São Paulo, sábado, 13 de dezembro de 2008

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Doha sofre novo revés; Brasil culpa países ricos

OMC desiste de encontro para este ano e rodada comercial fica congelada

Lula defendeu no G20 que negociações avançassem para conter crise global; Brasil pode retomar acordo bilateral com a UE


MARCELO NINIO
DE GENEBRA

Pouco mais de sete anos após o lançamento, com a ambição de fechar um acordo global de comércio em benefício do mundo em desenvolvimento, a Rodada Doha sofreu mais um revés, congelando as negociações por tempo indeterminado.
Depois de uma semana de intensas consultas com as principais potências comerciais do planeta, Brasil incluído, o diretor-geral da OMC (Organização Mundial do Comércio), Pascal Lamy, deu-se por vencido ontem e anunciou que desistira da intenção de convocar uma nova reunião ministerial para a próxima semana.
Para Lamy, faltou "vontade política" para superar os obstáculos que persistiam desde a última ministerial, em julho, e os novos desafios surgidos na última semana. O maior empecilho foi a insistência dos EUA em exigir acordos dos três maiores países emergentes, China, Índia e Brasil, para a abertura de setores-chave de sua indústria.
"Não houve vontade nem interesse suficientes para um compromisso político", disse Lamy após comunicar o fracasso aos representantes dos 153 países membros da OMC.
A pedido de Austrália, Reino Unido e Alemanha, Lamy manteve uma janela de 48 horas para tentar salvar o processo ao longo do fim de semana, "desde que alguma coisa dramática ocorra". Poucos, no entanto, acreditam que isso seja viável.
O chanceler do Brasil, Celso Amorim, em Genebra para a celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, acompanhou de perto mais um epílogo de Doha. E foi mais incisivo que Lamy, responsabilizando a "ganância" dos países ricos pelo fiasco.
Nos últimos dias, à medida em que foi ficando claro o fracasso, o Brasil começou a aumentar o tom de suas críticas às "demandas excessivas" dos países ricos, especialmente dos EUA. Anteontem, após reunir-se por mais de duas horas com Lamy, Amorim direcionou a pressão para a nova administração americana, que, segundo ele, precisava mostrar "liderança" e "responsabilidade", enviando um "sinal positivo" para permitir que o impasse na negociação pudesse ser superado.
Ontem, embora, ressaltando que não pretendia entrar em um "jogo de acusações", repetiu que "o principal motivo do fracasso" foi a exigência sobre os chamados acordos setoriais. E deixou claro o país para o qual sua crítica era endereçada. "A ironia é que o país onde a crise surgiu é o que faz demandas excessivas", disse o ministro.
O desapontamento de Amorim era evidente. O Brasil foi um dos países que mais defenderam a realização de uma nova ministerial em Genebra ainda neste ano. Durante a recente cúpula do G20, em Washington, o presidente Lula encabeçou a campanha para que, entre as medidas de combate à crise global, fosse incluído um acordo sobre o núcleo da Rodada Doha ainda neste ano.
Após o anúncio de Lamy que enterrou a primeira medida do G20, Amorim foi irônico. Ao comentar a visita surpresa que o premiê britânico, Gordon Brown, fará amanhã à Índia, não resistiu a alfinetar mais uma vez os EUA. "Ele está pegando o avião errado", disse, insinuando que vôo mais eficaz seria para Washington e Chicago, para contatos com o atual e o futuro presidente. "E deveria marcar dois encontros".
Sobre a estratégia que a diplomacia comercial brasileira seguirá, agora que seu principal foco deverá ficar dormente por bom tempo, Amorim admitiu que a negociação de um acordo entre o Mercosul e a União Européia poderá ser retomada. Mas alertou que acordos bilaterais não substituem Doha. "Certamente não resolvem as principais distorções do comércio internacional, que são os subsídios", concluiu.


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