São Paulo, domingo, 13 de dezembro de 2009

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ENTREVISTA - ARMÍNIO FRAGA

Pragmatismo é o melhor e o pior do PT

Ex-presidente do Banco Central diz que é preciso cuidado com o que ele define como um clima perigoso de euforia no país

MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL

"Um pouco de humildade nos faria bem." É o que sugere o ex-presidente do BC (Banco Central) Armínio Fraga, para moderar o que ele enxerga como um clima perigoso de euforia com a economia. "Há razões para otimismo", disse ele em entrevista à Folha. "Mas temos que tomar cuidado com a tênue linha que separa o otimismo realista de uma postura preguiçosa e arrogante." Segundo Fraga, o pragmatismo está na raiz das principais virtudes e dos principais problemas do governo. Para ele, o mesmo desprendimento que permitiu ao PT abandonar propostas econômicas atrasadas serviu para distanciar o partido de seu "código de princípios".

 

FOLHA - Há quem diga que o Brasil ingressou num novo ciclo de crescimento sustentado, de 4% a 5% ao ano. O sr. concorda?
ARMÍNIO FRAGA - Ainda é cedo para contarmos com isso. Temos que investir mais, especialmente em infraestrutura e educação. Com mais dois anos de 4%, 5% de crescimento, a infraestrutura, que está decrépita, vai ficar ainda pior. E está faltando mão de obra qualificada. Temos que encarar de frente a questão do crescimento do gasto público, tema politicamente difícil, mas essencial para derrubar os juros ainda mais e reduzir a pressão baixista no câmbio.

FOLHA - O otimismo do Brasil desconectou-se do ceticismo com relação ao resto do mundo?
FRAGA - De certa forma, sim. Há razões para otimismo, porque muito se fez ao longo dos últimos 15, 20 anos. Estamos recuperando a autoestima, algo fundamental. Mas temos que tomar cuidado com a tênue linha que separa o otimismo realista de uma postura preguiçosa e arrogante. Há sinais preocupantes que o mundo ou desconhece ou prefere ignorar, em razão da inundação de liquidez e dos juros baixos produzidos para combater a crise. Mas essa onda passa, não podemos nos iludir. Um pouco de humildade nos faria bem.

FOLHA - Como o sr. avalia a coerência da política econômica de Lula? Houve alguma mudança relevante nos últimos sete anos?
FRAGA - Houve, sim, uma mudança. Não aconteceu da noite para o dia, mas foi perceptível. A inflexão ocorreu em 2005, com o fracasso da proposta do ex-ministro Antonio Palocci e do ministro Paulo Bernardo de instituir um arcabouço fiscal de longo prazo, mais equilibrado.

FOLHA - O sr. se refere à proposta de emenda constitucional com metas para estabelecer um deficit nominal zero das contas públicas?
FRAGA - Sim. Essa proposta, a meu ver, permitiria juros menores e mais crescimento. Não sou dogmático nessas coisas, mas posso dizer, sem risco de errar, que o fracasso daquela ideia representou um importante ponto de inflexão.

FOLHA - A qualidade da política fiscal piorou?
FRAGA - Não há uma resposta simples a essa pergunta. Houve um ponto positivo recente. O governo acertou ao criar uma margem de manobra com a formação do fundo soberano, financiado com dinheiro do superavit primário. A ideia, correta, foi a de separar esse dinheiro para gastá-lo num momento de aperto. Foi um passo importante, o qual aplaudo. Mas houve o crescimento continuado de um tipo não salutar de gasto.

FOLHA - Mas Lula não inventou a roda do gasto público. Ou inventou?
FRAGA - Claro que não. Eu mesmo fiz parte de uma administração que também adotou essa linha. Mas, antes, havia mais espaço para elevar o gasto. O problema é que, passada a recessão vinda com a crise econômica mundial, a expansão do gasto continua. Cabe perguntar se realmente é o caso de manter o pé na tábua. Política anticíclica só é boa quando é anticíclica. Ela pressupõe um comportamento mais prudente quando se está na fase boa do ciclo.

FOLHA - Nós já chegamos à parte boa do ciclo?
FRAGA - Não vou dizer que já chegamos lá. Os números mais recentes do PIB até colocam um ponto de interrogação aí. Mas talvez já seja o momento de fazer uma transição gradual, de uma política de emergência para uma política normal.

FOLHA - O que o preocupa além dos gastos públicos?
FRAGA - Há uma sinalização preocupante no que diz respeito a métodos de cálculo e ao uso de instrumentos parafiscais para expandir o crédito e o gasto. O Brasil tem uma longa e triste história com relação a esse ponto. Temos feito alertas reiterados para isso, eu e outros. O principal problema tem sido a forma de aportar recursos do Tesouro para os bancos públicos, principalmente para o BNDES. Esse aporte não pesa na dívida líquida. Mas aumenta a dívida bruta. Também vejo com preocupação a decisão, pouco ortodoxa, de somar depósitos judiciais à arrecadação de tributos.

FOLHA - Quais são os riscos embutidos nessa estratégia?
FRAGA - A piora, como um todo, da qualidade da política pública e uma expansão dos gastos para além do Orçamento. O pior é que tudo isso tem como pano de fundo um país que ainda não conseguiu aumentar significativamente a taxa de investimento. Mesmo com todo esse esforço. A taxa de investimento nunca chegou a bater em 20% do PIB quando, para o país crescer como se deseja, ela deveria chegar a pelo menos 24% ou 25% do PIB, patamar mencionado por especialistas.

FOLHA - O sr. vê o período eleitoral como um fator de desequilíbrio?
FRAGA - Anos eleitorais são sempre períodos de pressão expansionista: na área fiscal, na retórica, em tudo. É preciso ficar de olho. Mas existem defesas institucionais como a lei orçamentária, que tem que ser cumprida, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita gastos novos a partir do segundo trimestre, e, mesmo na área do crédito, existem processos, controles, auditorias que foram construídos ao longo dos anos.

FOLHA - O que o sr. acha da orientação econômica dos dois virtuais candidatos à Presidência, o governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil)?
FRAGA - Não dá para saber ainda qual será a proposta de cada um. Até porque uma campanha mais formal ainda não começou. O que existe são movimentos, principalmente da candidata governista. Em geral, o debate econômico só ocorre depois, pois é antipático. Acredito, aliás, que o tema da eficiência da administração pública vá surgir. Acho crucial que apareça. Cada vez mais tem gente perguntando para onde vai o dinheiro. São 37% do PIB de arrecadação.

FOLHA - Como o sr. avalia a possibilidade, remota que seja, da candidatura do presidente do BC, Henrique Meirelles, a vice na chapa de Dilma?
FRAGA - A entrada do Meirelles seria um reforço para qualquer candidato. Vejo isso como um fato positivo. Resta ver se vai realmente acontecer.

FOLHA - O sr. se preocupa com o avanço do Estado na economia?
FRAGA - Preocupo-me com o avanço exagerado do Estado, mas temo mais o avanço no Estado. O avanço partidário, sindical e corporativo no Estado. Preocupo-me com o futuro das agências regulatórias, com a política externa, com a captura em geral.

FOLHA - Qual é a principal qualidade do governo Lula?
FRAGA - O pragmatismo. Deve-se ao pragmatismo o fato de o PT, uma vez no poder, ter largado sua plataforma econômica histórica.

FOLHA - Qual é o principal defeito do governo Lula?
FRAGA - O pragmatismo. Deve-se a ele as alianças com as mais variadas facções políticas e a sensação de o governo ter adotado mais um jogo de poder do que um código de princípios.


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