São Paulo, domingo, 14 de março de 2004

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Grão inflaciona cerrado do Piauí

MAELI PRADO
ENVIADA ESPECIAL A URUÇUÍ (PI)

A jornada é árdua. São 550 km partindo de carro da capital, Teresina, em direção ao sul do Piauí, passando pelo Maranhão. No caminho, vacas assustadas cruzando rodovias, solavancos em estradas de terra e uma viagem de balsa para atravessar o rio Parnaíba, que separa os dois Estados.
Do outro lado, surge Uruçuí, município de estimados 25 mil habitantes escondido no cerrado piauiense, onde há cerca de quatro anos o único movimento era o de bicicletas e carroças puxadas por jegues em ruas de terra.
Hoje, oito lojas de material de construção, 13 farmácias, quatro hotéis, cinco armazéns, duas revendedoras de motos e uma quantidade razoável de carros e caminhões circulando por ruas asfaltadas movimentam a cidade.
Morar lá custa caro. Uma casa em um terreno de 300 m2 no centro pode custar R$ 60 mil. Em 99, bastavam R$ 5.000, em média.
A explicação para a transformação em curso aparece quando se rodam mais alguns quilômetros, onde ficam as fazendas que, juntas, cultivam 180 mil hectares de soja na região. Área que deve aumentar, pois produtores chegam ao local todos os dias.
O mesmo impulso que muda a cara de outros municípios ligados ao agronegócio e que em Uruçuí ganhou ímpeto extra por causa da gigante do grão Bunge, que se instalou na cidade em 2003.
A multinacional, com capacidade para esmagar 658 mil toneladas do grão por ano -até 2007, o número aumentará para 1,3 milhão-, emprega hoje 141 pessoas.
A maioria das vagas aparece indiretamente, no aquecido comércio local, onde há espaço para se estabelecerem de lojas de trator a uma franquia do Boticário.
Em 2000 foram abertas sete empresas em Uruçuí, segundo dados da Junta Comercial do Piauí. Nos anos seguintes, a quantidade disparou: em 2001, 103; em 2002, 141; em 2003, 185 empresas, a maior parte em comércios e serviços.
O objetivo é atender à crescente demanda dos "gaúchos" -como são chamados na cidade os migrantes de qualquer Estado que chegam à cidade- e dos filhos pródigos de Uruçuí, nativos que há anos deixaram o município à procura de trabalho ou educação e que retornam agora.
É um ciclo que, em uma cidade pequena, localizada em uma região que ainda está sendo desbravada, é possível acompanhar de perto. Quem chega, além de algumas vezes gerar empregos diretamente, precisar construir, consumir ou reformar.
Quem é morador vê a possibilidade de abrir uma pequena loja, prestar serviços, ganhar mais com um negócio já estabelecido ou trabalhar para comerciantes e prestadores de serviço. Também passa a consumir mais -até pelo acesso a produtos diferenciados.
O armazém Paraíba, por exemplo, uma espécie de Casas Bahia da região Nordeste, chegou há cerca de 25 anos na cidade. Vendia eletrodomésticos e móveis da linha popular. Hoje, há demanda por geladeiras dúplex e por aparelhos de som de R$ 3.300.
O crescimento ainda é incipiente, mas a grande aposta é no futuro da região, novíssima fronteira agrícola: são extensas áreas planas -que reduzem custos na hora do plantio e colheita mecanizados- e preços de terra mais baixos, apesar da recente valorização.
A Bunge, por exemplo, se instalou na cidade de olho no consumo do mercado nordestino, para onde pretende fornecer farelo e óleo de soja em larga escala. Atraiu também a proximidade do porto de São Luís (MA), que permite escoar a produção para a Europa.
Nem tudo, no entanto, são flores. Muitos moradores da cidade estão desempregados e sofrem com os preços inflacionados pelo desenvolvimento da região e pela falta de infra-estrutura para atender à população crescente.
Além disso, a Bunge, que foi beneficiada com isenção de ICMS por 15 anos no Estado, está em litígio com ambientalistas e com o Ministério Público, que a acusam de devastar árvores na região para fazer funcionar suas caldeiras.
Para a empresa, a quantidade de lenha consumida está dentro das normas permitidas pelos órgãos de regulação ambiental.



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