São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2004

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LUÍS NASSIF

Guerreiros contra dragões

O cineasta Cacá Diegues inaugurou o tiroteio contra a Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual). Seguiu-se uma entrevista ao "Estado de S.Paulo", de Arnaldo Jabor, que, com seu estilo exuberante, produziu um épico. Do lado do bem, Palocci, Meirelles e a liberdade de mercado. Do lado do atraso, a Ancinav, o Conselho Federal de Jornalismo, o dirigismo, o nacionalismo retrógrado dos anos 80 (faltou o bicho-do-pé). Todos juntos, indiferenciados, na melhor tradição retórica de George W. Bush e do eixo do mal e do subdesenvolvimento mental brasileiro da "fulanização" -que Jabor tem combatido permanentemente com brilho. Pegue uma idéia, coloque ao lado do que você denomina de más companhias, e pronto. A satanização nos poupa do exercício trabalhoso da argumentação.
Culminou com o colunista Merval Pereira, em sua geralmente excelente coluna em "O Globo", em que identificou o embrião que germinou no "dinossauro" da Ancinav: um artigo do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães que expunha a necessidade de, na área da globalização digital, defender valores culturais nacionais contra o predomínio estrangeiro. É o getulismo de volta?
O pessoal do Ministério da Cultura alegou que as discussões sobre a Ancinav tinham sete meses; o artigo do diplomata havia circulado dois dias antes. Corretamente, Merval rebateu dizendo que o que importava não era o artigo em si, mas as idéias que o precediam.
Tem toda razão. Vamos às idéias iniciais, em documento que circulou no ano passado e que seguramente irá integrar o "eixo do atraso" de Jabor. Dizia o documento:
a) É preciso agir logo para rechaçar um perigo real, concreto e iminente. O perigo de que o Brasil se transforme em Brazil.
b) (...) Uma ação rápida do Congresso e do Executivo para estender o disposto na Constituição (obs.: a manutenção do controle da mídia nas mãos do capital nacional) a todas as atividades de comunicação social para brasileiros.
c) Uma ação estratégica que reconheça que a produção da cultura é um setor estratégico para o desenvolvimento do país e para o aumento da riqueza nacional e, por isso, exige políticas públicas;
d) É nossa convicção de que a produção de bens culturais é fundamental para assegurar a soberania e sustentar o desenvolvimento nacional.
e) É preciso evitar a perda da hegemonia econômica nacional na cultura.
Documento nacionalista? Sem dúvida. Protecionista? Certamente. Com idéias similares às do embaixador? Evidentemente. Jurássico? Por analogia, se se mantiver a avaliação de que as idéias do embaixador são jurássicas, as idéias expostas no documento também são. E vice-versa. De minha parte, acho a visão correta.
O documento em questão é a conclusão oficial do relevante seminário organizado pela PUC e pela TV Globo no ano passado, que levantou temas bastante pertinentes sobre globalização cultural.
Posto isso, que tal começar a discutir sem maniqueísmos a Ancinav e explicitar claramente interesses atendidos e contrariados? A convergência de mídias acabará, finalmente, com a herança getulista da reserva de mercado que caracteriza o atual sistema de concessões para rádio e televisão. Cria o risco real da invasão dos gigantes mundiais, mas abre a oportunidade para o florescimento de uma indústria cultural independente no país. Como nos protegermos dos riscos, sem abrir mão das novas possibilidades? Esse é o desafio.
Nas próximas colunas, vamos tentar entender de forma menos maniqueísta os principais pontos da proposta de criação da agência, com prós e contras.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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