São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

O nacionalismo em Fernando Pessoa


Nacionalismo não implica agarrar-se cegamente a tradições nacionais e excluir ensinamentos externos

VOLTO A falar um pouco de Fernando Pessoa. Como já mencionei nesta coluna, Pessoa era um nacionalista. A sua principal obra publicada em vida, "Mensagem", é um livro ardorosamente patriótico. Certa vez, Pessoa escreveu: "A existência da humanidade, se por ela se entende qualquer coisa mais do que a simples espécie animal chamada homem, é tão hipotética e racionalmente indemonstrável como a existência de Deus". E em outra ocasião afirmou: "Só existem nações; não existe humanidade".
Nada mais verdadeiro. "Humanidade" é uma abstração vazia, um daqueles conceitos universais que são "a última fumaça da realidade evaporada", para usar uma expressão de Friedrich Nietzsche. Já a nação é algo vivo, que pode mobilizar, encantar, fascinar.
No Brasil, os adversários do nacionalismo -os integrantes da poderosa quinta-coluna- tentam, é claro, sempre caricaturá-lo. No debate econômico, essa caricatura apóia-se freqüentemente na dicotomia simplista: economia aberta "versus" economia fechada. Apresentam o nacionalismo como um movimento político e cultural que tende ao isolamento, à autarquia e à rejeição pura e simples de tudo o que vem de fora.
Não é necessariamente assim. A forma superior do nacionalismo é aquela que se mostra aberta a elementos estrangeiros e consegue absorvê-los e incorporá-los de forma criativa e inovadora. É o que Fernando Pessoa chamava de "nacionalismo cosmopolita". "O que é preciso ter", dizia ele, "é uma noção do meio internacional, e não ter a alma (ainda que obscuramente) limitada pela nacionalidade. Cultura não basta. É preciso ter a alma na Europa."
O nacionalismo, explicava Pessoa, é um "patriotismo ativo", que pretende defender a pátria de influências que possam danificar e perverter a sua "índole própria". Mas as influências estrangeiras úteis e aproveitáveis devem ser "assimiladas, isto é, convertidas na substância da índole nacional".
Nacionalismo não implica agarrar-se cegamente a tradições nacionais e excluir valores e ensinamentos externos. O importante, lembrava Pessoa, é "nacionalizar todos os fenômenos importados". Para Pessoa, "a vitalidade de uma nação -a verdadeira e real vitalidade- mede-se pela facilidade, prontidão e eficácia com que se nacionaliza o importado".
Nacionalizar o importado. A formulação de Pessoa lembra a do movimento antropofágico brasileiro, iniciado na década de 1920 por Oswald de Andrade. Esse movimento lançava mão de uma metáfora marcante, a da antropofagia, para indicar que o "colonizador" (isto é, a influência norte-americana e européia) deveria ser devorado, e a sua substância, incorporada à cultura nacional. O Brasil não deveria nem rejeitar a influência estrangeira nem simplesmente imitá-la de maneira servil.
O Brasil sempre oscilou entre dois pólos: a absorção criativa e a mimese. Tivemos os modernistas, Villa-Lobos, Oscar Niemeyer, Celso Furtado, a Bossa Nova. Mas toda uma parte da elite brasileira (não preciso mencionar nomes) viveu e ainda vive da simples reprodução das últimas modas e tendências internacionais.
Os nossos economistas, por exemplo, integram em sua maioria esse segundo grupo. Há uma reação contra isso, mas o ensino e a prática da economia no Brasil ainda são dominados pela aceitação acrítica, passiva de modelos importados, sobretudo dos Estados Unidos. Os economistas converteram-se, assim, em um obstáculo não-desprezível à consolidação de um projeto nacional.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

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