São Paulo, sábado, 14 de março de 2009

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Motel vira abrigo para despejados nos EUA

Famílias de classe média que perderam casas passam a viver em hotéis de beira de estrada com a conta paga por entidades beneficentes

Famílias de até seis pessoas chegam a dividir um cômodo e a fazer rodízio para dormir, além de comer em turnos com pratos emprestados

ERIC ECKHOLM
DO "NEW YORK TIMES", EM COSTA MESA, CALIFÓRNIA

Greg Hayworth, 44, formou-se na Universidade Syracuse e ganhava a vida bem em seu Estado natal, a Califórnia, trabalhando com financiamento imobiliário e hipotecas. Mas o setor afundou, e no início do ano passado o banco desapropriou a casa que sua família alugava. A família foi despejada.
Agora o casal Hayworth e seus três filhos representam o novo rosto dos sem-teto em Orange County: pessoas ex-classe média que subsistem de uma semana para outra em quartos apertados em motéis (nos EUA, hotéis em geral na beira de estrada, conceito diferente do Brasil).
"Devo a meus filhos nos tirar daqui", disse Hayworth, lembrando a noite em que viram um vizinho do motel arrastar uma mulher seminua pela porta afora, espancando-a.
Com a recessão se aprofundando, pessoas que perderam seus empregos após anos de trabalho estão enfrentando o medo e o estigma da condição de sem-teto pela primeira vez, incluindo pessoas que são proprietárias ou locatárias há anos. Algumas aparecem em abrigos e nas ruas, mas outras, como os Hayworth, são os sem-teto ocultos -vivendo apinhados em apartamentos, garagens ou motéis, sem serem contabilizados nas estatísticas Sobre sem-teto e, frequentemente, recebendo pouca ajuda pública.
Os Hayworth tentaram hospedar-se com parentes, mas em setembro acabaram instalando-se no Costa Mesa Motor Inn. Eles são uma das mais de mil famílias que se estima que estejam vivendo em motéis, apenas em Orange County. E estão entre as poucas felizardas: uma organização beneficente paga parte da conta do motel, de US$ 800 mensais, enquanto Hayworth tenta reconstruir sua carreira.
A família, que inclui uma filha de 15 anos, divide um quarto e dorme em duas camas. Com a maioria de seus bens guardados em guarda-móveis, eles comem em dois turnos, usando três pratos emprestados -é o que cabe no minúsculo armário de porta emperrada. Terri Hayworth, a mulher de Greg, tem problemas de saúde. Como muitas outras famílias, os Hayworth não conseguem juntar o dinheiro para o depósito e outros custos iniciais de alugar uma moradia nova.
"Os motéis viraram a solução habitacional barata de fato de Orange County", disse Wally Gonzalez, diretora do Project Dignity, uma das organizações beneficentes e grupos de igreja que surgiram para prestar assistência às famílias. A maioria das organizações recebe donativos de alimentos, roupas e brinquedos e ajuda algumas dezenas de famílias.
No passado, as famílias que moravam em motéis vinham sobretudo das classes que sofrem problemas crônicos. Um artigo publicado em 1998 pelo "The Orange County Register" expondo a situação de crianças que vivem em motéis levou à criação de forças-tarefa urbanas e promessas de ajuda. Nos últimos meses, porém, as escolas, as igrejas e organizações beneficentes relatam que um tipo diferente de família vem aparecendo nesses lugares.
"As pessoas que vêm pedir ajuda hoje são de origem demográfica mais diversificada do que foi visto no passado, incluindo famílias de renda média", disse Terry Lowe, diretor de serviços comunitários em Anaheim, Califórnia.
Os motéis variam desde os que ostentam tapetes rasgados e hóspedes que são dependentes de álcool e drogas até lugares mais novos, com playgrounds e pequenas cozinhas. Esses estabelecimentos se parecem com outros de preço módico frequentado por pessoas a caminho das cidades de praia mais requintadas. Mas basta entrar em um deles para ter uma impressão diferente.

Lição na cama
À noite, o cheiro de molho de macarrão preparado em chapa elétrica sai de portas semiabertas; pela manhã, crianças saem para pegar o ônibus escolar. Famílias de três, seis ou mais pessoas se apertam em um só cômodo, com uma criança fazendo sua lição de casa sobre a cama ao lado de outra que assiste TV. As crianças fazem rodízio para dormir, algumas no chão. Outras famílias, como os Malpica, num motel em Anaheim, usam um armário para colocar os berços de seus bebês.
O pacote de estímulo de Obama pode dar esperança a mais pessoas e reduzir o aumento projetado do número de famílias que podem acabar em motéis e abrigos, disse Nan Roman, da Aliança Nacional para Pôr Fim à Falta de Moradia. O pacote prevê US$ 1,5 bilhão para a prevenção da perda de moradias. Parte do dinheiro seria usada para pagar o aluguel.

Tradução de CLARA ALLAIN


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