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Entrevista - Luiz Carlos Mendonça de Barros
Lula faz populismo cambial e Mantega é seu puxa-saco
Economista afirma que país desperdiça atual força das contas externas, que poderia financiar taxas de crescimento mais aceleradas, e critica gasto público
Na quinta passada, o risco Brasil caiu ao piso recorde
de 205 pontos. Seguiu uma combinação de juros estáveis nos EUA, crescimento internacional, commodities com preços elevados e, principalmente, de juros
brasileiros nas alturas. Estima-se que US$ 15 bilhões
entrem no país no segundo semestre e que as reservas
internacionais passem dos US$ 80 bilhões neste ano.
Olhando para esse cenário, Luiz Carlos Mendonça de
Barros falou à Folha na semana passada.
FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL
Luiz Carlos Mendonça de
Barros, economista e tucano
roxo, afirma que o ministro
Guido Mantega (Fazenda) é
"um mão-mole" e "puxa-saco
do Lula". Chama o presidente
de "oportunista" e o acusa de
fazer "populismo cambial" ao
desperdiçar a chance de permitir que o país cresça mais.
"Me dá vontade de sair gritando na rua: "Não é possível
que vocês não enxerguem isso!'", afirma. "Isso" é a enxurrada de dólares que irriga o que
ele chama de "coração novo" do
Brasil.
"Estive lá no Plano Cruzado,
depois no Real. Vivo o mercado.
Dá para ver claramente o que é.
O Brasil tinha um coração fragilíssimo. Se desse um pique, tinha um treco. Tínhamos déficit
em dólar. Isso mudou."
Mendonça de Barros diz que
equivalem a "aspirina para
pneumonia" as medidas do
Banco Central, até aqui, para
conter a valorização do real.
A única saída, diz, é crescer.
Com juro mais baixo para frear
o ingresso de dólares e com
mais abertura comercial.
Dois problemas. Embora diga que o juro está "errado", o
economista entende a cautela
do BC, a quem chama de "bastião de uma certa ortodoxia" no
governo. A despesa, afirma, "é
uma conta aberta" na "mão-mole" da Fazenda.
Segundo: Lula faz "populismo cambial". "Se você olhar a
melhora na renda, 70% dela é
devido ao câmbio. Tivemos
uma redução extraordinária do
custo de alimentação. Não é o
Bolsa-Família. É o Bolsa-Família com o câmbio."
O economista afirma que o
populismo cambial de Lula é
diferente, no seu financiamento, do feito por FHC na reeleição de 1998. "Na época, era com
dinheiro emprestado. Agora, é
com dinheiro nosso, de exportações. É mais perene."
Ao longo do caminho, prevê,
perderão a indústria mais complexa e a classe média, aprofundando a polarização entre os
ganhos dos rentistas (via juros)
e dos mais pobres (via câmbio).
FOLHA - Apoiado em um cenário
externo muito favorável e embora
crescendo pouco, o Brasil mostra
que as classes D e E entraram mais
no consumo. Que há maior distribuição de renda, ainda que pela via do
Bolsa-Família, e mais empregos,
ainda que precários. Avançamos?
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS -
É evidente que a incorporação
e a redução da pobreza é uma
situação que não se pode ir contra. Ela faz sentido, seja do ponto de vista econômico, social ou
político. O que precisamos ver é
como isso se deu. Se faço a economia crescer 6% ou 8% ao ano
e direciono os gastos do governo para os mais pobres, essa é a
forma correta de acoplar crescimento econômico com desenvolvimento social.
Mas não é isso o que está
acontecendo. Se olharmos a
melhoria de renda no Brasil hoje, 70% dela é devido ao câmbio, via o canal dos alimentos,
que pesam 70%, 80% no consumo dos mais pobres. Em outras
palavras: com o mesmo salário
nominal e com o salário mínimo crescendo em termos reais,
você teve um poder de compra
60% maior nos alimentos. É isso que mudou na renda. Não é o
Bolsa-Família. É o Bolsa-Família com o câmbio.
FOLHA - O sr. diria que tem um
"populismo cambial" aí?
BARROS - É claramente um populismo cambial.
FOLHA - Mas o governo não tentou, de várias maneiras e sem sucesso, desvalorizar o real?
BARROS - Isso aí é aspirina para
pneumonia. A diferença de
agora e de quando falavam que
tinha populismo cambial no
governo Fernando Henrique é
que a valorização do real, na
época, era feita com dinheiro
emprestado. Agora, é feita com
o nosso dinheiro, com o dinheiro das exportações. Então, ela é
mais sólida, mais perene.
Mas não estamos discutindo
quais são os custos futuros associados a esse ganho de renda
presente. Essa é a questão fundamental. Eu só acredito que
haja um processo de desenvolvimento econômico, de melhoria de distribuição de renda,
quando ele é baseado em emprego, salário e mais educação.
