São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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ARTIGO

Guerra não é sinônimo de recuperação econômica

PAUL KRUGMAN

"Essa situação do mercado de ações -quais são as opções militares?". Essa era a legenda de uma charge publicada na revista "The New Yorker" no mês passado. Hoje em dia, entretanto, a realidade anda superando a sátira. Já em junho, Larry Kudlow, da CNBC, publicou uma coluna no "Washington Times" intitulada "Tomando o mercado de volta -à força". Nela, ele defendia a invasão do Iraque para fortalecer o índice Dow Jones.
Bastante espantoso, mas não tanto quanto uma coluna publicada em julho no "New York Post" por John Podhoretz e cujo título dizia "Surpresa de outubro, por favor!", seguida pelo pedido: "Vamos lá, presidente: distorça os fatos!".
De modo geral, é mau augúrio quando os proponentes de uma política afirmam que ela vai resolver problemas não relacionados a seu objetivo original. A justificativa sempre cambiante apresentada para explicar a redução nos impostos ordenada por Bush -a idéia é devolver o excedente à população; não, é para ser um estímulo à demanda; não, é uma política feita para fortalecer a oferta- deveria nos ter alertado de que tratava-se de uma obsessão à procura de uma justificativa.
As justificativas também diversas apresentadas para fundamentar a proposta de guerra contra o Iraque -Saddam Hussein teria estado por trás de 11 de setembro e dos ataques com antraz; não, mas ele está prestes a desenvolver armas nucleares; não, mas é um homem realmente maligno (o que ele realmente é)-, tudo isso passa uma sensação semelhante.
A idéia de que a guerra possa realmente ser boa para a economia soa como apenas mais um passo nessa progressão. Mas é preciso reconhecer que já houve momentos em que as guerras tiveram efeitos econômicos positivos, sim. Não há dúvida alguma de que a 2ª Guerra Mundial tirou os Estados Unidos da Grande Depressão. E a economia americana de hoje, embora não esteja em depressão, se beneficiaria de um pouco de ajuda; as evidências mais recentes apontam para uma recuperação tão lenta e desigual que a sensação que ela dá é de que a recessão continua. Seria a guerra uma resposta, então?
Não. A 2ª Guerra Mundial é um péssimo modelo no qual basear-se para estimar os efeitos econômicos de uma nova guerra no Golfo Pérsico. Levando tudo em conta, é muito mais provável que tal guerra fosse deprimir nossa economia, em lugar de lhe servir de estímulo.
Não há nada de mágico nos gastos militares. Eles não fornecem mais estímulo econômico do que forneceriam os mesmos valores gastos, por exemplo, com a limpeza de locais usados para depósitos de lixo tóxico.
A razão pela qual a 2ª Guerra Mundial conseguiu realizar o que o New Deal não pôde foi simplesmente que ela varreu de lado as inibições costumeiras. Antes de Pearl Harbor, Franklin Roosevelt não tinha a determinação nem o poder de decisão legislativa suficiente para instaurar programas realmente amplos de estímulo à economia. Mas a guerra fez com que fosse não apenas possível, mas necessário o governo gastar em escala antes inconcebível, restaurando ao país o emprego pleno pela primeira vez desde 1929.
Desta vez, pelo contrário, o Congresso está ansioso por gastar com projetos domésticos; se a administração quiser injetar dinheiro na economia, tudo o que ela precisa fazer é deixar de lado suas objeções a coisas como assistência a agricultores atingidos pela seca ou a aquisição de novos equipamentos de comunicação para bombeiros. Em outras palavras, se a economia precisa de uma dose grande de gastos federais, nem a economia, nem a política exigem que essa dose grande assuma a forma de uma guerra.
Em todo caso, não está claro quanto estímulo uma guerra iria fornecer. Presume-se que as munições necessárias já estão estocadas, de modo que não haverá nenhum grande aumento nos pedidos feitos às fábricas. Haverá gastos com a manutenção da paz -ou será que não?-, mas estes serão dispersos ao longo de muitos anos.
Enquanto isso, há o potencial lado negativo econômico, que pode ser resumido em uma só palavra: petróleo.
O próprio Iraque hoje fornece uma parte tão pequena do petróleo consumido no mercado mundial que as perturbações causadas pela guerra a sua produção não representariam grande problema para o mundo. Mas nem a guerra árabe-israelense de 1973, nem a revolução iraniana de 1979 afetaram diretamente a produção petrolífera. O que levou os preços do petróleo a subir nessas ocasiões foram as repercussões políticas indiretas do conflito. Desta vez, líderes árabes já avisaram que uma invasão do Iraque abrirá "os portões do inferno". Isso não soa como bom augúrio para o mercado petrolífero.
Vale lembrar que cada uma das crises do petróleo dos anos 1970 foi seguida por uma recessão grave -e que o aumento mais moderado nos preços do petróleo que antecedeu a Guerra do Golfo também foi seguido por uma recessão. Seria possível que uma alta nos preços do petróleo cru pudesse solapar nossa recuperação econômica frágil, criando uma recessão repetida? Seria, sim.
Nada disso nos deve impedir de invadir o Iraque se o governo conseguir apresentar argumentos convincentes de que devemos fazê-lo por razões de segurança. Mas é tolo e perigoso minimizar as potenciais consequências econômicas de uma guerra, e mais ainda afirmar que ela seria positiva para a economia.



Paul Krugman, economista, é professor da Universidade Princeton (EUA) e colunista do "The New York Times".

Tradução de Clara Allain


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