São Paulo, Sexta-feira, 14 de Janeiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LETRA CAPITAL

Livro avalia transição da economia nos anos 90

JULIO WIZIACK
da Reportagem Local

Os economistas já gastaram muito papel para avaliar os anos 90 para a economia brasileira. "Brasil: Uma Década em Transição", que chega às livrarias, entra no debate, que continua inconclusivo.
Organizado pelo economista Renato Baumann, diretor da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), o livro reúne artigos de 16 especialistas que fazem uma radiografia do período, considerado a década da transição.
A década anterior, a de 80, ficou conhecida como a década perdida. Na de 90 o país cresceu ainda menos, na média. A economia, que vinha crescendo a um ritmo médio de 2,8% ao ano até o final dos anos 80, seguiu com o freio de mão puxado a uma marcha de 1,8% na década de 90.
Mas o argumento é que, no período, teriam sido lançadas as bases para um crescimento auto-sustentado. Um fato é que a taxa de inflação, que na década de 80 explodiu, despencou a partir de 1994, com o Real.
Mesmo alimentando a discórdia, a preocupação do livro é traçar um panorama do plano de estabilização, principal bandeira daqueles que defendem a década de 90 como ponte para a retomada do crescimento econômico.
Para o Banco Mundial, esse crescimento depende também da aprovação das reformas, principalmente a previdenciária, a da administração e a fiscal. Segundo o Bird, quanto mais tempo o país perder em implementar esses ajustes, maior será o custo social.
Quanto à privatização, o processo colaborou com a ampliação do fluxo de capitais no país. Para se ter uma idéia, os investimentos estrangeiros diretos ultrapassaram US$ 26 bilhões em 1998 e se mantiveram nesse patamar.
A receita gerada pela privatização chegou a quase US$ 90 bilhões, acumulados nos últimos cinco anos, o que fez do processo de desestatização brasileira um dos maiores do mundo.
Segundo o governo, esse dinheiro deveria ser utilizado para reduzir o déficit fiscal. Aí é feita uma das críticas mais severas ao governo Fernando Henrique Cardoso. Ao contrário do que se esperava, o déficit aumentou durante o período.
O déficit fiscal, que era equivalente a 1,4% do PIB em 1994, saltou para 8% quatro anos depois. As taxas nominais de juros, usados como referência para o financiamento dessa dívida, chegaram a 3% ao mês, segundo Baumann.
No saldo final do plano de estabilização, a economia mostra-se dependente de fatores externos, vítima de uma armadilha em que o próprio governo caiu. As altas taxas de juros atraem investimentos estrangeiros, mas secam-se as fontes de financiamento interno.
Consequência direta dessa política é a retração da economia, a redução do faturamento das empresas e o desemprego.
Uma das análises mais polêmicas do livro é feita pelo economista Rubens Cysne, da Fundação Getúlio Vargas, e trata do Proer, programa do governo para reestruturar o sistema financeiro.
Criticado por privilegiar um setor que vem registrando grandes lucros, o Proer era um fundo criado por lei que incentivava fusões e aquisições de instituições financeiras à beira do abismo.
A avaliação do programa chama a atenção pelo fato de 60% dos recursos terem sido investidos em bancos oficiais, a maior parte pertencentes ao governos estaduais.
Do total liberado entre 1994 e 1997, os bancos oficiais receberam R$ 40 bilhões, quantia que cresceu dez vezes no mesmo período, contra R$ 27 bilhões destinados aos privados, número que dobrou de tamanho.
Cysne considera que o saldo devedor do Proer em março do ano passado seria de R$ 8,7 bilhões, para garantias de R$ 19 bilhões e deficiências bancárias na casa de R$ 12,4 bilhões, o que tornaria programa um mico.
Pode ser, mas faltou dizer que esse foi um dos programas mais baratos de que se tem notícia no mundo, em torno de 2% do PIB, e os resultados poderiam ser desastrosos se o governo não implementasse essa reforma.
Mesmo deixando clara a defesa do plano de estabilização, há um esforço em manter a imparcialidade e a crítica. A exceção mais gritante a essa regra é o capítulo que trata dos gastos sociais feitos pelo governo ao longo da década.
É fato, como afirma a autora da análise, a economista Sônia Draibe, que os investimentos na área social vêm aumentando. Mas é notório também, o que não é registrado, que a distribuição desses recursos continua irregular.
Para citar um exemplo, o custo médio de um aluno da rede pública hoje é de cerca de US$ 935 ao ano, valor próximo ao da média mundial, que é de US$ 1.200.
No entanto, o ensino fundamental, que deveria receber a maior parte dos investimentos, fica com uma média de US$ 350, um décimo do que é destinado aos universitários.
Nas regiões Norte e Nordeste a situação é ainda pior, o que colabora com o agravamento de problemas crônicos como a evasão escolar e a repetência.
O artigo, no entanto, não faz esforço para recuperar nuances como essas, tão necessárias para se avaliar o real efeito das políticas sociais.
Apesar de ser escrito em uma linguagem espinhosa, própria dos economistas, o livro serve de referência para quem pretende entender as mudanças que marcaram a economia na década de 90.



A OBRA
Brasil: Uma Década em Transição - Renato Baumann (organização). Editora Campus (rua Sete de Setembro, 111, 16º andar, RJ, CEP 20050-002, tel. 0xx21 509.5340). 332 págs. R$ 39,90.




Texto Anterior: Opinião econômica - Mailson da Nóbrega: Década perdida?
Próximo Texto: Luís Nassif: Um ano depois
Índice

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.