São Paulo, terça-feira, 14 de março de 2006

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LUÍS NASSIF

De mão beijada, não

O fim de semana foi pródigo em versões rocambolescas sobre as negociações em torno do padrão de televisão digital -em quase todas aparecendo como herói o ministro das Comunicações, Hélio Costa. De acordo com uma das versões, em uma reunião do comitê ministerial incumbido de escolher o sistema, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, teria ponderado que o padrão deveria permitir a exportação de produtos pelo Brasil. E o indômito Hélio, defensor do padrão japonês, teria liquidado a discussão argumentando que as empresas japonesas exportam para o mundo todo.
Apesar de todos os balões de ensaio disparados, definitivamente não há decisão sobre o sistema de TV digital. Ainda está em fase de consulta, e pelo menos parte dos ministros envolvidos tem recomendado ao presidente ir mais devagar, inclusive abrindo para consulta pública, por duas razões muito simples. Primeiro, porque dá tempo para melhorar os "off-sets" (as contrapartidas exigidas dos competidores) e legitimar a escolha. Segundo, porque o sistema japonês para celular nem sequer foi para o ar ainda e o teste do sistema europeu, na semana passada, não foi bem-sucedido.
Ontem, seis embaixadores europeus tiveram uma reunião de emergência com os ministros incumbidos de definir o padrão. O das Comunicações não compareceu. Compareceram o da Fazenda, Antonio Palocci Filho, Furlan e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.
Na reunião ficaram claras as regras do jogo. Para um padrão ser escolhido, o ponto-chave será a fábrica de semicondutores. O que se pretende não é uma fábrica qualquer, uma encapsuladora, como a implantada pela Intel em Costa Rica, mas uma fábrica de inovação, como a Intel está montando em Israel. A primeira é uma mera CKD, uma montadora de componentes importados. Já a fábrica de inovação permite o domínio da tecnologia de queimar o chip e criar o algoritmo -isto é, de gerar a inteligência. Permitirá criar inovações para televisores, geladeiras, eletrônica embarcada e queimar o chip correspondente.
A idéia é que em torno dessa fábrica de chip seja instalada toda uma estrutura de empresas de designers de chips -ou seja, aquelas que montam os sistemas inteligentes que, depois, serão encapsulados.
Outro ponto é que a empresa terá que ser uma joint venture com capitais nacionais privados. E, de preferência, financiado pelos países detentores da tecnologia.
Essa mesma proposta foi feita para os japoneses. No caso europeu, a STM -maior empresa de semicondutores da Europa- se ofereceu para estudar se implantar no Brasil. Até agora, há mera manifestação de intenção. Para levar o sistema, o competidor terá que apresentar uma proposta firme.
A divisão, agora, é apenas entre os ministros que querem decisão rápida e os que julgam mais prudente dar um tempo maior. Pode dar europeu, pode dar japonês. Mas o padrão Hélio Costa de entregar o mercado brasileiro de mão beijada está definitivamente descartado.


E-mail - Luisnassif@uol.com.br

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