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LUÍS NASSIF
De Rio Branco a
Celso Amorim
Desde o século 19, as relações Brasil-Bolívia são sucessões de desencontros e mudanças de opinião -de lado a
lado, freqüentemente levando
ao racha nos dois lados.
A compra do Acre -que, segundo o presidente boliviano,
Evo Morales, custou o preço de
um cavalo- foi objeto de longa
negociação, que culminou com
o Tratado de Petrópolis, de
1903, negociado pelo Barão do
Rio Branco, por Rui Barbosa e
por Assis Brasil.
Do lado brasileiro, reivindicava-se a posse de territórios que,
pelo Tratado de 1867, eram reconhecidos como brasileiros pelos próprios bolivianos. Em troca, o Brasil oferecia uma área
de 3.500 km2 entre o Madeira e
o Abunã; 1 milhão de libras esterlinas de indenização; a construção de uma estrada de ferro
no Brasil, de Guajará Mirim até
Santo Antonio, no rio Madeira.
Os bolivianos consideram a
proposta inaceitável. Rui Barbosa era radicalmente contrário a qualquer concessão adicional -e concessões são peças
essenciais de negociação. O
grande Rio Branco estava espremido entre o radicalismo do
pequeno Rui e a saída de um
arbitramento. Recusou os dois
caminhos. "Este [o acordo direto] resolve as dificuldades presentes; o outro [o arbitramento]
deixa-as de pé e provavelmente
daria lugar a que territórios
ocupados por brasileiros, no sul
da linha oblíqua, fossem repartidos entre a Bolívia e o Peru."
Em 1938, houve o segundo
grande tratado Brasil-Bolívia,
dessa vez em torno do petróleo
boliviano. Casava com o interesse brasileiro em nacionalizar
o refino e com a política boliviana de nacionalizar suas reservas. O acordo arrastou-se com
Vargas e Dutra, acelerou com o
segundo governo Vargas, foi interrompido pelo interregno Café Filho, retomou ritmo com JK.
E se está falando de Brasil.
Quando se inclui a Bolívia, vira
uma salada geral. Em 1952, assumiu o poder Paz Estensoro,
no bojo de um golpe de Estado e
com um discurso ultranacionalista. Vargas incumbiu seu ministro da Justiça, o demissionário Negrão de Lima, de resolver
o impasse. Negrão foi a La Paz,
utilizou o jargão nacionalista e
convenceu Paz Estensoro a aderir ao conceito de "nacionalismo cooperativo", concebido
não mais em termos nacionais
mas como resultado de uma política continental de alto nível.
Pegou. Saiu de lá com a assinatura das Notas Reversais, de 12
de agosto de 1953, reconstituindo a Comissão Mista Brasil-Bolívia.
Agora o chanceler Celso Amorim tenta uma fórmula capaz
de casar o pragmatismo de Rio
Branco com a habilidade de
Negrão. Ocorre que, na outra
ponta, há dois governantes
complexos, para usar um termo
educado. De um lado, Hugo
Chávez, que conseguiu plenos
poderes na Venezuela derrotando uma mídia que se desmoralizou sozinha na campanha contra ele. De outro, Evo
Morales, que só agora está descobrindo o poder da palavra e
se emprenha pelo ouvido, como
qualquer neófito em negociações internacionais.
Fez bem o Itamaraty de compreender as bazófias iniciais de
Morales, dentro do contexto
das eleições para a Constituinte. Mas agora se tem, numa
ponta, o abuso de quem gostou
de ouvir as repercussões de suas
próprias palavras e está construindo seu capital político à
custa do desgaste do aliado Lula e do vizinho Brasil. Na outra,
um governante, Chávez, que
claramente passou a disputar
com Lula a liderança do continente.
E Amorim vive o dilema de
Rio Branco, em uma época em
que as comunicações exigem
muito mais rapidez. Terá muito
menos tempo que Rio Branco
para mostrar resultados.
O rompimento será a derrota
de sua política externa. Permitir que Morales e Chávez continuem a turbinar sua campanha à custa do Brasil custará
seu cargo e o de Samuel Pinheiro Guimarães, os homens que
lançaram a tese da integração
continental.
Se Morales e Chávez contiverem a língua solta e conseguirem colocar a integração continental acima das bazófias e do
jogo de cena, Amorim e Pinheiro vencem o jogo.
Se a escalada de declarações
continuar, não restará outro
caminho que a troca da chancelaria, por erro grave de estratégia na diplomacia continental.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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