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Doha sofre novo revés; Brasil culpa países ricos
OMC desiste de encontro para este ano e rodada comercial fica congelada
Lula defendeu no G20 que negociações avançassem para conter crise global; Brasil pode retomar acordo bilateral com a UE
MARCELO NINIO
DE GENEBRA
Pouco mais de sete anos após
o lançamento, com a ambição
de fechar um acordo global de
comércio em benefício do
mundo em desenvolvimento, a
Rodada Doha sofreu mais um
revés, congelando as negociações por tempo indeterminado.
Depois de uma semana de intensas consultas com as principais potências comerciais do
planeta, Brasil incluído, o diretor-geral da OMC (Organização
Mundial do Comércio), Pascal
Lamy, deu-se por vencido ontem e anunciou que desistira da
intenção de convocar uma nova
reunião ministerial para a próxima semana.
Para Lamy, faltou "vontade
política" para superar os obstáculos que persistiam desde a última ministerial, em julho, e os
novos desafios surgidos na última semana. O maior empecilho
foi a insistência dos EUA em
exigir acordos dos três maiores
países emergentes, China, Índia e Brasil, para a abertura de
setores-chave de sua indústria.
"Não houve vontade nem interesse suficientes para um
compromisso político", disse
Lamy após comunicar o fracasso aos representantes dos 153
países membros da OMC.
A pedido de Austrália, Reino
Unido e Alemanha, Lamy manteve uma janela de 48 horas para tentar salvar o processo ao
longo do fim de semana, "desde
que alguma coisa dramática
ocorra". Poucos, no entanto,
acreditam que isso seja viável.
O chanceler do Brasil, Celso
Amorim, em Genebra para a
celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos, acompanhou de
perto mais um epílogo de Doha.
E foi mais incisivo que Lamy,
responsabilizando a "ganância"
dos países ricos pelo fiasco.
Nos últimos dias, à medida
em que foi ficando claro o fracasso, o Brasil começou a aumentar o tom de suas críticas às
"demandas excessivas" dos países ricos, especialmente dos
EUA. Anteontem, após reunir-se por mais de duas horas com
Lamy, Amorim direcionou a
pressão para a nova administração americana, que, segundo
ele, precisava mostrar "liderança" e "responsabilidade", enviando um "sinal positivo" para
permitir que o impasse na negociação pudesse ser superado.
Ontem, embora, ressaltando
que não pretendia entrar em
um "jogo de acusações", repetiu que "o principal motivo do
fracasso" foi a exigência sobre
os chamados acordos setoriais.
E deixou claro o país para o
qual sua crítica era endereçada.
"A ironia é que o país onde a crise surgiu é o que faz demandas
excessivas", disse o ministro.
O desapontamento de Amorim era evidente. O Brasil foi
um dos países que mais defenderam a realização de uma nova ministerial em Genebra ainda neste ano. Durante a recente
cúpula do G20, em Washington, o presidente Lula encabeçou a campanha para que, entre
as medidas de combate à crise
global, fosse incluído um acordo sobre o núcleo da Rodada
Doha ainda neste ano.
Após o anúncio de Lamy que
enterrou a primeira medida do
G20, Amorim foi irônico. Ao
comentar a visita surpresa que
o premiê britânico, Gordon
Brown, fará amanhã à Índia,
não resistiu a alfinetar mais
uma vez os EUA. "Ele está pegando o avião errado", disse, insinuando que vôo mais eficaz
seria para Washington e Chicago, para contatos com o atual e
o futuro presidente. "E deveria
marcar dois encontros".
Sobre a estratégia que a diplomacia comercial brasileira
seguirá, agora que seu principal
foco deverá ficar dormente por
bom tempo, Amorim admitiu
que a negociação de um acordo
entre o Mercosul e a União Européia poderá ser retomada.
Mas alertou que acordos bilaterais não substituem Doha.
"Certamente não resolvem as
principais distorções do comércio internacional, que são
os subsídios", concluiu.
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