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LUÍS NASSIF
Guerreiros contra dragões
O cineasta Cacá Diegues
inaugurou o tiroteio contra a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual). Seguiu-se uma entrevista
ao "Estado de S.Paulo", de Arnaldo Jabor, que, com seu estilo
exuberante, produziu um épico. Do lado do bem, Palocci,
Meirelles e a liberdade de mercado. Do lado do atraso, a Ancinav, o Conselho Federal de
Jornalismo, o dirigismo, o nacionalismo retrógrado dos
anos 80 (faltou o bicho-do-pé).
Todos juntos, indiferenciados,
na melhor tradição retórica de
George W. Bush e do eixo do
mal e do subdesenvolvimento
mental brasileiro da "fulanização" -que Jabor tem combatido permanentemente com brilho. Pegue uma idéia, coloque
ao lado do que você denomina
de más companhias, e pronto.
A satanização nos poupa do
exercício trabalhoso da argumentação.
Culminou com o colunista
Merval Pereira, em sua geralmente excelente coluna em "O
Globo", em que identificou o
embrião que germinou no "dinossauro" da Ancinav: um artigo do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães que expunha a necessidade de, na área
da globalização digital, defender valores culturais nacionais
contra o predomínio estrangeiro. É o getulismo de volta?
O pessoal do Ministério da
Cultura alegou que as discussões sobre a Ancinav tinham
sete meses; o artigo do diplomata havia circulado dois dias
antes. Corretamente, Merval
rebateu dizendo que o que importava não era o artigo em si,
mas as idéias que o precediam.
Tem toda razão. Vamos às
idéias iniciais, em documento
que circulou no ano passado e
que seguramente irá integrar o
"eixo do atraso" de Jabor. Dizia o documento:
a) É preciso agir logo para rechaçar um perigo real, concreto e iminente. O perigo de que o
Brasil se transforme em Brazil.
b) (...) Uma ação rápida do
Congresso e do Executivo para
estender o disposto na Constituição (obs.: a manutenção do
controle da mídia nas mãos do
capital nacional) a todas as
atividades de comunicação social para brasileiros.
c) Uma ação estratégica que
reconheça que a produção da
cultura é um setor estratégico
para o desenvolvimento do
país e para o aumento da riqueza nacional e, por isso, exige políticas públicas;
d) É nossa convicção de que a
produção de bens culturais é
fundamental para assegurar a
soberania e sustentar o desenvolvimento nacional.
e) É preciso evitar a perda da
hegemonia econômica nacional na cultura.
Documento nacionalista?
Sem dúvida. Protecionista?
Certamente. Com idéias similares às do embaixador? Evidentemente. Jurássico? Por
analogia, se se mantiver a avaliação de que as idéias do embaixador são jurássicas, as
idéias expostas no documento
também são. E vice-versa. De
minha parte, acho a visão correta.
O documento em questão é a
conclusão oficial do relevante
seminário organizado pela
PUC e pela TV Globo no ano
passado, que levantou temas
bastante pertinentes sobre globalização cultural.
Posto isso, que tal começar a
discutir sem maniqueísmos a
Ancinav e explicitar claramente interesses atendidos e contrariados? A convergência de
mídias acabará, finalmente,
com a herança getulista da reserva de mercado que caracteriza o atual sistema de concessões para rádio e televisão.
Cria o risco real da invasão dos
gigantes mundiais, mas abre a
oportunidade para o florescimento de uma indústria cultural independente no país. Como nos protegermos dos riscos,
sem abrir mão das novas possibilidades? Esse é o desafio.
Nas próximas colunas, vamos tentar entender de forma
menos maniqueísta os principais pontos da proposta de
criação da agência, com prós e
contras.
E-mail - Luisnassif@uol.com.br
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