elevadas economias de escala e, consequentemente, uma propensão estrutural ao monopólio natural, isto é, a uma situação em que a produção se dá de forma mais eficiente com apenas uma empresa.
Outro desafio do ponto de vista regulatório reside na forte integração entre geração e transmissão. As quatro subsidiárias da Eletrobrás (Furnas, Chesf, Eletronorte e Eletrosul) e quatro concessionárias estaduais (Cesp/SP, Cemig/MG, Copel/PR e CEEE/RS) respondem por mais de 70% da geração e por parcela majoritária da transmissão. Tais características estruturais acentuam o poder de mercado das empresas dominantes e exigem monitoramento e fiscalização por parte do Estado.
No entanto o caminho escolhido pelo governo Lula erra na forma de controle estatal. Em vez de se apoiar em órgãos de Estado, como a Aneel, o novo modelo transferiu os poderes de decisão para um órgão de governo como o Ministério de Minas e Energia, mais sujeito às pressões de natureza política. Isso ocorre com a transferência do poder concedente da Aneel para o MME.
Na mesma direção, ao organizar o pool de comercialização de energia o governo optou por centralizá-lo em uma recém-criada Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), subordinada ao MME e que deverá substituir o antigo mercado atacadista de energia (que, diga-se, jamais funcionou porque o próprio Estado não respeitou as regras do jogo).
Apesar da cartilha do MME ressaltar que foram realizadas "reuniões técnicas, workshops, seminários, debates etc.", a verdade é que o verdadeiro debate deveria ser travado no Congresso Nacional, o que seria possível mediante o envio de um projeto de lei. No entanto optou-se pelo instrumento da medida provisória.
Além disso, persistem vários pontos duvidosos. Por exemplo, a cartilha do MME fala em reduzir as ações concertadas entre os agentes. Traduzindo: isso significa práticas de cartel. Mas nada está definido ainda acerca do papel que terão os órgãos de defesa da concorrência e sua articulação com a Aneel.
É positiva no modelo a diretriz de desverticalização, isto é, de separação de propriedade para os segmentos de geração, transmissão e distribuição. É preciso definir agora um cronograma de implementação de tal diretriz para a Copel e a Cemig. Ainda não se falou sobre o assunto.
O mundo está ficando cada vez mais eletrointensivo. Algumas estimativas indicam que, para cada ponto percentual de expansão do PIB, seja necessário mais de 1,5 ponto percentual de crescimento no consumo de energia elétrica. Daí a necessidade de geração de capacidade de produção nesse segmento para o que as inversões privadas são indispensáveis.
A julgar pelas manifestações das autoridades federais nos últimos seis meses, esse fato já foi entendido e incorporado ao discurso e ao marketing oficiais. Falta, contudo, traduzi-lo em medidas concretas que efetivamente representem um estímulo ao investimento no setor elétrico. Sem isso, o governo Lula terá de optar entre a recessão ou o apagão.


Gesner Oliveira, 47, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br



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