Não é isso o que estamos vendo, ao contrário. Se olharmos o
emprego formal vemos que
quem ganhava até dois salários
mínimos eram 28% há alguns
anos. Hoje, são 50%.
É evidente que quem ganha
até dois salários está vivendo
muito melhor. Agora, como é
que eu chego para esse sujeito e
digo: "Olha, você precisa tomar
cuidado porque o que nós estamos fazendo é gastando poupança, que podia estar sendo
feita para melhorar a situação
do seu filho e a sua situação
mais à frente". Isso não é dito.
Nesse sentido, o populismo
cambial do Lula é mais grave
que o de Fernando Henrique,
porque lá atrás era com dinheiro emprestado. Quem era contra sabia que era questão de
tempo para acabar. Isso aqui
não. Pode demorar. E esse tipo
de doença pode fazer com que o
Brasil perca a chance que o
mundo está nos dando.
FOLHA - O que dá para fazer de diferente hoje no câmbio?
BARROS - O Brasil só tem um
jeito de resolver o excesso de
saldo comercial: crescer mais e
fazer as importações crescerem
por causa do crescimento. Temos hoje importações crescendo por substituição de produção interna, por consumo.
Nós estamos vivendo uma situação em que você tem um
grupo, que ainda domina o pensamento econômico do governo, que ainda está muito centrado no passado, nas crises externas, na inflação. E não está
conseguindo enxergar esse momento de oportunidade. Para
que ele seja maximizado, é preciso uma série de reformas, que
não são mais reformas macroeconômicas, mas microeconômicas. Este tipo de discussão,
infelizmente, não existe.
A impressão que passa, do
próprio Lula, é de que está tudo
uma maravilha. Não é verdade.
Já estamos comendo nossa pele e isso vai aparecer. O primeiro momento em que isso vai
aparecer será quando a previsão dos otimistas, de um PIB de
4% neste ano, não vingar. E não
vai porque as importações aumentaram muito. Boa parte da
produção interna já está sendo
substituída por importações.
Esse é um processo que, quando se instaura, não acaba mais.
FOLHA - Imagino que o governo
não seja masoquista de não querer
que o país cresça. O que o sr. faria de
diferente hoje do que o Banco Central faz na questão dos juros?
BARROS - Não precisa ser PT,
PSDB, ortodoxo, heterodoxo,
para ver que o juro está errado.
O juro real é o mesmo de quando tínhamos um risco-país de
300, 400 pontos. Hoje, temos
200. O país exportava muito
menos, não tinha reservas. Hoje, temos US$ 70 bilhões.
O juro está errado por definição. Simplesmente por comparação. Temos um juro real de
10% e é muito difícil crescer assim. O juro é só o topo do iceberg. É um negócio tão desproporcional que chama a atenção.
Mas o que vemos é o Lula acomodado. Ele é o maior defensor
da taxa de câmbio valorizada.
Pois é o maior beneficiário.
FOLHA - O sr. acha que o governo
ainda não mexeu nisso porque a política está levando o presidente-candidato à reeleição ou porque ainda
não viu o que o sr. diz ver?
BARROS - Claramente, olhando
para a história dele, o Lula é um
oportunista. "Por que eu vou
mudar uma coisa que está me
dando esse tipo de popularidade?" É difícil. Veja, o Fernando
Henrique passou pelo mesmo
processo. "Por que eu vou mudar o câmbio se eu estou tão
bem?" É difícil para quem não é
do ramo, para quem não é economista. Essa é a primeira motivação para o Lula não mudar.
A segunda são os puxa-sacos,
e está cheio, porque não é só o
pobre que está se beneficiando.
O rico também está, via mercado financeiro. Você olha os lucros dos bancos brasileiros, é
um crime. E quem é que está
perdendo? É quem está no
meio. O cara que ganhava oito
salários mínimos e depois ficou
desempregado porque a fábrica
precisou reduzir custos e agora
está ganhando cinco salários. O
cara que ganhava cinco, que hoje ganha dois. A agricultura está
perdendo. O setor exportador.
Se você abrir a indústria, tem
setores que já estão em processo de recessão. É uma coisa engraçada. Talvez a história venha mostrar que a maior marca
do Lula foi ter provocado a
maior divisão na sociedade.
É uma divisão absolutamente irracional, que reflete um
pouco a falta de coerência política do PT e do Lula. O banqueiro ganha e o sujeito do Bolsa-Família ganha. Ganha o rentista e o sujeito que ganha até dois
salários. E o sujeito que está
trabalhando? Você pega o salário de um engenheiro recém-formado e vê que ele foi proletarizado. Por quê? Porque não
tem demanda. É um momento
muito angustiante. Tudo isso
detonado, basicamente, pela
parte externa. Só que isso está
criando movimentos encadeados de mudanças rápidas dentro do tecido econômico.
FOLHA - Como reverter esse encadeamento para um lado positivo?
