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TENSÃO ENTRE VIZINHOS
Para americano, presidente tenta apenas encenar força
Morales faz jogo político com
nacionalização, diz escritor
LEILA SUWWAN
DE NOVA YORK
O decreto de nacionalização do
gás e petróleo na Bolívia faz parte
de um "jogo político" necessário
ao presidente Evo Morales, no
qual é preciso encenar força e nacionalismo para um eleitorado radical e, nos bastidores, buscar diálogo e soluções negociadas com
os países vizinhos e empresas investidoras.
Essa é a opinião de William Powers, autor do livro "Whispering
in the Giant's Ear", sobre a guerra
da Bolívia contra a globalização,
que será lançado na próxima semana nos Estados Unidos.
O dito jogo político tem se intensificado nos últimos dias em
Viena, na Áustria. Morales atacou
frontalmente a Petrobras, classificada de "contrabandista", mas
amenizou o tom e buscou diálogo
com o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva logo em seguida.
Para Powers, o que aparenta ser
uma retomada populista de nacionalismo esquerdista é pouco
mais do que um presidente novato aprendendo a segurar as rédeas
do governo, equilibrando-se entre enormes expectativas da população, a dependência de investidores e empresas estrangeiras e
a ala radical dentro da coalizão.
"É um jogo político", disse Powers, 35, que trabalha com projetos de desenvolvimento na Bolívia há quatro anos. "Ele precisa
aplacar a demanda da esquerda
radical, que queria uma nacionalização sem compensação pelos
bens. Internamente, ele precisa
aparentar muita força. Externamente, ele precisa de tempo para
negociar e detalhar os passos com
as empresas".
A seguir, trechos da entrevista
de Powers.
Folha - Como norte-americano vivendo na Bolívia, como o sr. viu a
eleição de Evo Morales?
William Powers - Foi algo incrível. Quando ele tomou posse, todos que estavam na praça central
choravam. É preciso ter em mente
que, há duas décadas, os índios
eram borrifados com DDT antes
de se encontrar com uma autoridade de governo. Agora o presidente é um deles.
Folha - O sr. avalia que há muita
fumaça e pouco fogo no episódio
da nacionalização?
Powers - Acho que é preciso
confrontar a visão generalizada
da mídia ocidental. Politicamente, Morales tem um mandato democrático, ganhou disparado nas
eleições. Legalmente, a nacionalização tem argumentos fortes favoráveis porque a privatização
ocorrida nos anos 90 não foi aprovada pelo Congresso, o que é inconstitucional. O impacto para as
empresas precisa ser equilibrado
com a margem de lucro enorme.
O decreto não vai matá-las, elas
vão ficar. É uma questão de distribuição mais justa dos benefícios.
Folha - Essa é uma reivindicação
das massas? Há consciência do povo sobre a exploração energética
ou é uma manobra ideológica?
Powers - A nacionalização dos
hidrocarbonetos é um grande assunto nacional há dois anos. Há
uma sensação forte e generalizada
na Bolívia de que o país sofreu um
"assalto", que seus recursos estão
sendo roubados desde a colonização européia. Até entre analfabetos o sentimento é o de que estão
tirando proveito, com ajuda de
políticos corruptos.
Folha - Mas o rancor histórico é
com as superpotências ou com os
países vizinhos, com o Brasil?
Powers - Com o Brasil, a percepção é de solidariedade com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Uma idéia de que há um conflito,
mas que vai se resolver porque
Lula quer trabalhar com Morales.
A questão é que o próprio governo ainda está tentando se ajeitar.
Eles não têm experiência, não são
altamente educados. É meio que
um momento de sinergia e criatividade, de busca de soluções.
Folha - Mas então isso tudo é apenas uma renegociação de contratos
e margens de lucro?
Powers - É um jogo político necessário para Morales. Estamos
num país bastante radicalizado. A
maioria da população sobrevive
com menos de US$ 2 por dia. Ele
precisa aplacar a demanda da esquerda radical, que queria uma
nacionalização sem compensação
pelos bens. Então, internamente,
ele precisa aparentar muita força.
Externamente, ele precisa de tempo para negociar e detalhar os
passos com as empresas. O fato é
que a Bolívia precisa de mais dinheiro. Uma das coisas que precisamos ver é se a corrupção vai ser
combatida ou se esse governo vai
ser relapso.
Folha - Parece um jogo de fino
equilíbrio. E incompreendido...
Powers - Pelo que vi, há uma denúncia sobre o ridículo da posição: Morales fecha o trio dos "três
amigos" [com Hugo Chávez, da
Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba] do "Eixo do Mal" deste hemisfério. Isso é um exagero.
Folha - Mas não há um alinhamento real com esses países?
Powers - Sim, há simpatia e alinhamento. Mas não é algo preocupante. No contexto da globalização é isso que acontece. A Bolívia vai trabalhar com a Venezuela,
mas pode também trabalhar com
a Índia e a China, que demonstram interesse em investir. Há
muitas possibilidades.
Folha - Há notícias de que o próximo passo é a desapropriação de
terras. Como o sr. vê isso?
Powers - Como dizem aqui, "todo és posible". Mas, pessoalmente, acho difícil. Santa Cruz, a região ocidental, rica e mais poderosa, não irá permitir algo assim.
Não temos um movimento de
sem-terra, como no Brasil.
Folha - O que pode causar uma
guinada ao autoritarismo?
Powers - Se a comunidade internacional decidir "punir" Morales,
ele vai ser colocado no canto, e só
haverá essa saída. O contexto aqui
é de pobreza, desigualdade e corrupção. É preciso deixar a poeira
baixar, iniciar conversas de cabeça aberta com o novo governo.
Folha - Mas tirando a nacionalização, quais são os programas concretos de governo para o desenvolvimento do país?
Powers - É uma boa pergunta.
Todos estão tentando descobrir
isso -até o próprio governo. O
momento agora é de equilíbrio da
coalizão. Há uma forte ala radical
que acredita em eliminar qualquer presença estrangeira no país.
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