São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

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LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A crise financeira no centro do capitalismo

A falta de transparência está dificultando o trabalho dos BCs de manter funcionando os mercados de empréstimos

APESAR DA importância da divulgação dos números do PIB relativos ao segundo trimestre deste ano, decidi refletir sobre a evolução da crise financeira que atinge o centro do mundo econômico contemporâneo neste nosso encontro semanal.
A importância do acompanhamento da crise nos mercados financeiros do Primeiro Mundo está relacionada à perenidade desse nosso novo vigor econômico. Ele só poderá ser mantido se a economia do mundo continuar a crescer a taxas próximas a 4% ao ano. E, para que isso ocorra, a economia americana não pode entrar em recessão. E a crise atual, se não for superada com rapidez, pode levar a essa situação em 2008.
A crise iniciada com o colapso da bolha imobiliária nos Estados Unidos evoluiu nas últimas semanas para um quase congelamento de parcela importante do mercado de crédito americano, inclusive de curto prazo. O risco é que os problemas de crédito agravem o ajuste que está ocorrendo na construção civil, acentuando os problemas em outros segmentos. O canal seria a aceleração da queda dos preços dos imóveis, reduzindo a riqueza das famílias e, conseqüentemente, os gastos dos consumidores. Há evidências de que uma queda de 20% nos preços dos imóveis, cenário realista hoje, poderia subtrair mais de um ponto percentual do crescimento, o que seria suficiente para aproximar perigosamente o país de uma recessão. Daí a importância da reativar os mercados de crédito.
Mas aí entra a novidade trazida pela crise atual. Sabemos que o crédito nos países do Primeiro Mundo, seja para empresas ou consumidores, depende cada vez mais dos mercados de títulos e derivativos. Nos últimos anos, houve um vigor extraordinário, com o aparecimento de inovações financeiras que provocaram um boom pelo mundo afora. Os otimistas apontavam para essa universalização dos mercados de crédito como um fator de redução da possibilidade de crises, na medida em que o risco de crédito era espalhado para mais investidores e mercados, reduzindo a exposição do sistema bancário.
Mas esqueceram que, por outro lado, a transparência dos riscos de créditos empobrece muito quando passamos do crédito tradicional para os derivativos complexos que existem hoje. No primeiro caso, os bancos centrais mantém regulação e monitoramento eficiente das carteiras de empréstimo. No segundo, não existe uma instituição que consolide e acompanhe as responsabilidades dos emissores desses novos mecanismos de crédito. Além disso, a diversificação de risco apontada como vantagem das inovações está se mostrando menos abrangente, já que os bancos mantiveram linhas de crédito contingentes com vários dos veículos que assumiram riscos e que agora estão sendo sacadas. Ou seja, o risco está voltando para os bancos com rapidez inesperada.
A falta de transparência está dificultando o trabalho dos principais bancos centrais em seus mandatos de manter funcionando adequadamente os mercados de empréstimos. Tanto o Fed como o BCE estão agindo de forma decisiva para rapidamente trazer de volta a racionalidade de investidores e intermediários financeiros. Há muito boas chances de conseguirem. Mas, se fracassarem, o crescimento do mundo todo será reduzido. Nem mesmo o dinamismo da China e de outros países asiáticos deixará de ser afetado nessa hipótese. E o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também poderá descobrir que o problema não é só "dos americanos".


LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS, 64, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

lcmb2@terra.com.br


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