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ENTREVISTA - ARMÍNIO FRAGA
Pragmatismo é o melhor e o pior do PT
Ex-presidente do Banco Central diz que é preciso cuidado com o que ele define como um clima perigoso de euforia no país
MARCIO AITH
DA REPORTAGEM LOCAL
"Um pouco de humildade
nos faria bem." É o que sugere o
ex-presidente do BC (Banco
Central) Armínio Fraga, para
moderar o que ele enxerga como um clima perigoso de euforia com a economia.
"Há razões para otimismo",
disse ele em entrevista à Folha.
"Mas temos que tomar cuidado
com a tênue linha que separa o
otimismo realista de uma postura preguiçosa e arrogante."
Segundo Fraga, o pragmatismo está na raiz das principais
virtudes e dos principais problemas do governo. Para ele, o
mesmo desprendimento que
permitiu ao PT abandonar propostas econômicas atrasadas
serviu para distanciar o partido
de seu "código de princípios".
FOLHA - Há quem diga que o Brasil
ingressou num novo ciclo de crescimento sustentado, de 4% a 5% ao
ano. O sr. concorda?
ARMÍNIO FRAGA - Ainda é cedo
para contarmos com isso. Temos que investir mais, especialmente em infraestrutura e
educação. Com mais dois anos
de 4%, 5% de crescimento, a infraestrutura, que está decrépita, vai ficar ainda pior.
E está faltando mão de obra
qualificada. Temos que encarar
de frente a questão do crescimento do gasto público, tema
politicamente difícil, mas essencial para derrubar os juros
ainda mais e reduzir a pressão
baixista no câmbio.
FOLHA - O otimismo do Brasil desconectou-se do ceticismo com relação ao resto do mundo?
FRAGA - De certa forma, sim.
Há razões para otimismo, porque muito se fez ao longo dos
últimos 15, 20 anos. Estamos
recuperando a autoestima, algo
fundamental. Mas temos que
tomar cuidado com a tênue linha que separa o otimismo realista de uma postura preguiçosa
e arrogante. Há sinais preocupantes que o mundo ou desconhece ou prefere ignorar, em
razão da inundação de liquidez
e dos juros baixos produzidos
para combater a crise. Mas essa
onda passa, não podemos nos
iludir. Um pouco de humildade
nos faria bem.
FOLHA - Como o sr. avalia a coerência da política econômica de Lula?
Houve alguma mudança relevante
nos últimos sete anos?
FRAGA - Houve, sim, uma mudança. Não aconteceu da noite
para o dia, mas foi perceptível.
A inflexão ocorreu em 2005,
com o fracasso da proposta do
ex-ministro Antonio Palocci e
do ministro Paulo Bernardo de
instituir um arcabouço fiscal de
longo prazo, mais equilibrado.
FOLHA - O sr. se refere à proposta
de emenda constitucional com metas para estabelecer um deficit nominal zero das contas públicas?
FRAGA - Sim. Essa proposta, a
meu ver, permitiria juros menores e mais crescimento. Não
sou dogmático nessas coisas,
mas posso dizer, sem risco de
errar, que o fracasso daquela
ideia representou um importante ponto de inflexão.
FOLHA - A qualidade da política fiscal piorou?
FRAGA - Não há uma resposta
simples a essa pergunta. Houve
um ponto positivo recente. O
governo acertou ao criar uma
margem de manobra com a formação do fundo soberano, financiado com dinheiro do superavit primário. A ideia, correta, foi a de separar esse dinheiro
para gastá-lo num momento de
aperto. Foi um passo importante, o qual aplaudo. Mas houve o crescimento continuado
de um tipo não salutar de gasto.
FOLHA - Mas Lula não inventou a
roda do gasto público. Ou inventou?
FRAGA - Claro que não. Eu mesmo fiz parte de uma administração que também adotou essa
linha. Mas, antes, havia mais
espaço para elevar o gasto. O
problema é que, passada a recessão vinda com a crise econômica mundial, a expansão do
gasto continua. Cabe perguntar
se realmente é o caso de manter
o pé na tábua. Política anticíclica só é boa quando é anticíclica.
