São Paulo, sábado, 14 de setembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Globomania e globofobia

GESNER OLIVEIRA

As projeções catastrofistas sobre o futuro da economia mundial que surgiram na esteira dos trágicos eventos de 11 de setembro de 2001 não se confirmaram. As previsões pessimistas incluíam um forte aumento dos preços do petróleo e uma depressão da economia mundial. E não faltaram aqueles que anunciaram o apocalipse.
No entanto, diferentemente daquilo que se previa logo após os ataques, o preço do petróleo não variou tão radicalmente nos últimos 12 meses: o preço do brent em 11 de setembro de 2001 era de US$ 28,91, contra US$ 28,40 um ano depois. Ressalve-se que essa variável continua pressionada, em razão da iminente ação bélica do governo Bush no Iraque.
Diferentemente da previsão frequente no imediato pós-11 de setembro de uma recessão mundial, não se verificou uma desaceleração acentuada. A expansão em 2001 foi de 2,5%, e a previsão para este ano é de 2,8%, segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional). É bem verdade que esse desempenho não chega a ser motivo para comemoração, especialmente diante da resistência protecionista dos países mais ricos.
É irônico, por sua vez, que precisamente no campo do comércio a gravidade dos atentados de 11 de setembro tenha facilitado a superação do impasse depois do fiasco da reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Seattle. O imperativo de emitir sinais positivos para a economia mundial constrangeu os principais protagonistas (EUA e União Européia) a acelerar as negociações, culminando, em novembro de 2001, com o mandato para uma nova rodada de liberalização do comércio internacional, que resultou da 4ª Conferência Ministerial da OMC, em Doha, capital do Qatar.
Porém, mesmo sem recessão, o ambiente mundial continua adverso, marcado pela incerteza e pela aversão ao risco por parte dos investidores, agravado pelos escândalos contábeis de grandes empresas internacionais e pela fragilidade de hegemonia da administração Bush no cenário mundial, substituída por uma ameaçadora dominação político-militar. A "exuberância irracional" deu lugar ao ceticismo e ao fortalecimento das críticas àquilo que genericamente se chama de globalização.
O Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, que está em visita ao Brasil para discutir seu novo livro, "A Globalização e seus Malefícios", vem chamando a atenção para as oportunidades e sobretudo para os problemas da rede econômica global.
Do lado das oportunidades, Stiglitz lembra que os países do leste da Ásia usaram a globalização como um veículo para obter sucesso tanto no crescimento rápido quanto na redução da pobreza. Sua principal estratégia, que se revelou um caso de sucesso, envolveu a expansão mediante a promoção das exportações. A globofobia impediria a implementação de tal política que foi responsável pelo crescimento acelerado dos tigres asiáticos.
Mas a globalização pode acarretar novas dificuldades. Stiglitz aponta que, entre os pontos que aumentam as dificuldades dos países emergentes, sobressai a liberalização excessivamente rápida dos mercados financeiro e de capitais. A volatilidade dos fluxos de capitais pode engolfar países em severas crises, por mais que esses últimos queiram seguir as recomendações dos organismos multilaterais. Uma adesão cega à doutrina da globalização, ou à globomania, pode conduzir, portanto, a desastres como o da Argentina.
O problema não se restringe à liberalização dos movimentos de capitais, mas também da liberalização comercial. Stiglitz aponta que os países em desenvolvimento são forçados a seguir uma agenda de liberalização que os compele a competir, por exemplo, com mecanismos de subsídio e proteção nos principais mercados, como a Europa e os Estados Unidos.
Para escapar dos custos inevitáveis das duas opções extremas da globofobia e da globomania, é preciso fortalecer -e não desmontar- os Estados nacionais. Esses últimos carecem, em geral, de instrumentos adequados e modernos de política econômica. Não se trata de reeditar o intervencionismo do passado, mas de desenvolver mecanismos transparentes de regulação eficiente dos mercados.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-Eaesp, consultor da Tendências e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br E-mail - gesner@fgvsp.br

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