São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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ARTIGO

Às montadoras, o remédio é a concordata

JOSEPH STIGLITZ
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"

O DEBATE sobre resgatar ou não as três grandes montadoras de automóveis norte-americanas vem sendo retratado de maneira incorreta. A descrição usual é que se trata de um pacote para ajudar os dinossauros de Detroit, que nada fizeram por merecer essa ajuda. Na verdade, um plano de resgate às montadoras beneficiaria igualmente os acionistas e os detentores de títulos dessas empresas. E são exatamente eles as pessoas que não precisam de ajuda agora.
Na verdade, contribuíram muito para o problema.
Os mercados financeiros devem supostamente alocar capital e fiscalizar que seu uso seja eficiente. A suposição é que sejam recompensados quando fazem bem o seu trabalho, mas que arquem com as conseqüências quando fracassam. Os mercados fracassaram. A concentração exagerada de Wall Street nos retornos trimestrais encorajou o apego ao curto prazo e contribuiu para o atual colapso.
O que precisa ser feito é ajudar as montadoras a começar de novo e permitir que se concentrem em produzir bons carros, em lugar de passarem o tempo todo fazendo malabarismos com sua contabilidade.
O setor automobilístico não será fechado, mas precisa de reestruturação. É para isso que servem as leis de concordata do código de falências dos EUA.
Uma variação do modelo de concordata pré-negociada sob o qual todos os termos são definidos antes que o tribunal de falências seja acionado -poderia permitir que as montadoras produzam carros melhores e mais sensatos em termos ecológicos. Também pode permitir que elas cumpram suas obrigações para com os aposentados.
As empresas talvez precisem de financiamentos adicionais. Dada a situação dos mercados financeiros, o governo dos EUA talvez tenha de fornecer esse dinheiro, mas sob termos que ofereçam plenos retornos aos contribuintes a fim de compensá-los pelos riscos que estarão assumindo.
Com uma reestruturação financeira, os ativos reais não desaparecem. Os investidores de capital (que não exerceram suas funções de fiscalização) perdem tudo; os detentores de títulos se tornam detentores de ações e podem perder quantias substanciais. Livres da obrigação de pagar juros, as montadoras estarão em melhor posição. Os dólares dos contribuintes farão mais efeito. O risco moral solapar o sistema de incentivos será evitado, e uma mensagem forte enviada.
Haverá quem mencione os fundos de pensão e outras instituições que sofrerão com isso.
Sim, mas é verdade. O governo talvez precise ajudar os fundos de pensão, mas é melhor que o faça diretamente, e não por meio de imensos resgates executados sob a esperança de que algum dinheirinho chegue às mãos das "viúvas e órfãos". Há quem diga que uma concordata solapará a confiança nos carros norte-americanos. Mas são os carros e as montadoras, bem como o desempenho horrendo de seus executivos, os que causaram essa perda de confiança.
Com os especialistas estimando que US$ 125 bilhões ou mais podem vir a ser necessários, e com a fadiga gerada por tantos resgates, por que os consumidores deveriam acreditar que um presentinho no valor de US$ 15 bilhões deflagraria uma reviravolta? É mais plausível que a confiança venha a ser restaurada caso o setor seja libertado do ônus do pagamento de juros e tenha a oportunidade de começar de novo. Os carros modernos são produtos tecnológicos complexos e os EUA já demonstraram sua força na tecnologia avançada. O fracasso é responsabilidade dos executivos das montadoras de automóveis norte-americanos e dos mercados financeiros, que não cumpriram suas funções de fiscalização e encorajaram um comportamento míope. O "empréstimo-ponte para o nada" -que representa apenas a primeira parcela de um poço sem fundo que poderia atingir proporções enormes é um exemplo do comportamento imprevidente que nos colocou nessa enrascada.
À medida que os resgates continuam, números que no passado pareceriam imensos começam a soar quase normais. Centenas de bilhões de dólares estão sendo dados aos bancos e seguradoras. A AIG recebeu US$ 150 bilhões. Assim, o novo pacote de socorro de US$ 34 bilhões, ou até mesmo US$ 125 bilhões, para a indústria automobilística parece modesto. No entanto, não devemos nos esquecer que, alguns meses atrás, o presidente George W. Bush declarou que o país não tinha dinheiro suficiente para bancar planos de saúde para as crianças pobres, ainda que o custo fosse de apenas alguns bilhões de dólares.
Mesmo que o Congresso conceda US$ 15 bilhões agora às montadoras, antes que chegue a hora da próxima dose desse remédio bilionário deveríamos pensar com mais cuidado sobre a quem estamos resgatando, e por quê. Não devemos permitir que a operação se transforme em mais um pacote de resgate aos acionistas e detentores de títulos.

JOSEPH STIGLITZ foi Prêmio Nobel de Economia em 2001.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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