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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
A crise urbana
Sem cidades vibrantes, o Brasil vai ser incapaz de aproveitar o potencial
de seu povo inventivo
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AS MAIORES cidades do Brasil
enfrentam hoje um grande
número de problemas. Em
muitos casos, o caos urbano é um reflexo da situação no país, mas as cidades não podem esperar pela solução dos problemas nacionais. A peculiar estrutura federativa do Brasil
dá aos governadores recém-eleitos
um papel crucial para, com os prefeitos, atacarem essa crise. Embora
não esgotem a lista de urgências,
três questões são cruciais neste momento.
1) Crime - O crime é o maior desafio para os novos governadores.
É verdade que o crescimento da
criminalidade ocorre em todo o
Brasil, mas esse aumento tem um
efeito particularmente danoso nas
áreas metropolitanas. Mudanças
estruturais nas últimas décadas
transformaram a razão econômica
para a existência de cidades. Se, no
passado, aglomerações urbanas
existiam principalmente para poupar custo de transporte e uma fábrica localizava-se em São Paulo
porque muitos dos seus fornecedores e compradores lá estavam, hoje
as cidades bem-sucedidas servem
principalmente como centros de
produção de serviços sofisticados,
que dependem de uma mão-de-obra educada. Uma empresa se instala em Londres ou Nova York, arcando com o alto custo dos imóveis, porque precisa de uma força
de trabalho cada vez mais afluente
que quer viver em centros urbanos
para se beneficiar da oferta de serviços culturais e de diversão. Mas
um estudo empírico de Steve Levitt, professor da Universidade de
Chicago e autor de "Freakonomics", mostrou que nos EUA são
exatamente as pessoas mais educadas que abandonam as cidades
quando o crime aumenta.
O crime arrisca inviabilizar as cidades brasileiras, e a diminuição da
criminalidade exige uma polícia
muito mais honesta e competente,
endurecimento da legislação e a
aplicação mais estrita da lei.
2) Favelas - O que mais distingue algumas favelas de uma área de
classe média baixa urbanizada é a
ausência do Estado. O setor privado -supermercados, locadoras de
vídeo, bares- está presente, na
medida em que há demanda para
os seus serviços. O fenômeno das
milícias ocupando as favelas cariocas é apenas mais um sinal de que o
abandono pelo Estado gera alternativas cada vez mais indesejáveis.
Prefeitos e governadores precisam
não só fornecer segurança mas
também investir em programas de
urbanização das favelas e estabelecer direitos de propriedade mais
claros para os seus habitantes.
Mas é necessário também impor
uma política rigorosa da ocupação
do solo, para impedir o aumento da
população favelada. As cidades
brasileiras não podem por si só resolver todos os nossos problemas
sociais, e a melhoria das favelas, se
não acompanhada de uma fiscalização intransigente, vai atrair novos habitantes.
3) Transporte - Quem usa o seu
automóvel de tarde no centro de
São Paulo contribui para o engarrafamento e a poluição, mas não leva em consideração essa seqüela da
sua escolha. É um exemplo clássico
do que os economistas chamam de
"externalidade negativa". Nessa
circunstância, a receita econômica
é clara: taxar quem causa a externalidade e/ou subsidiar alternativas que não gerem os mesmos efeitos nocivos. No caso do trânsito, isso significa cobrar do motorista de carro e dar subsídio ao transporte
coletivo; exatamente o que fizeram
Cingapura e Londres. Em São Paulo, optou-se por um sistema muito
menos eficiente para desencorajar
a presença de carros: o rodízio, que
não produz recursos que poderiam
financiar serviços de ônibus e metrô. Quem pensa que o rodízio é
mais igualitário porque não envolve pagamentos parece ignorar que
os ricos têm hoje um carro de reserva com numeração distinta, que
é usado nos dias em que os seus automóveis não podem circular.
Na imprescindível expansão do
sistema de transporte coletivo, deve-se evitar a tentação de focalizar
apenas grandes obras. Um corredor de ônibus é muitas vezes um
melhor projeto do que uma linha
de metrô, exceto, é claro, para os
empreiteiros que financiaram a
campanha do governante.
A teórica do urbanismo Jane Jacobs observou que a maioria das
inovações, mesmo aquelas que beneficiam principalmente o campo,
tem origem urbana. Sem cidades
vibrantes, o Brasil vai ser incapaz
de aproveitar o potencial de seu
povo inventivo.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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