BARROS - Primeiro, é preciso
tomar consciência que o lado
externo mudou de uma forma
estrutural e há mudanças a fazer na parte fiscal. Hoje, nós estamos tirando renda da parte
eficiente da economia e dando
para o governo para distribuir
isso para o sujeito comer. Isso é
muito bom do ponto de vista da
distribuição de renda, mas do
ponto de vista de uma economia de mercado é o pior caminho que você tem. Nós temos
39% do PIB de carga fiscal e
ainda temos déficit no governo.
A equação para mim é muito
clara: é reconhecer que a parte
externa me permite ser muito
mais ousado em termos de
crescimento econômico. Mas,
para eu ousar mais, preciso restabelecer uma certa eficiência
econômica, que começa pela
redução da despesa do governo.
Ela permitirá, posteriormente,
uma redução da carga tributária e dos juros maior do que o
governo vem fazendo.
FOLHA - O sr. vê o candidato Geraldo Alckmin imbuído desse pensamento? O sr. está participando?
BARROS - Participo. O PSDB
tem, para o bem e para o mal,
grande diversidade de pensamento econômico. A opção que
o candidato fez, que me parece
definitiva, é pelo crescimento.
FOLHA - E o trauma do "vôo de galinha", do velho "stop and go"?
BARROS - Isso tudo era por causa do lado externo. Eu trabalhei
no governo. Estive lá no Plano
Cruzado, depois no Real. Vivo o
mercado. Dá para perceber claramente o que é. A seqüência
era essa. O Brasil tinha um coração fragilíssimo. Se desse um
pique, tinha um treco. Levava
um susto de fora, outro treco.
Não havia reservas. Você tinha
déficit de dólar. Isso mudou.
Me dá desespero e vontade
de sair gritando na rua: "Não é
possível que vocês não enxerguem isso!". Está certo que eu
vejo isso dez horas por dia, borbotões de dólares entrando.
Outro dia o BC comprou US$
700 milhões num dia. O Brasil
compra US$ 5 bilhões por mês.
E as pessoas estão com medo!
FOLHA - O sr. ficaria surpreso se o
Lula fizesse algo na linha do que o sr.
diz após uma eventual reeleição?
BARROS - Além de surpreso, eu
iria de joelhos a Aparecida do
Norte. Pode me cobrar isso.
FOLHA - Nos últimos anos, o BC trabalhou na diminuição da vulnerabilidade externa, na recomposição
das reservas. O sr. não acha que esses mesmos sujeitos, olhando para
esses números, não podem chegar a
essa conclusão que o sr. chegou?
BARROS - Eles estão evoluindo
na direção correta, mas muito
len-ta-men-te. Eles estão com
medo de avançar mais na redução dos juros e levar uma bola
pelas costas na parte fiscal, que
está um "samba do Crioulo
Doido". Por isso é que a parte
fiscal e a redução mais agressiva dos juros têm de andar juntas. A despesa hoje é uma conta
aberta. É a cabeça desse pessoal. Você olha quem está no
governo e dá medo. É gente que
não sabe contabilidade, que
não sabe onde debita e credita.
FOLHA - Em que áreas do governo?
BARROS - Em todas. O [Guido]
Mantega, por exemplo, é um
"mão-mole". O [Antonio] Palocci [ex-Fazenda] era um cara
diferente, mas ele se foi.
FOLHA - O Mantega é "mão-mole"
em que sentido?
BARROS - É leniente. Tudo é
uma maravilha. Ele é um puxa-saco do presidente da República. Alguém no governo tem que
ser o chato que era o Palocci. De
falar: "Não dou, não deixo, não
faço". Quem faz isso hoje? A
Dilma [Rousseff, ministra da
Casa Civil]? Aquele cara do Paraná lá [Paulo Bernardo, ministro do Planejamento], ex-bancário, caixa? Ele sempre pagou,
nunca recebeu.
Acho que isso é que inibe o
Banco Central. Ele fica com
medo de ir mais adiante na velocidade dos juros. O BC é hoje
o bastião de uma certa ortodoxia do governo. E se eu me vejo
como o último bastião de uma
certa racionalidade, como é que
eu vou dar sinais de que vou entrar na onda dos outros?
Até acho que, como a inflação
tem hoje uma outra dinâmica, o
BC vai baixar o juro. O problema é que ele vai muito lentamente por causa do lado fiscal.
E está certo. Esse é o drama do
momento. É duro. Temos de
reconhecer que quem vai votar
no Lula está certo, porque a vida dele melhorou. Como é que
eu vou dizer a esse sujeito que
está comendo mais, o filho comendo mais, que isso tudo vai
voltar em cima dele daqui a três
ou quatro anos? Esse é o drama.
O Lula está a favor dessa política porque está dando certo
para ele. Ele tem uma identificação com os mais pobres e colocou a economia nessa direção. Como é que você mostra
que isso tem problemas? É
mui-to di-fí-cil. Aí não adianta.
Quando olhamos para trás, há
momentos em que a história
nos coloca nessas armadilhas.
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