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ARTIGO
Às montadoras, o remédio é a concordata
JOSEPH STIGLITZ
ESPECIAL PARA O "FINANCIAL TIMES"
O
DEBATE sobre resgatar ou não as três grandes montadoras de automóveis norte-americanas
vem sendo retratado de maneira incorreta. A descrição usual
é que se trata de um pacote para
ajudar os dinossauros de Detroit, que nada fizeram por merecer essa ajuda. Na verdade,
um plano de resgate às montadoras beneficiaria igualmente
os acionistas e os detentores de
títulos dessas empresas. E são
exatamente eles as pessoas que
não precisam de ajuda agora.
Na verdade, contribuíram muito para o problema.
Os mercados financeiros devem supostamente alocar capital e fiscalizar que seu uso seja
eficiente. A suposição é que sejam recompensados quando fazem bem o seu trabalho, mas
que arquem com as conseqüências quando fracassam. Os mercados fracassaram. A concentração exagerada de Wall Street
nos retornos trimestrais encorajou o apego ao curto prazo e
contribuiu para o atual colapso.
O que precisa ser feito é ajudar as montadoras a começar
de novo e permitir que se concentrem em produzir bons carros, em lugar de passarem o
tempo todo fazendo malabarismos com sua contabilidade.
O setor automobilístico não
será fechado, mas precisa de
reestruturação. É para isso que
servem as leis de concordata do
código de falências dos EUA.
Uma variação do modelo de
concordata pré-negociada sob
o qual todos os termos são definidos antes que o tribunal de
falências seja acionado -poderia permitir que as montadoras
produzam carros melhores e
mais sensatos em termos ecológicos. Também pode permitir
que elas cumpram suas obrigações para com os aposentados.
As empresas talvez precisem de
financiamentos adicionais. Dada a situação dos mercados financeiros, o governo dos EUA
talvez tenha de fornecer esse
dinheiro, mas sob termos que
ofereçam plenos retornos aos
contribuintes a fim de compensá-los pelos riscos que estarão
assumindo.
Com uma reestruturação financeira, os ativos reais não desaparecem. Os investidores de
capital (que não exerceram
suas funções de fiscalização)
perdem tudo; os detentores de
títulos se tornam detentores de
ações e podem perder quantias
substanciais. Livres da obrigação de pagar juros, as montadoras estarão em melhor posição.
Os dólares dos contribuintes
farão mais efeito. O risco moral
solapar o sistema de incentivos
será evitado, e uma mensagem
forte enviada.
Haverá quem mencione os
fundos de pensão e outras instituições que sofrerão com isso.
Sim, mas é verdade. O governo
talvez precise ajudar os fundos
de pensão, mas é melhor que o
faça diretamente, e não por
meio de imensos resgates executados sob a esperança de que
algum dinheirinho chegue às
mãos das "viúvas e órfãos". Há
quem diga que uma concordata
solapará a confiança nos carros
norte-americanos. Mas são os
carros e as montadoras, bem
como o desempenho horrendo
de seus executivos, os que causaram essa perda de confiança.
Com os especialistas estimando que US$ 125 bilhões ou mais
podem vir a ser necessários, e
com a fadiga gerada por tantos
resgates, por que os consumidores deveriam acreditar que
um presentinho no valor de
US$ 15 bilhões deflagraria uma
reviravolta?
É mais plausível que a confiança venha a ser restaurada
caso o setor seja libertado do
ônus do pagamento de juros e
tenha a oportunidade de começar de novo. Os carros modernos são produtos tecnológicos
complexos e os EUA já demonstraram sua força na tecnologia avançada.
O fracasso é responsabilidade dos executivos das montadoras de automóveis norte-americanos e dos mercados financeiros, que não cumpriram
suas funções de fiscalização e
encorajaram um comportamento míope. O "empréstimo-ponte para o nada" -que representa apenas a primeira parcela
de um poço sem fundo que poderia atingir proporções enormes é um exemplo do comportamento imprevidente que nos
colocou nessa enrascada.
À medida que os resgates
continuam, números que no
passado pareceriam imensos
começam a soar quase normais. Centenas de bilhões de
dólares estão sendo dados aos
bancos e seguradoras. A AIG
recebeu US$ 150 bilhões. Assim, o novo pacote de socorro
de US$ 34 bilhões, ou até mesmo US$ 125 bilhões, para a indústria automobilística parece
modesto. No entanto, não devemos nos esquecer que, alguns meses atrás, o presidente
George W. Bush declarou que o
país não tinha dinheiro suficiente para bancar planos de
saúde para as crianças pobres,
ainda que o custo fosse de apenas alguns bilhões de dólares.
Mesmo que o Congresso conceda US$ 15 bilhões agora às
montadoras, antes que chegue
a hora da próxima dose desse
remédio bilionário deveríamos
pensar com mais cuidado sobre
a quem estamos resgatando, e
por quê. Não devemos permitir
que a operação se transforme
em mais um pacote de resgate
aos acionistas e detentores de
títulos.
JOSEPH STIGLITZ foi Prêmio Nobel de Economia em 2001.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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