São Paulo, domingo, 14 de janeiro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

Política monetária, ontem e hoje


O juro que afeta as decisões dos agentes econômicos é aquele prevalecente nos mercados secundários

CHARLES GOODHART , economista do Banco da Inglaterra, publicou recentemente um texto sobre a macroeconomia de ontem e de hoje. Com todos nós, "coroas", Goodhart aprendeu nos manuais "soi-disants" keynesianos, contaminados pelas curvas IS-LM.
Para o leitor não-especialista, posso tentar uma explicação sumária, sob o risco de simplificar o simplório. A curva IS é formada pelos pontos de "equilíbrio" entre poupança e investimento. Um aumento na expectativa de lucros dos empresários suscitará um maior incentivo ao investimento. Daí o aumento da renda e do emprego, o que vai provocar o aumento da poupança e garantir o equilíbrio no mercado de bens.
LM estabelece os pontos de "equilíbrio" entre demanda e oferta de moeda. A demanda é composta da fração da riqueza e da renda monetária que os indivíduos desejam manter de forma inativa. O nível de renda determina a demanda para transações, e a taxa de juro, a demanda especulativa.
No caso de uma situação de desemprego, a política monetária do Banco Central provocaria aumento no gasto mediante a "injeção" de liquidez no sistema bancário. Os multiplicadores de crédito se encarregariam de expandir os agregados monetários, o que determinaria uma queda da taxa de juros monetários, uma redução na demanda de moeda e um aumento do dispêndio, da renda e do emprego. A oferta de moeda é exógena, controlada pelo BC.
Na vida real, a demanda de crédito é que vai suscitar a criação de moeda pelos bancos. Operando num regime de reservas fracionárias, os bancos desfrutam de uma condição peculiar -a prerrogativa de multiplicar depósitos, isto é, passivos bancários que se convertem em meios de pagamento.
Os empresários demandam crédito e gastam na expectativa de capturar lucros, enquanto geram a renda da comunidade. Podemos, dessa forma, imaginar a economia como uma estrutura de balanços inter-relacionados e em transformação: aos ativos correspondem passivos que resultaram de decisões passadas. A essa configuração patrimonial estão se agregando os resultados das decisões em curso relativas à posse de ativos e à forma de financiá-los.
De acordo com o modelo IS-LM, a autoridade monetária, ao manipular a taxa de juros, promove o equilíbrio do sistema, tornando compatíveis as decisões de consumo, poupança e investimento por parte dos agentes econômicos. Entretanto essa é uma representação extremamente simplificada do "modus operandi" da economia, pois atribui um papel completamente exógeno para o Banco Central.
O funcionamento dos mercados monetários, no entanto, mostra que essa hipótese está longe de ser precisa. Na verdade, as taxas de juros que afetam as decisões dos agentes econômicos são aquelas prevalecentes nos mercados secundários de títulos de dívida, sujeitos a risco de liquidez e de pagamento. Os juros das operações de crédito privadas dependem não apenas da taxa de curto prazo mas (fundamentalmente) da expectativa formada pelos agentes econômicos com relação à trajetória dos preços dos ativos já existentes. Essa interação estratégica, portanto, coloca a autoridade monetária como mais um agente endógeno ao funcionamento do sistema. Para que ele execute o papel de agente coordenador das expectativas, é necessário que suas ações sejam percebidas como críveis e totalmente comprometidas com seu objetivo anunciado.


LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 64, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).


Agradeço aos comentários e à colaboração de Marcelo Fonseca


Texto Anterior: Cresce aversão aos impostos, diz pesquisa
Próximo Texto: Lula quer modelo universal de Previdência
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.