São Paulo, sábado, 14 de fevereiro de 2009

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ROBERTO RODRIGUES

Comércio agrícola


Quanto mais exportamos, e para mais países, tanto melhor para o Brasil; mas precisamos agregar valor aqui

NUM MOMENTO de queda das exportações agrícolas, é bom ver como foi impressionante o desempenho delas nos últimos dez anos. Saltamos de US$ 21,5 bilhões em 1998 para US$ 71,8 bilhões no ano passado (crescimento médio de 12,8% ao ano), apesar de os preços terem despencado no segundo semestre e apesar da crise global, que causou retração em diversos mercados.
A China cresceu de maneira avassaladora. Em 1998, ela era nosso 11º mercado, com US$ 591 milhões importados, e, no ano passado, assumiu a liderança absoluta, comprando US$ 7,93 bilhões, um aumento anual de 29,7%, quase 2,5 vezes a média do crescimento anual do conjunto das nossas exportações.
Enquanto isso, os Estados Unidos, que em 1998 eram o maior importador, com US$ 3,22 bilhões, em 2008 nos compraram US$ 6,24 bilhões, menos que a Holanda (com US$ 6,53 bilhões), caindo para o 3º maior mercado.
Vários outros países tiveram crescimentos maiores que a média, embora com pouca expressão no conjunto. É o caso da Suíça, que cresceu 18,8% ao ano, mas só responde por 0,63% das nossas exportações. Angola, África do Sul e Argélia cresceram, respectivamente, 32,3%, 28,4% e 31,7% ao ano, mas nenhum tem participação superior a 1%. Arábia Saudita, Coreia do Sul e Emirados Árabes aumentaram 19,5% na média, cada um, mas nenhum deles chega a 2% do mercado.
Já a Rússia, 4º principal importador, com US$ 4,2 bilhões no ano passado, cresceu 21,4% ao ano. A Alemanha é o 5º mercado, seguido de Itália, Bélgica, Japão, Venezuela e Espanha. No entanto, Alemanha, Bélgica e Japão cresceram menos que 10% ao ano, enquanto a Venezuela cresceu 34,1% ao ano, saltando de US$ 129 milhões em 1998 para US$ 2,42 bilhões no ano passado.
São mudanças significativas e que têm diferentes explicações, as quais vão desde o crescimento da demanda interna dos países (como a China e a Rússia) até a programas específicos do governo brasileiro (caso da Venezuela), além do protecionismo agrícola, inibidor das exportações (na União Europeia e nos Estados Unidos).
Uma curiosidade: a Argentina teve um crescimento de apenas 2,3% ao ano, o pior entre os 30 principais mercados do nosso agronegócio...
O gigantesco êxodo rural chinês determina um grande incremento na demanda de produtos agrícolas, mas há alguns dados interessantes para analisar. A gigantesca concentração na soja, com 77% de pauta das importações, cria um certo suspense quanto àquele imenso mercado.
O segundo produto mais vendido (produtos florestais) representa apenas 10,5% das importações chinesas do Brasil. Já o terceiro e o quarto (couros e fumo) tiveram menos de 5% cada um, e o quinto (sucos de frutas), só 0,73%...
A presença do nosso açúcar, café e carnes naquele país é insignificante. E mais ainda: mesmo em relação ao complexo soja, dos 12,52 milhões de toneladas exportados em 2008, cerca de 11,82 milhões foram grãos, sobrando quase nada para farelo e óleo. Isso quer dizer que os chineses só querem comprar matéria-prima, agregando valor lá, inibindo nossa industrialização. Estão certos, do ponto de vista deles. Ruim para nós.
Quanto mais exportamos, e para mais países, tanto melhor para o Brasil. Mas precisamos agregar valor aqui. E isso implica muito mais do que apenas industrializar. Precisamos de acordos comerciais bem construídos, inclusive com as grandes redes de distribuidores dos países compradores.


ROBERTO RODRIGUES , 66, coordenador do Centro de Agronegócio da FGV, presidente do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp e professor do Departamento de Economia Rural da Unesp - Jaboticabal, foi ministro da Agricultura (governo Lula). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.


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