São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2008

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Indústria refuta plano do governo para racionar gás

Para os principais consumidores do combustível, governo pode ser questionado na Justiça se impuser racionamento

Consumo de gás no país está ameaçado por conta da crise política na Bolívia, que prejudicou o envio do combustível ao Brasil

AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo federal e o setor industrial terão de torcer muito por uma solução pacífica da crise boliviana.
A indústria já avisou que o tal plano de contingência para eventual corte do gás boliviano anunciado pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, na quinta-feira passada, vai gerar uma batalha judicial entre consumidores e fornecedores.
O principal problema: o plano jamais assumiu caráter legal, é mera peça informal que até pode ser fundamentado, mas, sem base legal, já é considerado arbitrário.
"Um plano de contingenciamento com essas condições deve gerar uma infinidade de questionamentos judiciais. Aliás, esse sempre foi o grande problema não resolvido dentro do grupo que discutiu o assunto junto com o ministério por mais de um ano", afirma Lucien Belmonte, superintendente da Abividro (Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro), um dos setores que mais consomem gás e que não aceitam a imposição de um novo racionamento.
Atualmente, o plano é um punhado de medidas elaboradas pela Petrobras que determina a escala de racionamento de gás natural, conforme o tamanho da crise e a capacidade de manobra em gasodutos operados na região Sudeste. Para os volumes de 3 milhões de metros cúbicos de gás por dia, as medidas anunciadas prevêem apenas a suspensão do consumo em refinarias e poucas termelétricas. As estimativas da agência reguladora da distribuição de gás em São Paulo indicam que a falta de 5 milhões dos 31 milhões de metros cúbicos importados da Bolívia seriam administrados sem afetar os consumidores tradicionais, como o industrial e o veicular. O consumo residencial não enfrenta riscos. O problema está numa situação de crise como a prevista nesta semana, em que o corte passaria dos 15 milhões de metros cúbicos por dia.
"Não se sabe hoje quem terá, por exemplo, a atribuição de determinar um corte, se o presidente ou o ministro, tampouco qual o formato. Como não há uma lei que defina estas coisas, e a regulação do gás é do governo federal e dos Estados, podem existir conflitos", afirma Zevi Kann, diretor de regulação e fiscalização das distribuidoras de gás da agência reguladora em São Paulo.
Essa dúvida seria posta à prova na semana passada. Na quinta, a crise boliviana ganhou uma dimensão inédita: a sabotagem da infra-estrutura de transporte do combustível, com a violação de equipamentos e um risco de corte de até 55% do gás bombeado para o Brasil, o que geraria um grave problema para a indústria.
O nível de corte estimado pelo governo chegou a 45% do consumo, um racionamento que geraria prejuízos nas indústrias ainda nem sequer mensurados. Felizmente, a maior parte do problema foi resolvida, sobrando o corte marginal de 10%, mas, diante da instabilidade no país vizinho, o risco persiste.

Promessa
Por mais de um ano, consumidores, concessionárias, reguladores e autoridades de governos discutiram um plano de racionamento de gás, mas jamais conseguiram fechar um acordo. O governo federal disse que editaria um decreto ou medida provisória com conteúdo negociado setorialmente. A promessa jamais foi cumprida.
O setor industrial afirma que a União considerava a formalização do plano a evidência da frágil posição brasileira de dependência da Bolívia. Metade do gás consumido aqui é extraída de campos bolivianos. "O governo não quis assumir um plano de contingência formalizado, porque achava que assumiria a existência de risco no sistema", diz Ricardo Lima, presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).
A principal dúvida da indústria é a força que esse plano teria agora. Na verdade, o país já conhece o problema. No último trimestre do ano passado, o governo federal foi obrigado a lançar um plano emergencial para socorrer o sistema elétrico. Parte do gás natural foi desviado para a geração térmica devido ao baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas.
A imposição da Petrobras e do governo federal gerou uma reação contrária do governo do Rio de Janeiro. "Muita gente no Rio entrou na Justiça no ano passado e obteve liminares que diziam para a Petrobras: entrega. Imagine só todo mundo entrando na Justiça e exigindo que a sua prioridade é maior do que a do outro?", questiona Belmonte. A situação de São Paulo é mais ordenada. Há um plano de contingenciamento para até 100% de corte, mas este não dispensa o plano federal.

Governo
A Folha tentou detalhar com o Ministério de Minas e Energia o conteúdo do plano de contingenciamento e repercutir com o governo a reação da indústria, mas não teve resposta.


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