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Indústria refuta plano do governo para racionar gás
Para os principais consumidores do combustível, governo pode ser questionado na Justiça se impuser racionamento
Consumo de gás no país está ameaçado por conta da crise política na Bolívia, que prejudicou o envio do combustível ao Brasil
AGNALDO BRITO
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo federal e o setor
industrial terão de torcer muito por uma solução pacífica da
crise boliviana.
A indústria já avisou que o tal
plano de contingência para
eventual corte do gás boliviano
anunciado pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, na
quinta-feira passada, vai gerar
uma batalha judicial entre consumidores e fornecedores.
O principal problema: o plano jamais assumiu caráter legal, é mera peça informal que
até pode ser fundamentado,
mas, sem base legal, já é considerado arbitrário.
"Um plano de contingenciamento com essas condições deve gerar uma infinidade de
questionamentos judiciais.
Aliás, esse sempre foi o grande
problema não resolvido dentro
do grupo que discutiu o assunto
junto com o ministério por
mais de um ano", afirma Lucien
Belmonte, superintendente da
Abividro (Associação Técnica
Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro), um dos setores que mais consomem gás e
que não aceitam a imposição de
um novo racionamento.
Atualmente, o plano é um
punhado de medidas elaboradas pela Petrobras que determina a escala de racionamento
de gás natural, conforme o tamanho da crise e a capacidade
de manobra em gasodutos operados na região Sudeste. Para
os volumes de 3 milhões de metros cúbicos de gás por dia, as
medidas anunciadas prevêem
apenas a suspensão do consumo em refinarias e poucas termelétricas. As estimativas da
agência reguladora da distribuição de gás em São Paulo indicam que a falta de 5 milhões
dos 31 milhões de metros cúbicos importados da Bolívia seriam administrados sem afetar
os consumidores tradicionais,
como o industrial e o veicular.
O consumo residencial não enfrenta riscos. O problema está
numa situação de crise como a
prevista nesta semana, em que
o corte passaria dos 15 milhões
de metros cúbicos por dia.
"Não se sabe hoje quem terá,
por exemplo, a atribuição de
determinar um corte, se o presidente ou o ministro, tampouco qual o formato. Como não há
uma lei que defina estas coisas,
e a regulação do gás é do governo federal e dos Estados, podem existir conflitos", afirma
Zevi Kann, diretor de regulação
e fiscalização das distribuidoras de gás da agência reguladora em São Paulo.
Essa dúvida seria posta à prova na semana passada. Na quinta, a crise boliviana ganhou
uma dimensão inédita: a sabotagem da infra-estrutura de
transporte do combustível,
com a violação de equipamentos e um risco de corte de até
55% do gás bombeado para o
Brasil, o que geraria um grave
problema para a indústria.
O nível de corte estimado pelo governo chegou a 45% do
consumo, um racionamento
que geraria prejuízos nas indústrias ainda nem sequer
mensurados. Felizmente, a
maior parte do problema foi resolvida, sobrando o corte marginal de 10%, mas, diante da
instabilidade no país vizinho, o
risco persiste.
Promessa
Por mais de um ano, consumidores, concessionárias, reguladores e autoridades de governos discutiram um plano de
racionamento de gás, mas jamais conseguiram fechar um
acordo. O governo federal disse
que editaria um decreto ou medida provisória com conteúdo
negociado setorialmente. A
promessa jamais foi cumprida.
O setor industrial afirma que
a União considerava a formalização do plano a evidência da
frágil posição brasileira de dependência da Bolívia. Metade
do gás consumido aqui é extraída de campos bolivianos. "O governo não quis assumir um plano de contingência formalizado, porque achava que assumiria a existência de risco no sistema", diz Ricardo Lima, presidente da Abrace (Associação
Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia
e de Consumidores Livres).
A principal dúvida da indústria é a força que esse plano teria agora. Na verdade, o país já
conhece o problema. No último
trimestre do ano passado, o governo federal foi obrigado a
lançar um plano emergencial
para socorrer o sistema elétrico. Parte do gás natural foi desviado para a geração térmica
devido ao baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas.
A imposição da Petrobras e
do governo federal gerou uma
reação contrária do governo do
Rio de Janeiro. "Muita gente no
Rio entrou na Justiça no ano
passado e obteve liminares que
diziam para a Petrobras: entrega. Imagine só todo mundo entrando na Justiça e exigindo
que a sua prioridade é maior do
que a do outro?", questiona
Belmonte. A situação de São
Paulo é mais ordenada. Há um
plano de contingenciamento
para até 100% de corte, mas este não dispensa o plano federal.
Governo
A Folha tentou detalhar com
o Ministério de Minas e Energia o conteúdo do plano de contingenciamento e repercutir
com o governo a reação da indústria, mas não teve resposta.
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