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ARTIGO
Dirigentes de BCs têm de se calar fora de sua área
STEPHEN CECCHETTI
DO "FINANCIAL TIMES"
Declarações recentes de
Alan Greenspan, o presidente do Fed (Federal Reserve, banco
central dos Estados Unidos), sobre a necessidade de reformar o
sistema de seguro social e devolver o orçamento do governo norte-americano a uma posição de
longo prazo sustentável me lembraram de uma história apócrifa
envolvendo Greenspan em momento mais cauteloso. Ele conversa regularmente com jornalistas financeiros. Os comentários
que faz são estritamente reservados e não podem ser publicados
designando-o como fonte. Um
dia, um jornalista perguntou a ele
sobre o valor do dólar nos mercados de câmbio. Depois de receber
nova garantia do jornalista de que
sua opinião não seria divulgada,
Greenspan respondeu: "Nada a
comentar".
Recentemente, os dirigentes de
bancos centrais vêm abrindo
mais a boca sobre tópicos que não
estão diretamente relacionados às
suas atribuições. Os dirigentes de
bancos centrais europeus expressaram apoio à aplicação do pacto
de crescimento e estabilidade da
União Européia; os dirigentes dos
bancos centrais da Rússia e da
China falaram a respeito do valor
das moedas de seus países; e dirigentes do banco central da Coréia
do Sul sugeriram que poderiam
diversificar parte de suas reservas
cambiais, optando pelo euro em
lugar do dólar.
Quando os dirigentes de bancos
centrais falam, as pessoas ouvem.
Quando os executivos do banco
central sul-coreano fizeram seu
pronunciamento, o dólar caiu. Isso suscita importante questão: o
que eles devem dizer, e quando?
É vedado a qualquer dirigente
de banco central se pronunciar
publicamente dizendo que está
falando em nome pessoal. Eles
sempre falam em nome de suas
instituições. Todos os bancos centrais se preocupam em se pronunciar sempre de maneira coerente,
nas discussões de política monetária. Ou seja, nenhum dos demais dirigentes do Fed contradiria Greenspan publicamente sobre qualquer assunto.
Como regra, os dirigentes de
bancos centrais restringem seus
comentários à área sobre a qual
suas instituições têm responsabilidade direta, a política monetária.
Mas há muitas ocasiões em que
eles optam por não se pronunciar,
ainda que sejam profundos conhecedores de um tema. Antes de
se tornar presidente do Fed, Alan
Greenspan foi assessor econômico do então presidente americano
Gerald Ford e presidiu um comitê
que estudou a reforma do seguro
social. Ele conhece bastante sobre
a questão do valor cambial do dólar e fala sobre o assunto de maneira privada com seus colegas do
Fed. Em público, porém, respeita
sempre a posição do secretário do
Tesouro sobre esse assunto.
Os dirigentes de bancos centrais
de países em que os costumes são
diferentes costumam se pronunciar regularmente sobre a política
cambial. Afinal, um país com
mercados de capital abertos não
tem como controlar ao mesmo
tempo sua taxa de câmbio e suas
taxas internas de juros. Os mercados financeiros forçam a diferença entre as taxas de juros vigentes
em dois países a se igualar ao movimento antecipado da taxa de
câmbio entre as duas moedas. Assim, nos casos em que a política
monetária é decidida por um BC
independente, a política cambial
acaba sendo influenciada.
E a questão da política fiscal?
Governos perdulários em seus
gastos podem causar inflação.
Grandes dívidas e déficits públicos pressionam as autoridades
monetárias a permitir inflação. Os
comentários de Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central
Europeu, sobre a necessidade de
impor o acordo que dispõe que os
governos da zona do euro mantenham o controle sobre os seus déficits eram justificados, nesse sentido. Os dirigentes de bancos centrais têm a obrigação de se pronunciar quando se defrontam
com uma decisão de política fiscal
que, como essa, contraria tão evidentemente os objetivos de política monetária vigentes.
A experiência recente da Argentina prova o ponto. Em 2001, os
governos estaduais argentinos esgotaram sua capacidade de obter
fundos, quer por aumentos na arrecadação tributária, quer por
captação de recursos nos mercados financeiros. Para cumprir
suas obrigações, começaram a
imprimir bônus de baixo valor
que tinham aparência semelhante
à de cédulas. Ao emitir dinheiro
próprio, as autoridades fiscais das
Províncias subverteram a autoridade do banco central e tornaram
impossível às autoridades econômicas do país controlar a inflação
doméstica. Essa é uma falha tão
gritante de gestão fiscal que se torna obrigatório que os dirigentes
dos bancos centrais protestem.
Mas questões referentes ao tamanho ideal do governo e de que
maneira suas atividades serão financiadas devem ser respondidas
pelos funcionários eleitos. A fim
de isolá-los da pressão política,
que quase sempre causa inflação,
os dirigentes de bancos centrais
são indicados, e não eleitos. Têm
uma missão bastante estreita e
muito poderosa, de gerir a política monetária. E com ela vem a
responsabilidade de não comentar em público sobre o que fica fora de sua esfera de influência.
O autor é professor de economia e finanças internacionais na Escola Internacional de Administração de Empresas da
Universidade Brandeis, nos EUA.
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