São Paulo, sábado, 14 de maio de 2005

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ANÁLISE

Zonas livres de exportação têm que mudar

ALAN BEATTIE
ANNA FIFIELD
DO "FINANCIAL TIMES"

Para seus proponentes, elas são a vanguarda do desenvolvimento empresarial dinâmico. Para seus críticos, são exercícios passageiros e dispendiosos em teorias econômicas de favorecimento desleal.
As zonas livres, ou zonas de processamento de exportações, se tornaram comuns nos países que aspiram a se tornar potências na economia mundial. Cresceram em número ao longo dos últimos 30 anos e são hoje mais de 5.000 áreas, nas quais trabalham mais de 40 milhões de pessoas. Mas seu futuro não é certo. Além das crescentes restrições impostas pelas normas mundiais e regionais de comércio, as zonas livres também enfrentam queixas de que os sacrifícios e esforços que requerem simplesmente não compensam.
Existem muitas permutações da idéia de zonas livres, dos simples "portos livres" onde bens podem ser desembarcados e embarcados sem que passem pela alfândega, a "zonas econômicas especiais" ao estilo chinês, que abarcam todo um município. Mas o padrão mais típico é o da zona de processamento de exportações -um enclave, muitas vezes isolado por cercas, freqüentemente localizado na costa ou perto de um porto. As zonas de processamento de exportações (ZPEs) em geral empregam baixos impostos e tarifas e regulamentação mais enxuta, para atrair investimento estrangeiro direto e estimular as exportações de uma nação.
Os atrativos desse tipo de zona são reforçados por exemplos proeminentes de aparente sucesso. A tendência moderna nesse sentido foi iniciada pela Irlanda, que estabeleceu zonas de exportação em torno do aeroporto de Shannon nos anos 60. A virada abrupta da China em direção da liberalização e economia de mercado, em 1979, coincidiu com a designação de Shenzhen como a primeira das zonas econômicas especiais do país.
O modelo foi copiado por nações de todo o planeta e novos projetos desse gênero estão em curso. O governo da Índia esta semana apresentou ao Parlamento uma lei que retoma os planos de criação de zonas econômicas especiais, para permitir que as empresas contornem as restritivas leis trabalhistas nacionais e concorram com os fabricantes chineses. Em reunião da Convenção Mundial de Zonas Livres, realizada no mês passado na "zona livre do Egeu", em Izmir, Turquia, palestrantes da Europa Oriental, África e América Latina elogiaram as virtudes das zonas livres como áreas pioneiras de liberalização e crescimento importando capital, criando transferências de tecnologia para as economias domésticas e fornecendo empregos.
Existem, de fato, exemplos de zonas econômicas que serviram como vanguarda para uma liberalização nacional o que transforma toda a economia, na prática, em uma zona livre. Mas, além das queixas tradicionais de que as zonas livres solapam os salários das pessoas que empregam, há preocupações quanto ao possível exagero na análise de seus benefícios e quanto à possibilidade de que o tratamento preferencial que oferecem a exportadores e produtores não seja sustentável.
Contestações mais recentes às zonas livres, porém, podem representar problema mais sério. Uma delas é que as regras internacionais se tornaram consideravelmente mais rígidas. Em uma tentativa de bloquear as distorções comerciais, os acordos da Organização Mundial do Comércio impedem governos de subsidiar a produção para exportação ou pelo menos autorizam retaliação contra os que decidirem fazê-lo.
Para os países que aspiram a aderir a blocos comerciais como a União Européia, as regras são ainda mais severas: as zonas de exportação violam as regras da União Européia contra assistência dirigida a empresas. "Trata-se claramente de uma ferramenta de transição que usamos a caminho da admissão à União Européia", disse Kursad Tuzmen, ministro do Comércio Internacional da Turquia e forte defensor das zonas livres. "Fomos informados de que, quando aderirmos à União Européia, teremos de transformá-las em parques tecnológicos, sem os benefícios fiscais".

Ceticismo
Ponto de importância ainda mais fundamental é que existe ceticismo perene quanto ao valor intrínseco das zonas de exportação. Instituições internacionais como o Banco Mundial e a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) há muito vêm advertindo que elas estão longe de ser uma panacéia. Algumas simplesmente não funcionaram: o Banco Mundial destaca a zona econômica de Dacar, no Senegal, África Ocidental, onde regras restritivas sobre o investimento, baixa produtividade e altos custos de transporte significam que apenas dez empresas, com 600 funcionários, foram atraídas, nos 14 anos de existência do programa.
Há quem duvide, mesmo no caso das zonas que atraem investimentos, que elas sejam capazes de qualquer coisa mais que oferecer vantagens tributárias a empresas que teriam investido no país de qualquer maneira.
"Estamos longe de um veredicto final sobre o valor real dos incentivos dados às zonas livres ou zonas especiais", disse Mehmet Ogutçu, principal administrador do fórum de investimento internacional da OCDE. Ele aponta para a experiência da Associação dos Países do Sudeste Asiático (Asean), de dez membros, entre os quais Indonésia, Malásia, Tailândia e Vietnã.
"Os incentivos nos países da Asean envolveram abrir mão de arrecadação equivalente a 0,5% do PIB [Produto Interno Bruto] agregado da região e os benefícios não são claros", disse Ogutçu. O que quase certamente representa desperdício é quando um país opera mais de uma zona livre e elas lutam entre si para conquistar o mesmo investimento.
Na China, por exemplo, as muitas zonas há muito estão envolvidas em um concurso de beleza a fim de atrair investimento estrangeiro direto para fins de exportação. Isso vem provocando descontentamento entre os economistas chineses, que dizem que a situação distorce os sinais de mercado.
"As políticas preferenciais como o aluguel zero, com o objetivo de atrair investimento estrangeiro direto, são muito más para a China", diz Yu Yongding, pesquisador sênior na Academia Chinesa de Ciências Sociais.
Mas as autoridades municipais demonstram recalcitrância. A duas horas de carro de Pequim fica a área de desenvolvimento econômico de Tianjin, onde 230 mil pessoas trabalham para empresas cujos nomes soam como a lista de honra da globalização: Motorola, Nestlé, Volkswagen. A Área de Desenvolvimento Econômico de Tianjin tem de concorrer contra os centros de produção mais conhecidos, no sul do país, concentrados em torno de Xangai e no delta do rio Pérola, e continua a oferecer aluguel grátis e isenções tributárias prolongadas para encorajar empresas estrangeiras a optar pelo norte.
Mesmo os partidários das zonas livres admitem que o modelo precisa se adaptar. À medida que o efeito da competição chinesa reduz as margens de lucros nos setores de eletrônicos, brinquedos e roupas, acabaram-se os dias em que uma estratégia vencedora para um país em desenvolvimento poderia consistir de uma cerca isolando uma área costeira qualquer, com a construção de algumas docas, para a atração de empresas estrangeiras com a oferta de tarifa zero e eletricidade grátis.
As zonas livres, ao que parece, terão de se adaptar para sobreviver. Dado o ímpeto por trás delas, parece improvável que seu crescimento exponencial cesse subitamente. Mas entre as regras de comércio internacional mais rígidas, de um lado, e ministérios das finanças mais suspeitosos, de outro, elas terão de batalhar muito para provar seu valor em uma economia globalizada em que a competição por investimento se torna cada vez mais intensa.


Tradução de Paulo Migliacci

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