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ARTIGO
Guerra não é sinônimo de recuperação econômica
PAUL KRUGMAN
"Essa situação do mercado de ações -quais são as
opções militares?". Essa era a legenda de uma charge publicada
na revista "The New Yorker" no
mês passado. Hoje em dia, entretanto, a realidade anda superando
a sátira. Já em junho, Larry Kudlow, da CNBC, publicou uma coluna no "Washington Times" intitulada "Tomando o mercado de
volta -à força". Nela, ele defendia a invasão do Iraque para fortalecer o índice Dow Jones.
Bastante espantoso, mas não
tanto quanto uma coluna publicada em julho no "New York
Post" por John Podhoretz e cujo
título dizia "Surpresa de outubro,
por favor!", seguida pelo pedido:
"Vamos lá, presidente: distorça os
fatos!".
De modo geral, é mau augúrio
quando os proponentes de uma
política afirmam que ela vai resolver problemas não relacionados a
seu objetivo original. A justificativa sempre cambiante apresentada para explicar a redução nos
impostos ordenada por Bush -a
idéia é devolver o excedente à população; não, é para ser um estímulo à demanda; não, é uma política feita para fortalecer a oferta-
deveria nos ter alertado de que
tratava-se de uma obsessão à procura de uma justificativa.
As justificativas também diversas apresentadas para fundamentar a proposta de guerra contra o
Iraque -Saddam Hussein teria
estado por trás de 11 de setembro
e dos ataques com antraz; não,
mas ele está prestes a desenvolver
armas nucleares; não, mas é um
homem realmente maligno (o
que ele realmente é)-, tudo isso
passa uma sensação semelhante.
A idéia de que a guerra possa
realmente ser boa para a economia soa como apenas mais um
passo nessa progressão. Mas é
preciso reconhecer que já houve
momentos em que as guerras tiveram efeitos econômicos positivos, sim. Não há dúvida alguma
de que a 2ª Guerra Mundial tirou
os Estados Unidos da Grande Depressão. E a economia americana
de hoje, embora não esteja em depressão, se beneficiaria de um
pouco de ajuda; as evidências
mais recentes apontam para uma
recuperação tão lenta e desigual
que a sensação que ela dá é de que
a recessão continua. Seria a guerra
uma resposta, então?
Não. A 2ª Guerra Mundial é um
péssimo modelo no qual basear-se para estimar os efeitos econômicos de uma nova guerra no
Golfo Pérsico. Levando tudo em
conta, é muito mais provável que
tal guerra fosse deprimir nossa
economia, em lugar de lhe servir
de estímulo.
Não há nada de mágico nos gastos militares. Eles não fornecem
mais estímulo econômico do que
forneceriam os mesmos valores
gastos, por exemplo, com a limpeza de locais usados para depósitos de lixo tóxico.
A razão pela qual a 2ª Guerra
Mundial conseguiu realizar o que
o New Deal não pôde foi simplesmente que ela varreu de lado as
inibições costumeiras. Antes de
Pearl Harbor, Franklin Roosevelt
não tinha a determinação nem o
poder de decisão legislativa suficiente para instaurar programas
realmente amplos de estímulo à
economia. Mas a guerra fez com
que fosse não apenas possível,
mas necessário o governo gastar
em escala antes inconcebível, restaurando ao país o emprego pleno
pela primeira vez desde 1929.
Desta vez, pelo contrário, o
Congresso está ansioso por gastar
com projetos domésticos; se a administração quiser injetar dinheiro na economia, tudo o que ela
precisa fazer é deixar de lado suas
objeções a coisas como assistência a agricultores atingidos pela
seca ou a aquisição de novos equipamentos de comunicação para
bombeiros. Em outras palavras,
se a economia precisa de uma dose grande de gastos federais, nem
a economia, nem a política exigem que essa dose grande assuma
a forma de uma guerra.
Em todo caso, não está claro
quanto estímulo uma guerra iria
fornecer. Presume-se que as munições necessárias já estão estocadas, de modo que não haverá nenhum grande aumento nos pedidos feitos às fábricas. Haverá gastos com a manutenção da paz
-ou será que não?-, mas estes
serão dispersos ao longo de muitos anos.
Enquanto isso, há o potencial
lado negativo econômico, que pode ser resumido em uma só palavra: petróleo.
O próprio Iraque hoje fornece
uma parte tão pequena do petróleo consumido no mercado mundial que as perturbações causadas
pela guerra a sua produção não
representariam grande problema
para o mundo. Mas nem a guerra
árabe-israelense de 1973, nem a
revolução iraniana de 1979 afetaram diretamente a produção petrolífera. O que levou os preços do
petróleo a subir nessas ocasiões
foram as repercussões políticas
indiretas do conflito. Desta vez, líderes árabes já avisaram que uma
invasão do Iraque abrirá "os portões do inferno". Isso não soa como bom augúrio para o mercado
petrolífero.
Vale lembrar que cada uma das
crises do petróleo dos anos 1970
foi seguida por uma recessão grave -e que o aumento mais moderado nos preços do petróleo
que antecedeu a Guerra do Golfo
também foi seguido por uma recessão. Seria possível que uma alta nos preços do petróleo cru pudesse solapar nossa recuperação
econômica frágil, criando uma recessão repetida? Seria, sim.
Nada disso nos deve impedir de
invadir o Iraque se o governo conseguir apresentar argumentos
convincentes de que devemos fazê-lo por razões de segurança.
Mas é tolo e perigoso minimizar
as potenciais consequências econômicas de uma guerra, e mais
ainda afirmar que ela seria positiva para a economia.
Paul Krugman, economista, é professor
da Universidade Princeton (EUA) e colunista do "The New York Times".
Tradução de Clara Allain
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