Ela pressupõe um comportamento mais prudente quando
se está na fase boa do ciclo.
FOLHA - Nós já chegamos à parte
boa do ciclo?
FRAGA - Não vou dizer que já
chegamos lá. Os números mais
recentes do PIB até colocam
um ponto de interrogação aí.
Mas talvez já seja o momento
de fazer uma transição gradual,
de uma política de emergência
para uma política normal.
FOLHA - O que o preocupa além
dos gastos públicos?
FRAGA - Há uma sinalização
preocupante no que diz respeito a métodos de cálculo e ao uso
de instrumentos parafiscais para expandir o crédito e o gasto.
O Brasil tem uma longa e triste
história com relação a esse
ponto. Temos feito alertas reiterados para isso, eu e outros. O
principal problema tem sido a
forma de aportar recursos do
Tesouro para os bancos públicos, principalmente para o
BNDES. Esse aporte não pesa
na dívida líquida. Mas aumenta
a dívida bruta. Também vejo
com preocupação a decisão,
pouco ortodoxa, de somar depósitos judiciais à arrecadação
de tributos.
FOLHA - Quais são os riscos embutidos nessa estratégia?
FRAGA - A piora, como um todo, da qualidade da política pública e uma expansão dos gastos para além do Orçamento. O
pior é que tudo isso tem como
pano de fundo um país que ainda não conseguiu aumentar
significativamente a taxa de investimento. Mesmo com todo
esse esforço. A taxa de investimento nunca chegou a bater
em 20% do PIB quando, para o
país crescer como se deseja, ela
deveria chegar a pelo menos
24% ou 25% do PIB, patamar
mencionado por especialistas.
FOLHA - O sr. vê o período eleitoral
como um fator de desequilíbrio?
FRAGA - Anos eleitorais são
sempre períodos de pressão expansionista: na área fiscal, na
retórica, em tudo. É preciso ficar de olho. Mas existem defesas institucionais como a lei orçamentária, que tem que ser
cumprida, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que limita gastos
novos a partir do segundo trimestre, e, mesmo na área do
crédito, existem processos,
controles, auditorias que foram
construídos ao longo dos anos.
FOLHA - O que o sr. acha da orientação econômica dos dois virtuais
candidatos à Presidência, o governador José Serra e a ministra Dilma
Rousseff (Casa Civil)?
FRAGA - Não dá para saber ainda qual será a proposta de cada
um. Até porque uma campanha
mais formal ainda não começou. O que existe são movimentos, principalmente da candidata governista. Em geral, o debate econômico só ocorre depois, pois é antipático. Acredito, aliás, que o tema da eficiência da administração pública vá
surgir. Acho crucial que apareça. Cada vez mais tem gente
perguntando para onde vai o
dinheiro. São 37% do PIB de arrecadação.
FOLHA - Como o sr. avalia a possibilidade, remota que seja, da candidatura do presidente do BC, Henrique
Meirelles, a vice na chapa de Dilma?
FRAGA - A entrada do Meirelles
seria um reforço para qualquer
candidato. Vejo isso como um
fato positivo. Resta ver se vai
realmente acontecer.
FOLHA - O sr. se preocupa com o
avanço do Estado na economia?
FRAGA - Preocupo-me com o
avanço exagerado do Estado,
mas temo mais o avanço no Estado. O avanço partidário, sindical e corporativo no Estado.
Preocupo-me com o futuro das
agências regulatórias, com a
política externa, com a captura
em geral.
FOLHA - Qual é a principal qualidade do governo Lula?
FRAGA - O pragmatismo. Deve-se ao pragmatismo o fato de o
PT, uma vez no poder, ter largado sua plataforma econômica
histórica.
FOLHA - Qual é o principal defeito
do governo Lula?
FRAGA - O pragmatismo. Deve-se a ele as alianças com as mais
variadas facções políticas e a
sensação de o governo ter adotado mais um jogo de poder do
que um código de princípios.
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