São Paulo, sábado, 14 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

Dirigentes de BCs têm de se calar fora de sua área

STEPHEN CECCHETTI
DO "FINANCIAL TIMES"

Declarações recentes de Alan Greenspan, o presidente do Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos), sobre a necessidade de reformar o sistema de seguro social e devolver o orçamento do governo norte-americano a uma posição de longo prazo sustentável me lembraram de uma história apócrifa envolvendo Greenspan em momento mais cauteloso. Ele conversa regularmente com jornalistas financeiros. Os comentários que faz são estritamente reservados e não podem ser publicados designando-o como fonte. Um dia, um jornalista perguntou a ele sobre o valor do dólar nos mercados de câmbio. Depois de receber nova garantia do jornalista de que sua opinião não seria divulgada, Greenspan respondeu: "Nada a comentar".
Recentemente, os dirigentes de bancos centrais vêm abrindo mais a boca sobre tópicos que não estão diretamente relacionados às suas atribuições. Os dirigentes de bancos centrais europeus expressaram apoio à aplicação do pacto de crescimento e estabilidade da União Européia; os dirigentes dos bancos centrais da Rússia e da China falaram a respeito do valor das moedas de seus países; e dirigentes do banco central da Coréia do Sul sugeriram que poderiam diversificar parte de suas reservas cambiais, optando pelo euro em lugar do dólar.
Quando os dirigentes de bancos centrais falam, as pessoas ouvem. Quando os executivos do banco central sul-coreano fizeram seu pronunciamento, o dólar caiu. Isso suscita importante questão: o que eles devem dizer, e quando?
É vedado a qualquer dirigente de banco central se pronunciar publicamente dizendo que está falando em nome pessoal. Eles sempre falam em nome de suas instituições. Todos os bancos centrais se preocupam em se pronunciar sempre de maneira coerente, nas discussões de política monetária. Ou seja, nenhum dos demais dirigentes do Fed contradiria Greenspan publicamente sobre qualquer assunto.
Como regra, os dirigentes de bancos centrais restringem seus comentários à área sobre a qual suas instituições têm responsabilidade direta, a política monetária. Mas há muitas ocasiões em que eles optam por não se pronunciar, ainda que sejam profundos conhecedores de um tema. Antes de se tornar presidente do Fed, Alan Greenspan foi assessor econômico do então presidente americano Gerald Ford e presidiu um comitê que estudou a reforma do seguro social. Ele conhece bastante sobre a questão do valor cambial do dólar e fala sobre o assunto de maneira privada com seus colegas do Fed. Em público, porém, respeita sempre a posição do secretário do Tesouro sobre esse assunto.
Os dirigentes de bancos centrais de países em que os costumes são diferentes costumam se pronunciar regularmente sobre a política cambial. Afinal, um país com mercados de capital abertos não tem como controlar ao mesmo tempo sua taxa de câmbio e suas taxas internas de juros. Os mercados financeiros forçam a diferença entre as taxas de juros vigentes em dois países a se igualar ao movimento antecipado da taxa de câmbio entre as duas moedas. Assim, nos casos em que a política monetária é decidida por um BC independente, a política cambial acaba sendo influenciada.
E a questão da política fiscal? Governos perdulários em seus gastos podem causar inflação. Grandes dívidas e déficits públicos pressionam as autoridades monetárias a permitir inflação. Os comentários de Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, sobre a necessidade de impor o acordo que dispõe que os governos da zona do euro mantenham o controle sobre os seus déficits eram justificados, nesse sentido. Os dirigentes de bancos centrais têm a obrigação de se pronunciar quando se defrontam com uma decisão de política fiscal que, como essa, contraria tão evidentemente os objetivos de política monetária vigentes.
A experiência recente da Argentina prova o ponto. Em 2001, os governos estaduais argentinos esgotaram sua capacidade de obter fundos, quer por aumentos na arrecadação tributária, quer por captação de recursos nos mercados financeiros. Para cumprir suas obrigações, começaram a imprimir bônus de baixo valor que tinham aparência semelhante à de cédulas. Ao emitir dinheiro próprio, as autoridades fiscais das Províncias subverteram a autoridade do banco central e tornaram impossível às autoridades econômicas do país controlar a inflação doméstica. Essa é uma falha tão gritante de gestão fiscal que se torna obrigatório que os dirigentes dos bancos centrais protestem.
Mas questões referentes ao tamanho ideal do governo e de que maneira suas atividades serão financiadas devem ser respondidas pelos funcionários eleitos. A fim de isolá-los da pressão política, que quase sempre causa inflação, os dirigentes de bancos centrais são indicados, e não eleitos. Têm uma missão bastante estreita e muito poderosa, de gerir a política monetária. E com ela vem a responsabilidade de não comentar em público sobre o que fica fora de sua esfera de influência.


O autor é professor de economia e finanças internacionais na Escola Internacional de Administração de Empresas da Universidade Brandeis, nos EUA.

Texto Anterior: Game: Sony e Microsoft mostram nova geração de consoles
Próximo Texto: Mídia: Rede de blogs fatura com publicidade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.