São Paulo, terça-feira, 14 de outubro de 2008

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BENJAMIN STEINBRUCH

Jogo bruto


Como outros países, o Brasil deve adotar imediatamente políticas para sustentar o crescimento econômico

PROCURO sempre evitar, nesta página, assuntos relacionados a negócios que dirijo. No atual momento estonteante da crise financeira mundial, porém, o leitor certamente vai me permitir um breve testemunho pessoal.
Na última sexta-feira, ao chegar em casa, após mais um dia conturbado pela queda das Bolsas, pensei comigo mesmo: "Nunca trabalhamos tanto!". Em meio à crise global, a Companhia Siderúrgica Nacional está prestes a bater, neste mês, seu recorde histórico de faturamento, com cerca de 470 mil toneladas de aço, sendo 410 mil para o mercado interno e 60 mil para o externo.
Cito isso para observar que, apesar da crise aguda dos mercados, com uma impressionante perda de riqueza de US$ 6,2 trilhões em uma semana nas Bolsas do mundo, o Brasil continua consumindo, e a indústria, vendendo.
Esse cenário, porém, não nos desobriga de adotar um combate pesado à crise. Nosso Banco Central, por exemplo, deve acompanhar os BCs do mundo, que reduziram os juros na semana passada, em ação conjunta. A manutenção por aqui da taxa de 13,75% ao ano, que já era uma "jabuticaba" excêntrica, se tornou uma aberração. Infelizmente, o corte da taxa já virá tarde, mas poderá ajudar a atenuar a falta de liquidez do mercado. E não faz sentido ter medo de inflação quando o inimigo passou a ser a deflação.
Não é hora mais, entretanto, de centrar críticas a políticas conservadoras como essa. Considero que a sociedade tem hoje a obrigação de apoiar toda e qualquer medida forte que o BC venha a tomar para deixar a economia funcionando, como a liberação maciça de compulsório feita ontem. O momento agora é outro, de luta contra o inimigo externo. Está liberado o uso de armas pesadas em favor da liquidez e do crescimento econômico. Em nenhuma hipótese, o governo poderá se render a teorias suicidas que sugerem maior corte de investimentos públicos.
Como os demais países, deve adotar imediatamente políticas keynesianas para sustentar o crescimento econômico com a força do Estado. Para 2009, estava prevista a repetição do superávit primário de 4,5% do PIB. Antes da crise, esse índice seria aceitável. Mas, diante da virada internacional, é natural que o superávit seja menor, para que mais recursos sejam aplicados no estímulo à atividade produtiva e à criação de empregos. Cada ponto percentual cortado no superávit pode colocar na economia quase R$ 30 bilhões em investimentos públicos.
O comportamento do país deve ter a simplicidade da formiga de La Fontaine, algo que os economistas chamam hoje de anticíclico: quando a economia vai bem, guardam-se recursos; quando vai mal, gastam-se os recursos guardados. O governo não pode hesitar, portanto, em utilizar as reservas monetárias para conter a desvalorização do real e controlar e prover o financiamento às exportações. Nas primeiras semanas da crise houve resistências a isso, mas na semana passada já foram disponibilizados alguns bilhões de reais das reservas no mercado de câmbio. Cabe ao governo também socorrer a atividade produtiva com créditos oficiais e do BNDES.
Como se diria no futebol, o Brasil não depende de resultados de terceiros para se manter bem classificado no campeonato mundial do crescimento. Até porque, não nos cabe pagar o pato por uma crise que não é nossa. O objetivo óbvio é manter empregos e, a despeito de todo esse cataclismo global, proporcionar um fim de ano feliz aos brasileiros. Será um jogo bruto, mas temos condições de vencê-lo.


BENJAMIN STEINBRUCH, 55, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp.

bvictoria@psi.com.br


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