São Paulo, segunda-feira, 14 de maio de 2007

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Cartel de energia dá prejuízo de R$ 1,7 bi

Secretaria de Direito Econômico vê ação conjunta de sete multinacionais, já multadas na Europa pela mesma prática

Documentos revelam suposto esquema na venda de transformadores entre 1988 e 2004; empresas não se manifestam

VALDO CRUZ
IURI DANTAS

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Documentos obtidos pela Folha revelam investigação de um suposto cartel na venda de transformadores de distribuição de energia elétrica que teria provocado prejuízo de pelo menos R$ 1,7 bilhão a empresas do setor entre 1988 e 2004.
A investigação da SDE (Secretaria de Direito Econômico) colocou sob suspeita sete multinacionais que vendem no país dois tipos de transformadores -a gás e a ar- que controlam os fluxos de energia elétrica entre as geradoras e consumidores comerciais e residenciais.
São elas: ABB, VA Tech, Siemens, Areva, Japan AE Power Systems, Toshiba e Mitsubishi. O mesmo grupo de empresas foi multado pela Comissão Européia (órgão executivo da União Européia) por formação de cartel em 750 milhões (R$ 2,1 bilhões) neste ano.
A Folha teve acesso a parte do processo que corre na Justiça. Nele, a SDE aponta que os elementos reunidos até agora "constituem indícios veementes de prática de cartel nos mercados" de transformadores de distribuição de energia.
Diz ainda que, pelo acordo, as empresas apresentariam propostas de "5% a 7% maiores do que o preço da ganhadora do projeto". Segundo a SDE, "a intenção era dar uma aparência de competitividade e evitar que o cartel fosse descoberto".
A SDE começou a investigar o suposto cartel depois que uma das empresas fez acordo com o órgão do Ministério da Justiça, chamado de acordo de leniência, no qual uma das partes faz delação em troca de redução ou isenção de penas.
Segundo a Folha apurou, foi a ABB que entregou o esquema. Ela também se beneficiou de mecanismo idêntico para colaborar nas investigações na Europa, livrando-se de uma multa de 215 milhões.
Ao procurar a SDE, a ABB forneceu cópias dos acordos que teriam sido firmados entre as concorrentes -uma lista de 144 projetos de compra de equipamentos de 56 grandes empresas públicas e privadas no Brasil, além de uma confissão por escrito das práticas.
Segundo esses documentos, o cartel teria formalizado por escrito sua atuação "estabelecendo com grau de requinte as regras de funcionamento".
A ABB informou ainda à secretaria que o acordo teria alcance mundial, excluindo apenas EUA, Canadá, Rússia e China. No Brasil, funcionaria com base em uma tabela de pontuação, prevendo inclusive punição caso uma empresa tomasse o empreendimento da outra.
A SDE decidiu então promover uma operação de busca e apreensão, autorizada pela Justiça Federal, nos escritórios da Siemens e da Areva, supostas líderes do cartel. A SDE diz, no processo, que os documentos recolhidos reforçam a suspeita de existência do cartel.
Entre eles, uma agenda apreendida na sede da Siemens que anotaria os resultados de uma licitação para fornecimento de transformadores para Furnas no projeto Samambaia.
Os dados estão anotados na página do dia 11 de agosto de 2005 (veja quadro abaixo). Traz a Areva em primeiro lugar, com um preço de R$ 42,351 milhões, seguida da ABB (R$ 43,144 milhões) e Siemens (R$ 46,376 milhões).
Só que, segundo o processo, a estatal Furnas informou à SDE que 11 de agosto foi o dia de apresentação das propostas. O resultados só foram publicados em 24 de novembro. A SDE conclui que a agenda apreendida mostra que o "responsável pela comercialização na Siemens já tinha conhecimento tanto da colocação quanto dos lances de seus concorrentes".
As empresas do suposto cartel, porém, pediram na Justiça a anulação da operação de busca e apreensão. Tribunal Regional Federal em São Paulo atendeu ao pedido. O mérito ainda não foi julgado.
Para evitar a devolução dos documentos apreendidos, a Advocacia Geral da União, em nome da SDE, pediu e conseguiu no STJ (Superior Tribunal de Justiça) que eles fiquem com a secretaria até o julgamento do mérito da ação.
Questionada sobre a pendência judicial da operação e sua legalidade, a secretária de Direito Econômico, Mariana Tavares, disse que a "busca e apreensão foi bem sucedida" e crê que o TRF reverterá sua decisão, "principalmente após parecer do Ministério Público que confirma a existência" de indícios. Tavares disse ainda que a investigação não foi concluída e que "as empresas terão ampla oportunidade de se defender" durante o processo.
Após concluído pela SDE, o processo segue para o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que decidirá se houve ou não prática de conduta danosa ao mercado e eventualmente aplicará multa de até 30% do faturamento das empresas no ano anterior ao início do suposto cartel.


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