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OPINIÃO ECONÔMICA
Década perdida?
MAILSON DA NÓBREGA
Em dezembro passado, a
exemplo do que acontecera no
final dos anos 80, falou-se em
década perdida. Houve até
quem identificasse a causa da
perda: a política cambial anterior. Tratam-se de conclusões
muito equivocadas.
Bolívar Lamounier já havia
chamado a atenção para esse erro. Ele rotulou de opacas as afirmações desse tipo feitas na década de 80. Eram interpretações
movidas apenas pela ótica do
crescimento econômico. Não enxergavam, portanto, as positivas
transformações políticas e sociais por que passava o país.
Essa visão insuficiente do processo de desenvolvimento não é
característica exclusiva do Brasil. Talvez seja mais forte entre
nós a idéia de que a medida essencial do desenvolvimento deva ser a elevação da renda per
capita.
Essa convicção tem origem no
sucesso das estratégias passadas
de desenvolvimento centradas
no Estado, via políticas industriais voltadas para a substituição de importações. Como lembra Lamounier, é difícil esquecer
o que dá certo.
Sérgio Abranches e José Pastore têm mostrado em seus trabalhos de pesquisa que o Brasil
vem mudando para melhor,
precisamente a partir das décadas de 80 e 90. Assim, considerá-las perdidas é no mínimo um
exagero.
Abranches assinala rupturas
que contribuíram para a formação de um novo padrão mental.
Pastore realça indicadores que
apontam para a intensa e fascinante mobilidade social. Ambos
provam que estamos construindo uma nova sociedade.
Miriam Leitão indicou essas
mudanças em sua coluna no "O
Globo" de 2/1/00. Por exemplo,
nas chamadas décadas perdidas, o brasileiro ganhou dez
anos em sua expectativa de vida. A mortalidade infantil foi
reduzida à metade. A educação
melhorou.
O Brasil começou a avançar
em questões vitais para o desenvolvimento exatamente nas décadas que as visões pessimistas
chamam de perdidas.
O prêmio Nobel de economia
de 1999, Amartya Sen, em seu
mais recente livro, Development
as Freedom, sustenta que o desenvolvimento não pode ser
identificado meramente com "o
crescimento do PIB, a elevação
da renda per capita, a industrialização, o avanço tecnológico ou
a modernização social".
Desenvolvimento, prossegue
Sen, é "o processo pelo qual são
expandidas as liberdades efetivas dos cidadãos", as quais devem constituir não apenas o objetivo do desenvolvimento, mas
sobretudo seus principais meios.
Cinco distintos tipos de liberdades, vistas sob a perspectiva
instrumental, são examinados
nessa magnífica obra: (1) liberdades políticas, (2) oportunidades econômicas, (3) oportunidades sociais, (4) garantias de
transparência e (5) segurança,
vista como a prevenção da ocorrência da miséria abjeta, da fome e da morte que delas decorre.
Nessa perspectiva, há motivos
para comemorar as décadas de
80 e 90 e não para lamentá-las,
pois foi nelas que conquistamos
dois dos pilares básicos do desenvolvimento, quais sejam, a
democracia e a estabilidade econômica.
Além disso, a liberdade de imprensa se consolidou. As finanças públicas ficaram transparentes depois das reformas realizadas entre 1987 e 1989. Surgiram o seguro desemprego e programas de renda mínima em alguns municípios. O fim da inflação eliminou uma poderosa fonte de desigualdade social.
A privatização das telecomunicações produziu expansão
inédita e animadora dos respectivos serviços, tão rapidamente
que às vezes nem nos damos
conta das melhorias, as quais
têm consequências econômicas e
sociais inequívocas.
Quem diria, por exemplo, que
a oferta de telefones celulares, de
600 mil em janeiro de 1995, pularia para 15 milhões cinco anos
depois? Nesse período, segundo
Ethevaldo Siqueira, o número
de internautas saltou de 200 mil
para 8 milhões.
O Brasil estaria melhor, é claro, se o PIB tivesse evoluído ao
ritmo dos anos 70, quando batíamos recordes de crescimento
sob o autoritarismo. É preciso
entender, todavia, sem esquecer
erros do governo, que a redução
de ritmo nos anos 80 e 90 se explica essencialmente pela exaustão do modelo antigo e pela
transição para um novo.
O que nos amarra agora são o
desequilíbrio fiscal, o irracional
sistema tributário e a anacrônica legislação trabalhista. Aqui
também estamos avançando, seja na construção de consensos,
seja em reformas efetivas, ainda
que lentas.
Essas restrições ao crescimento
foram agravadas pela Constituição de 1988, esta sim uma ocasião perdida. Felizmente, seus
desatinos começaram a desaparecer na década "perdida" de 90.
O Brasil está fincando as estacas de um novo e sólido edifício
do desenvolvimento. Falar em
década perdida é, pois, um despropósito.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve
às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br
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