São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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CINCO ANOS SOB POLÊMICA

Ao mesmo tempo em que o presidente Lula reafirma que o país deve perseguir o cumprimento do centro da meta (5,5%), analistas sugerem revisão do regime, implantado em 99, sob risco de perder eficácia ou reprimir exageradamente a atividade econômica

METAS DE INFLAÇÃO

ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao completar cinco anos, o atual regime de metas de inflação deve ser "recauchutado", sob o risco de reprimir exageradamente a atividade econômica ou perder a eficácia.
Essa é a opinião da maior parte dos 20 especialistas de diversos matizes ouvidos pela Folha.
No entanto, há divergências com relação às mudanças que devem ser feitas e aos danos que uma alteração traria à credibilidade do país no mercado.
Metas de inflação são percentuais de variação de um determinado índice de preços -no caso brasileiro, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo)- que o governo se propõe a perseguir por um período.
Ele foi formalmente adotado pelo governo em março de 1999, para substituir o câmbio fixo como âncora da economia.
Adotado em 20 países, o sistema é tido como eficiente para direcionar a política monetária e manter a inflação estável.
Pressupõe que, quanto maior a variação dos preços, mais altos devem ser os juros e o aperto de crédito interno para que as metas sejam cumpridas.
No Brasil, desde que esse regime foi implantado, em março de 1999, a meta -estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN)- foi estourada por três anos seguidos: 2001, 2002 e 2003.
Além disso, em 1999, a inflação atingiu 8,9%, número que estava dentro do intervalo de variação aceitável para a meta, na época entre 6% e 10%, mas acima do seu centro, que era de 8%.
Os descumprimentos ocorreram pela combinação de choques externos e crises internas. Como o IPCA sofre influência dos preços administrados (energia, transporte ou telefone) e dos efeitos sazonais, os juros não são totalmente eficazes para controlar sua variação.
Em 2002, o intervalo de variação foi aumentado para uma tolerância de 2,5 pontos percentuais para cima ou para baixo do centro da meta. Isso fez do Brasil o país, em uma lista de 20, com a maior banda possível de oscilação. Em tese, a mudança deu flexibilidade maior ao sistema.
Em 2004, por exemplo, o mercado espera que o IPCA atinja 6%, acima do centro da meta, de 5,5%, mas bem abaixo do teto de variação que é 8%.
Mas, na prática, o próprio BC descarta, com veemência, a hipótese de perseguir um percentual mais próximo do teto. Recorrentemente -apesar do choque dos preços de oferta ocorrido no início do ano-, o presidente do BC, Henrique Meirelles, insiste que a política monetária mira o centro da meta. Isso implica uma política monetária mais rígida e, assim, um crescimento menor. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na quinta-feira, reforçou que o objetivo do governo é o cumprimento do centro da meta.
"À medida que o BC passou a dar ênfase ao centro da meta, criou desnecessariamente um problema para a gestão da política monetária e para a credibilidade do sistema", diz Heron do Carmo, professor da USP (Universidade de São Paulo).
Por esse e outros motivos, muitos especialistas defendem mudanças mais profundas no regime, que eliminem distorções e abram espaço para que o país tenha taxas de juros mais baixas.
De forma geral, há dois formatos de sistemas de metas: o que leva em conta o índice cheio e o que persegue o núcleo de inflação (que desconta do indicador preços voláteis).
Em 1999, a equipe de Armínio Fraga, ex-presidente do BC, optou pelo primeiro regime que, atualmente, é adotado em 13 dos 20 países que utilizam sistemas de metas. Desde o início, no entanto, o BC acreditava que o ideal seria passar desse modelo para outro que expurgasse alguns preços de alta volatilidade.
Isso porque a alta vulnerabilidade externa do Brasil e a pauta de exportações do país -dominada por produtos primários- fazem com que choques externos tenham forte impacto sobre o dólar e, por conseqüência, sobre alguns preços.
"Isso foi muito discutido por nós, mas chegamos à conclusão de que começar o sistema dizendo que adotaríamos um índice expurgado poderia trazer problema de credibilidade. Afinal, o índice já era oficial, não era calculado por instituição de fora do governo", diz Sérgio Werlang, que foi diretor de Política Econômica do BC na época da implementação do regime.
A intenção de migrar de um regime baseado no IPCA cheio para outro que excluísse do índice preços sujeitos a muita volatilidade, no entanto, nunca passou da retórica à prática.
"Tivemos oportunidades de fazer essa mudança. Mas acho que a análise dos benefícios e dos custos, que envolviam a questão de credibilidade, preocupava muito o BC", diz Paulo Leme, diretor do banco Goldman Sachs.
A manutenção do atual regime causa, segundo alguns economistas, problemas para o país, o maior deles seria os custos impostos à atividade econômica.
Para tentar cumprir o centro da meta de 5,5%, o BC interrompeu o processo de queda de juros. Segundo alguns analistas, isso poderá prejudicar o crescimento econômico em 2004.
"Se o Banco Central insistir no cumprimento do centro da meta, o crescimento será sacrificado", diz Ricardo Carneiro, diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp.


Colaboraram José Alan Dias, Marcelo Sakate e Rômulo Neves, da Reportagem Local


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