São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

A crise urbana


Sem cidades vibrantes, o Brasil vai ser incapaz de aproveitar o potencial de seu povo inventivo

AS MAIORES cidades do Brasil enfrentam hoje um grande número de problemas. Em muitos casos, o caos urbano é um reflexo da situação no país, mas as cidades não podem esperar pela solução dos problemas nacionais. A peculiar estrutura federativa do Brasil dá aos governadores recém-eleitos um papel crucial para, com os prefeitos, atacarem essa crise. Embora não esgotem a lista de urgências, três questões são cruciais neste momento.
1) Crime - O crime é o maior desafio para os novos governadores. É verdade que o crescimento da criminalidade ocorre em todo o Brasil, mas esse aumento tem um efeito particularmente danoso nas áreas metropolitanas. Mudanças estruturais nas últimas décadas transformaram a razão econômica para a existência de cidades. Se, no passado, aglomerações urbanas existiam principalmente para poupar custo de transporte e uma fábrica localizava-se em São Paulo porque muitos dos seus fornecedores e compradores lá estavam, hoje as cidades bem-sucedidas servem principalmente como centros de produção de serviços sofisticados, que dependem de uma mão-de-obra educada. Uma empresa se instala em Londres ou Nova York, arcando com o alto custo dos imóveis, porque precisa de uma força de trabalho cada vez mais afluente que quer viver em centros urbanos para se beneficiar da oferta de serviços culturais e de diversão. Mas um estudo empírico de Steve Levitt, professor da Universidade de Chicago e autor de "Freakonomics", mostrou que nos EUA são exatamente as pessoas mais educadas que abandonam as cidades quando o crime aumenta.
O crime arrisca inviabilizar as cidades brasileiras, e a diminuição da criminalidade exige uma polícia muito mais honesta e competente, endurecimento da legislação e a aplicação mais estrita da lei.
2) Favelas - O que mais distingue algumas favelas de uma área de classe média baixa urbanizada é a ausência do Estado. O setor privado -supermercados, locadoras de vídeo, bares- está presente, na medida em que há demanda para os seus serviços. O fenômeno das milícias ocupando as favelas cariocas é apenas mais um sinal de que o abandono pelo Estado gera alternativas cada vez mais indesejáveis.
Prefeitos e governadores precisam não só fornecer segurança mas também investir em programas de urbanização das favelas e estabelecer direitos de propriedade mais claros para os seus habitantes.
Mas é necessário também impor uma política rigorosa da ocupação do solo, para impedir o aumento da população favelada. As cidades brasileiras não podem por si só resolver todos os nossos problemas sociais, e a melhoria das favelas, se não acompanhada de uma fiscalização intransigente, vai atrair novos habitantes.
3) Transporte - Quem usa o seu automóvel de tarde no centro de São Paulo contribui para o engarrafamento e a poluição, mas não leva em consideração essa seqüela da sua escolha. É um exemplo clássico do que os economistas chamam de "externalidade negativa". Nessa circunstância, a receita econômica é clara: taxar quem causa a externalidade e/ou subsidiar alternativas que não gerem os mesmos efeitos nocivos. No caso do trânsito, isso significa cobrar do motorista de carro e dar subsídio ao transporte coletivo; exatamente o que fizeram Cingapura e Londres. Em São Paulo, optou-se por um sistema muito menos eficiente para desencorajar a presença de carros: o rodízio, que não produz recursos que poderiam financiar serviços de ônibus e metrô. Quem pensa que o rodízio é mais igualitário porque não envolve pagamentos parece ignorar que os ricos têm hoje um carro de reserva com numeração distinta, que é usado nos dias em que os seus automóveis não podem circular.
Na imprescindível expansão do sistema de transporte coletivo, deve-se evitar a tentação de focalizar apenas grandes obras. Um corredor de ônibus é muitas vezes um melhor projeto do que uma linha de metrô, exceto, é claro, para os empreiteiros que financiaram a campanha do governante.
A teórica do urbanismo Jane Jacobs observou que a maioria das inovações, mesmo aquelas que beneficiam principalmente o campo, tem origem urbana. Sem cidades vibrantes, o Brasil vai ser incapaz de aproveitar o potencial de seu povo inventivo.


JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com


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