São Paulo, quarta-feira, 14 de maio de 2008

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

A inflação e o pé de feijão


A inflação mais alta não vem do preço do feijãozinho (ou da manteiguinha), mas de uma piora da tendência de inflação

É COMUM ouvir afirmações do tipo: "Se desconsiderarmos o aumento de preço do feijão (ou do leite, ou da manteiga), a inflação não seria 5% nos últimos 12 meses, mas apenas (escolha um número)%, logo" -prossegue o argumento- "o Banco Central não precisa aumentar os juros". Variações em torno do tema também incluem "logo não adianta subir os juros, pois eles não terão efeito sobre os preços do feijão (ou do leite, ou da manteiga), que estão aumentando a inflação". Essa é, porém, uma visão simplista e errônea do fenômeno inflacionário.
Para começar, se removemos do índice de inflação os preços que sobem mais rápido, o que sobra deve, por definição, mostrar uma taxa de inflação mais baixa, indicando que o argumento acima é muito menos inteligente do que se pretende. Afinal, se essa análise fosse válida, a inflação jamais seria um problema em nenhum lugar do mundo, pois sempre haveria um grupo de produtos que, devidamente expurgado do cálculo, mostraria uma taxa de inflação sob controle.
Uma análise mais isenta se concentra não apenas nos preços que mais crescem mas também naqueles que mais caem (ou que crescem à menor velocidade), de forma a isolar da medida de inflação movimentos acidentais, isto é, fruto de choques setoriais que não estão necessariamente associados à dinâmica de demanda da economia. Tais medidas ("núcleos" de inflação), supõe-se, capturam melhor a tendência subjacente da inflação e seus movimentos ao longo do tempo e deveriam, portanto, sinalizar se o comportamento da inflação decorre mesmo de fatores acidentais ou de um fenômeno mais profundo. Aqui analisamos a evolução de duas dessas medidas.
A primeira (núcleo por exclusão) retira do IPCA o efeito do preço dos alimentos consumidos no domicílio, bem como dos preços administrados (tarifas de energia, telefone, etc.). A segunda (o núcleo de "médias aparadas") remove do IPCA os maiores e menores aumentos de preços, sob a suposição de que tais movimentos mais exagerados estariam provavelmente associados a fenômenos acidentais.
Isso dito, convido o leitor a uma breve inspeção do gráfico aqui exibido. Nele medimos a aceleração da inflação "cheia" -isto é, o quanto subiu (ou desceu) a inflação- contra a aceleração das medidas de núcleo da inflação. Se a aceleração da inflação for muito diferente da aceleração dos núcleos, seria correta a afirmação acerca de a inflação em alta resultar de choques específicos, contra os quais pouco pode a política monetária. Em contraste, caso a aceleração da inflação e dos núcleos seja parecida, é claro que a alta da inflação resulta de uma tendência subjacente a ser devidamente combatida.
Os dados são eloqüentes: a aceleração recente da inflação coincide pontualmente com a das medidas de núcleo, mostrando que a inflação mais alta não vem do preço do feijãozinho (ou do leitinho, ou da manteiguinha), mas de uma piora da tendência de inflação. Não é difícil sair da análise superficial, mas certa integridade intelectual é condição absolutamente necessária.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 45, é economista-chefe do Banco Santander, doutor pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com



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