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OPINIÃO ECONÔMICA
Itamar, inocente. Clinton, culpado
ALOYSIO BIONDI
O governador Itamar Franco é
acusado de provocar a crise no
Brasil -e até de derrubar o dólar e a Bolsa de Nova York. Fatos e estatísticas desmentem totalmente essa versão. A explosão brasileira era inevitável (como esta coluna apontou na última semana, sob o título "Contradições aceleram a crise"). E a
grande crise da economia dos
EUA está a caminho -sem que
isso signifique uma catástrofe
mundial, graças à recuperação
dos "tigres asiáticos" e aos novos
rumos na Europa. Sobram dados para comprovar a "inocência" do governador Itamar
Franco, relembrando-se que sua
decisão foi anunciada na noite
de quarta-feira, dia 6:
A fuga - Nos três primeiros
dias da semana, as saídas (diárias) de dólares já haviam chegado aos US$ 200 milhões.
O estopim - Para dezembro, o
governo e o acordo com o FMI
previam saídas de US$ 3,5 bilhões. Elas chegaram a US$ 5,2
bilhões, com um "rombo extra"
de US$ 1,7 bilhão.
O rastilho - No dia 24 de dezembro, véspera do Natal, foi divulgado o saldo negativo da balança comercial (exportações
menos importações) de outubro
e novembro, com US$ 1 bilhão a
cada mês, ou US$ 500 milhões
acima do previsto (e até anunciado) a cada mês. Vale dizer,
um "rombo extra" de US$ 1 bilhão nos dois meses, levando o
déficit em 11 meses para US$ 5,8
bilhões, já acima das "metas"
previstas para o ano todo.
A pólvora - No dia do Natal,
foi divulgado o déficit total do
Brasil em suas contas com o exterior, isto é, balança comercial
mais "serviços" (juros, turismo,
fretes, lucros remetidos etc.).
Outro desastre: US$ 34,6 bilhões
em 11 meses, ou US$ 1,7 bilhão
acima da previsão (para o ano
todo) de US$ 32,9 bilhões.
Acerto de contas
Pelas contas do FMI e do governo brasileiro, o país deveria
terminar o ano com US$ 38,5 bilhões de reservas. Com a saída
"extra" de US$ 1,7 bilhão em dezembro, mais o "estouro" de
US$ 1 bilhão na balança comercial em outubro e novembro
(sem falar em dezembro), as reservas já estariam na faixa dos
US$ 35 bilhões. Pelo acordo,
ainda, cálculos de especialistas
indicavam que elas poderiam
(com "autorização" do FMI)
cair uns US$ 5 bilhões, para uns
US$ 33 bilhões -mas, atenção,
até março. Além disso, os compromissos que o Brasil (empresas e governo) deveria pagar no
exterior neste mês de janeiro
eram calculados em uns US$ 5
bilhões, isto é, uns US$ 220 milhões por dia útil. Na prática, isso significa que a "entrada" de
dólares no país precisaria ser na
média de US$ 220 milhões por
dia, para que as reservas não
continuassem a ser usadas, sofrendo portanto novas quedas.
Mas janeiro -como visto acima- começou não com saldos
positivos, mas com fugas diárias
de US$ 200 milhões. Antes da
decisão de Itamar. Situação insustentável.
Desconfiança - Muito antes de
Itamar Franco agir, os títulos do
governo brasileiro no exterior
estavam em queda. Na última
semana de dezembro, segundo
apontou o jornalista Fernando
Rodrigues, nesta Folha (04/01/
99), os chamados Rep 27, por
exemplo, foram negociados por
68% do seu valor, contra 76%
nas semanas anteriores.
Descrédito - Também os títulos emitidos por empresas brasileiras no exterior para levantar
empréstimos mostravam a desconfiança internacional em relação ao Brasil. Excelente reportagem de Vanessa Adachi (Folha, 10/01/99) revelou essa tendência, comparando o valor pelo qual os papéis eram negociados em dezembro de 1997 e 1998:
Siderúrgica Nacional, de 83%
para 61% do valor de face;
Sharp, de 83% para 47%; e Globopar, do grupo TV Globo, de
96% para 65%, entre outros
exemplos. Tudo, antes de Itamar Franco. E, tudo, mesmo depois de assinado o acordo com o
FMI, que deveria "restabelecer
a confiança mundial no Brasil".
Até a Globo - Grande parcela
da saída de dólares é provocada
por empresas que decidem pagar antecipadamente empréstimos tomados no exterior -por
medo de uma "máxi", que aumentaria suas dívidas. Em 19 de
dezembro, houve uma dessas
"fugas" recordes, de US$ 1 bilhão. Segundo o noticiário, um
empréstimo de no mínimo US$
120 milhões foi quitado antecipadamente pela Globo. Antes de
Itamar.
E os EUA?
Itamar Franco foi acusado de
tumultuar a economia brasileira e, com isso, derrubar até o dólar e Wall Street. A verdade?
Dólar - Está em queda desde
agosto. Até dezembro, já havia
caído 25% em relação à moeda
japonesa, o iene. Nada a ver
com o governador.
Caloteiro-mor - Como esta coluna apontou diversas vezes ao
longo dos últimos meses, 1999
vai ser um ano de crise para o
dólar, para os EUA e para Clinton. Por quê? Porque os EUA, ao
contrário do que geralmente se
pensa, apresentam "rombos" gigantescos, de US$ 20 a US$ 25
bilhões por mês, em sua balança
comercial. E o Tesouro norte-
americano tem uma dívida astronômica, de US$ 6 trilhões
(trilhões), representada por títulos vendidos no mercado
mundial.
O terremoto - Calcula-se que
bancos e investidores japoneses
"compraram" e mantêm entre
20% e 25% dos títulos da dívida
dos EUA. Motivo: os juros dos títulos do governo japonês pagavam apenas de 0,7% a 1% (ao
ano), contra 4,5% a 5% do Tesouro dos EUA. Desde novembro -sem que os analistas prestassem atenção à "virada"- a
situação começou a mudar. O
governo japonês passou a pagar
mais por seus títulos: até 2% de
juros, no dia 23 de dezembro
(antes de Itamar, portanto). Resultado: os investidores começaram a vender títulos dos EUA e a
comprar títulos japoneses. Em
bom português: o governo dos
EUA começa a enfrentar dificuldades para "rolar" sua dívida
fantástica. Este é o motivo real
da queda do dólar.
Ameaçado de impeachment,
Clinton continua a alardear
"êxitos" da economia norte-
americana. Mas a onda consumista levou as famílias norte-
americanas a níveis recordes de
endividamento, com 15% a 20%
dos orçamentos familiares comprometidos com prestações, cartões etc. E a Bolsa de Nova York
prolonga uma fase de "loucura",
com alta de até 1.000% em um
ano para empresas ligadas à informática -alta insustentável,
portanto.
Para finalizar: os preços do petróleo subiram 30% nos últimos
dias, significando mais "rombo"
para os EUA, gigantesco importador do produto. E, em compensação, uma ajuda poderosa
à Rússia, Venezuela, México,
grandes exportadores de petróleo.
Clinton que se cuide. Não por
causa de Itamar. Mas por causa
da previsível deterioração da
economia dos EUA. O resto é falsificação da história.
Aloysio Biondi, 62, é jornalista econômico.
Foi editor de Economia da Folha. Escreve às
quintas-feiras no caderno Dinheiro.
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